Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Assegura que a falta de uma nova ordem tributária é responsável pelos desmandos enfrentados pelo país.

Autor
João Batista Motta (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: João Baptista da Motta
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Assegura que a falta de uma nova ordem tributária é responsável pelos desmandos enfrentados pelo país.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2006 - Página 6258
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, ORIGEM, PROBLEMAS BRASILEIROS, FOME, CORRUPÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, DEFESA, PRIORIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, COMBATE, SONEGAÇÃO, AUSENCIA, FISCAL, MODERNIZAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, MOVIMENTO FINANCEIRO.
  • REGISTRO, DADOS, HISTORIA, EVOLUÇÃO, TRIBUTOS, ESPECIFICAÇÃO, IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM), IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS).
  • CRITICA, CRIAÇÃO, EMPREGO, ANALISE, PROBLEMA, CRESCIMENTO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, DEFESA, INCIDENCIA, CONTRIBUIÇÃO, FATURAMENTO, EMPRESA.

O SR. JOÃO BATISTA MOTTA (PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Heloísa Helena, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, pelo adiantado da hora, eu já não falaria mais; estava conformado em ir para casa, porque, afinal de contas, nós estamos cerca de três horas além do tempo regimental. Mas o que me entusiasma a vir a esta tribuna hoje é exatamente V. Exª, candidata à Presidência da República, presidindo esta sessão. Do contrário, eu nem falaria mais hoje. Mas, como tudo pode acontecer, se V. Exª amanhã vier a ser Presidente de nosso País, queria que não se esquecesse das palavras que vou dizer aqui hoje. Venho batalhando, ao longo da minha vida, ao longo do tempo em que atuei como político, numa trincheira que vem desde os idos de 90, quando fui Deputado Federal, Srª Presidente. Hoje, este País enfrenta os atuais desmandos por uma única razão, Senadora Heloísa Helena, uma única razão: falta-nos uma nova ordem tributária.

Senador Eduardo Suplicy, preste atenção ao que estou falando aqui hoje. É uma luta que começamos em 1990. Repito: todas as mazelas, todas as dificuldades que encontraram os Governos passados e que encontra hoje o Presidente Lula é fruto da falta de coragem para se criar uma nova ordem tributária. Ela é responsável, sem dúvida alguma, por todos os desmandos neste País. Srª Presidente, ela é responsável, por exemplo, pelo aumento do consumo de drogas. E por quê? Porque o cidadão que ganha R$300,00 a R$350,00 de salário mínimo, por certo, tem de buscar outra alternativa para viver, porque, entre R$300,00, R$350,00 e nada, pouca diferença há no orçamento de uma família. E são milhões e milhões de pessoas que vivem nesse estado, nessa situação.

A falta de uma nova ordem tributária é responsável pela fome de milhões e milhões de brasileiros, Srª Presidente Heloísa Helena. Ela é responsável pela corrupção em todas as camadas da sociedade. É responsável pela corrupção do fiscal municipal, do policial - daqueles que se corrompem, evidentemente. Eles têm um gancho, eles têm como fazer dinheiro, eles têm como atrapalhar a vida daqueles que querem trabalhar, criando dificuldades e vendendo facilidades. Se V. Exª disser que há uma Prefeitura ou um Governo estadual neste País onde não haja isso, ninguém acredita. O povo brasileiro sabe perfeitamente do que estou falando. A falta de nova ordem tributária é responsável, por exemplo, pelas desigualdades regionais e pelas desigualdades sociais.

Quem não se lembra, Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, de que, quando os militares assumiram o poder no País, mudaram, tiraram o nome de vendas e consignações, do imposto estadual, e passaram para circulação de mercadorias? Naquela época, um produto fabricado, por exemplo, em São Paulo ou no Rio de Janeiro, num Estado desenvolvido, pagava na fábrica 8% de tributo. Ao ser revendido no Nordeste, num Estado que não produzia riquezas, ou seja, produtos de ponta, deixava no Estado que iria consumir esse produto outros 8%. Então, eram 8% no Estado que produzia - digamos São Paulo - e 8% no Estado de Sergipe, Espírito Santo, qualquer outro Estado que não possuísse aquela indústria.

A revolução chegou e criou circulação de mercadorias. Começou assim: 17% de tributo no Estado que produz o bem - por exemplo, o automóvel - e 17% no Estado que consome. Ora, 17% no Estado que consome não, senhora! Dezessete por cento sobre a diferença do preço. Então, se um automóvel custa, em São Paulo, R$50 mil na fábrica e no meu Estado é vendido por R$55 mil, vai pagar apenas sobre R$5 mil, ou seja, a diferença. São Paulo, em vez de levar o preço do produto, os R$50 mil do automóvel, fica ainda com a maior parte dos recursos gerados na venda daquele bem. Quanto à diferença dos R$5 mil, que é o lucro do comerciante no Estado que não possui a fábrica, às vezes, não consta em nota. O comerciante então ainda poderia subfaturar, colocar um lucro de apenas R$1 mil ou R$2 mil naquele automóvel e pagar imposto apenas sobre aquela diferença. Com isso, a riqueza brasileira drenou para os Estados mais ricos. Daí a desigualdade regional. Com ela, evidentemente, veio a desigualdade social.

Nós não temos dúvidas de que essa reforma tributária da maneira que é feita, da maneira que é praticada também contribui para que o cidadão no interior saia do seu habitat e venha morar nas regiões metropolitanas, ou seja, nas cidades grandes. A violência vem exatamente pela retirada do cidadão do seu habitat, do lugar em que nasceu, para procurar a cidade grande, a região metropolitana, a fim de ter a sua sobrevivência. Isso ainda ocorre porque é na cidade que se constroem habitações, ora para o rico, ora para o pobre. No interior nada, absolutamente nada.

Se uma indústria vai se instalar no meu Estado ou no Estado de V. Exª, não vai para o agreste, para o mato; ela quer ficar na região metropolitana. E a distribuição do ICMS também é penosa, desumana, porque aquele Município que mais produz é o que mais arrecada, o que mais vai receber migrações e que vai entrar no caminho da violência com mais facilidade.

Com um salário de R$300,00, R$350,00 e com a falta de emprego, o cidadão comum, o homem direito, ao ver os seus filhos passarem fome, cai na tentação de vender drogas na porta das escolas, nos aglomerados urbanos. Daí fica a um passo de ser preso ou morto. Não tem outra opção. A violência também é fruto da falta de uma nova ordem tributária.

E a burocracia instalada no País? Uma burocracia demolidora, que não permite que o cidadão possa se instalar com uma empresa; talvez o país mais difícil do mundo. E, uma vez registrada a pequena empresa, nunca mais ele consegue fechá-la, porque sempre vai ter uma pendência no Fisco, sempre vai ter uma pendência em algum lugar e ele não pode mais fazer outra coisa.

O pior de tudo: o cidadão entra no Cadin, no SPC, fica com o nome sujo e, a partir daí, até na hora de fazer concurso público, de conseguir um emprego, eles tomam informação na sua ficha cadastral; está impedido também de arranjar um emprego. Olhem o que a falta de uma nova ordem tributária nos traz!

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, num país igual ao nosso, o cidadão não tem o direito de ir e vir, uma carreta de transporte, ao sair do meu Estado para o Pará, tem que parar em trinta barreiras, algumas pessoas ficam em uma guarita, num plano mais alto, outras tiram a lona do caminhão, outros contam mercadorias, outros ficam com a escopeta para atirarem no pneu se o caminhão sair correndo. Isso acontece na divisa do Espírito Santo, depois do outro lado de Minas, depois na saída de Minas, depois na entrada de Brasília, depois na saída de Brasília, depois na entrada de Goiás, depois na saída de Goiás, depois na entrada do Tocantins, depois na saída do Tocantins. O homem é um marginal. O caminhoneiro, o homem que transporta, infelizmente, é tratado como um marginal pelo Governo do nosso País.

E aí nós vamos para o desenvolvimento do País. O Governo não tem dinheiro para fazer porto, não pode tapar buraco, não pode fazer estrada, não pode cuidar da saúde nem da educação. Por quê? Porque a Previdência tem um déficit de quarenta bilhões de reais, previsto para passar para oitenta bilhões por ano. Está chegando num patamar mais alto do que a dívida interna, talvez a dívida interna somada à dívida externa. Estamos caminhando para esse déficit na Previdência.

E por quê, Senadora Heloísa, esse déficit? Porque nós, os políticos, e os nossos administradores não estamos tendo competência para entender que Getúlio Vargas, quando criou a seguridade social, colocou o seu orçamento em cima da folha de pagamento. Aí veio a ciência e a tecnologia, tirando os homens dos seus postos de trabalho. Hoje estamos vendo empresas investindo cinco, dez, trinta bilhões de dólares. A empresa está crescendo. O jornal anuncia um investimento fantástico, anuncia que triplicou a produção daquela empresa, mas não fala que eles aplicaram tecnologia - daí aquele custo alto, aquele investimento alto. Não falam que o número de empregados foi reduzido pela metade, com uma filosofia contrária àquela que se fazia antigamente.

Um empresário, para conseguir um empréstimo do BNDES antigamente, precisava provar que gerava mais empregos. Hoje, não: ele tem de provar que não tem empregado e que, por isso, a empresa dele é eficiente e merece receber os recursos do Governo Federal.

Dentro dessa ótica, chegaremos aonde, Senadora Heloísa Helena?

Volto e continuo a relatar o problema da Previdência. Um produtor de lajota, de telhas, de produtos primários, tem no custo do seu produto cerca de 80% do seu valor. Quando vai para a construção civil, talvez fique na casa dos 50%. Quando a indústria é de ponta, quando é tecnologia, não tem 2% de trabalho humano, não tem contribuição para a seguridade social.

Onde está a competência dos nossos administradores para enxergar esse estado e mudar a receita, tirar a receita da folha de pagamento do infeliz do empregado e colocá-la no faturamento das empresas? Fazer com que a máquina pague tributo, com que aquela colheitadeira de cana que está substituindo quinhentos homens pague seguridade social, com que o robô que está soldando nas linhas de montagem das nossas indústrias pague seguridade social, assim como o computador que tirou o cidadão dos bancos, onde todas as operações são feitas eletronicamente.

Quem tem de pagar seguridade social são aqueles bilhões que V. Exª denunciou há poucas horas, do lucro do Bradesco. É do faturamento do Bradesco que têm de sair os recursos da Previdência e não do salário daquele miserável que ainda está no posto de trabalho. Com esse dinheiro, o governo pagaria o cidadão desempregado em casa. Temos de enxergar isso. Do contrário, não adianta.

Senadora Heloísa Helena, não estou falando apenas do problema da Previdência. Se atentássemos para outro fato, uma nova ordem tributária, se esquecêssemos de IPTU, ICMS, Imposto de Renda, impostos declaratórios e passássemos a cobrar tributos de forma invisível, de fontes insonegáveis, teríamos uma arrecadação maior que a de hoje, feita pelo computador, sem nenhum fiscal na rua, sem nenhum agente tributário. Se desse bolo, de onde ninguém poderia escapar, colocássemos 1% sobre as movimentações financeiras dos bancos, o pobre, como não tem dinheiro no banco, não pagaria tributo. Se instituíssemos um imposto sobre energia elétrica, telefone, petróleo, o pobre, como não tem carro, às vezes nem tem telefone, também não pagaria imposto.

Quando um rico sonega R$5 milhões, R$10 milhões, compra uma fazenda, uma lancha. Se custar R$1 milhão, ele tira uma nota fiscal de R$200 mil e sonega R$800 mil. E o pobre, que só tem direito de comer, de se vestir, de comprar, às vezes, uma lajota para construir uma casinha, paga 50% de tributo e não pode fugir de maneira alguma. O preço está no feijão, no arroz, na camisa, na calça, está no caderno que compra para o filho estudar.

Se praticássemos uma nova ordem em que cobrássemos os tributos da maneira como estou falando, invisível, insonegável, e distribuíssemos depois pelo número de habitantes de cada Estado, de cada Município, imagina V. Exª o que seria deste País! Se o cidadão, que tem sua porta aberta, sua barbearia, sua farmácia, tivesse a certeza de que não ia entrar, daquele dia em diante, nenhum fiscal em sua porta para lhe encher o saco, para impedi-lo de trabalhar, o que seria deste País? O que seria deste País se, na folha de pagamento do empregado que custa R$1 mil, só tivesse aqueles mil reais, porque o restante quem paga é a produção? Digo a V. Exª que o produtor ia adorar, porque, se produzisse, pagava; se não produzisse, não pagava nada. O empregado também ia adorar. E por que não se pratica isso?

Os técnicos, os políticos, com quem converso sobre isso, alegam que não podemos implantar um sistema desses porque não existe em nenhuma parte do mundo coisa igual. É como se Santos Dumont estivesse esperando até hoje alguém inventar o avião para depois ele voar, é como se o brasileiro não tivesse competência para fazer algo inédito, algo diferente. Será que esses idiotas, Senadora Heloísa Helena, não enxergam que este País falou em álcool, e que álcool hoje é o orgulho nacional?

Se não estamos mais avançados é porque, quando o Presidente Geisel criou o sistema do Proálcool - diga-se de passagem, idéia levada por dois agrônomos, um dos quais hoje é o Ministro da Agricultura de Lula -, que resultou no nosso Programa Nacional do Álcool, orgulho nacional... E os Estados Unidos agora estão correndo atrás de nós, estão montando usina lá a três por dois, enxergando que o petróleo vai acabar. E nós não precisamos viver apenas de álcool. Temos outros produtos que podem gerar combustível, como é o caso do biodiesel de que tanto se fala hoje.

Agora, Senadora Heloísa Helena, como produzir mamona? Como produzir arroz, feijão? Como produzir no interior? Que garantia tem o homem do campo? Ele não tem seguro para a sua lavoura. Se ele faz um empréstimo e o sol mata sua plantação, ele perde tudo o que tem, até a fazendinha dele, ou, senão, ele vem para cá, para aprovarmos uma anistia para o seu empréstimo ou para criarmos uma espécie de Refis, a fim de que ele possa pagar esse empréstimo por não sei quantos anos. Não seria tão fácil o Governo pagar um seguro para o cidadão? Se chovesse, se alagasse, o seguro pagaria; se queimasse, o seguro pagaria. Que tivesse também política de preço, para o produtor ter a certeza de que, produzindo, ganharia e teria como sustentar seus filhos lá no interior do Brasil.

Senadora Heloísa Helena, repito que, com uma nova ordem tributária que contemplasse aquilo que acabei de relatar, mudaríamos a cara deste País e transformaríamos o nosso Brasil no melhor país do planeta. Tenho certeza disso. E que Deus nos ajude para que possamos chegar lá um dia!

Senadora Heloísa Helena, se V. Exª, amanhã, for Presidente da República, que nos ouça, pelo amor de Deus! Não nos vire as costas, como todos os Presidentes fazem, para todos os brasileiros bem-intencionados.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2006 - Página 6258