Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre artigo de autoria do articulista Clóvis Rossi, sob o título "A animalização do país", publicado no jornal Folha de S.Paulo.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ELEIÇÕES.:
  • Comentários sobre artigo de autoria do articulista Clóvis Rossi, sob o título "A animalização do país", publicado no jornal Folha de S.Paulo.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2006 - Página 6325
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ELEIÇÕES.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, DESRESPEITO, VIDA HUMANA, ATUALIDADE, MUNDO.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • CRITICA, EXCESSO, PESQUISA, ANALISE, VOTO, POPULAÇÃO, ACUSAÇÃO, POSSIBILIDADE, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • ANALISE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, INDIA, QUESTIONAMENTO, INFERIORIDADE, CRESCIMENTO, BRASIL.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, VINCULAÇÃO, CORRUPÇÃO, REPUDIO, NEPOTISMO, SETOR PUBLICO, COMPARAÇÃO, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, CARACTERISTICA, POVO, BRASIL, REPUDIO, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO, RENDA, PAIS.
  • COMENTARIO, PROXIMIDADE, ELEIÇÕES, ANALISE, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DEFESA, IMPORTANCIA, CUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL.
  • EXPECTATIVA, ELEIÇÕES, POSSIBILIDADE, MELHORIA, SITUAÇÃO, BRASIL, DEFESA, CANDIDATURA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), DISPUTA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem revisão do orador.) - O problema do Senador é ser o PT dos anos 80 no Governo, porque ser PT dos anos 80 é fácil na Oposição. Até o PSDB, agora, está sendo meio PT dos anos 80 na Oposição. O importante é no Governo. Ser o PT dos anos 80 no Governo é o que eu gostaria que o PMDB e o PSDB também fossem. Mas parece que não é fácil.

A SRª PRESIDENTE (Heloísa Helena. P-SOL - AL) - Com a palavra V. Exª, Senador Pedro Simon, pelo tempo que entender necessário.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª está se acostumando com a Presidência, Senadora Heloísa Helena.

A SRª PRESIDENTE (Heloísa Helena. P-SOL - AL) - Alta periculosidade para alguns poucos do País se chegasse à outra Presidência. Muito boa para o País.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - A informação que tenho é de que a opinião pública está se acostumando com V. Exª na Presidência e está achando que o Senador Renan deve fazer uma longa viagem, inclusive pelo exterior. Seria interessante, até para nós do PMDB. Que bom se o Senador Renan ficasse pelo exterior até a realização da prévia. Seria muito bom que levasse o prestígio do Partido e do Congresso Nacional a outros cantos do mundo. Olha, essa é uma missão que o Senador Renan poderia fazer; acho que teria o aplauso geral da Nação. V. Ex.ª não acha, Senador Mão Santa? Que tal o Senador Renan percorrer o mundo até o dia 19 de março? O PMDB agradeceria.

Temos grandes jornalistas, com colunas importantes, que falam do dia-a-dia da Nação. Eu sou admirador de vários deles. Mas confesso que a coluna de ontem do jornalista Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, me chocou, me machucou, fez com que se reduzisse a minha autoconfiança e com que eu visse a Nação mais cinzenta do que ela é.

            Não dá para dizer que o Sr. Clóvis Rossi tenha feito um artigo derrotista, que tenha querido mexer com o espírito mau das pessoas, mas já o título é um tanto forte: “A animalização do país”.

No sóbrio relato de Elvira Lobato, lia-se ontem, nesta Folha, a história de um Honda Fit abandonado em uma rua do Rio de Janeiro “com uma cabeça sobre o capô e os corpos de dois jovens negros, retalhados a machadadas, no interior do veículo”.

Prossegue o relato: “A reação dos moradores foi tão chocante como as brutais mutilações. Vários moradores buscaram seus celulares para fotografar os corpos, e os mais jovens riram e fizeram troça dos corpos.

Os próprios moradores descreveram a algazarra à reportagem. ‘Eu gritei: Está nervoso e perdeu a cabeça?’, relatou um motoboy que pediu para não ser identificado, enquanto um estudante admitiu ter rido e feito piada ao ver que o coração e os intestinos de uma das vítimas tinham sido retirados e expostos por seus algozes.

‘Ri porque é engraçado ver um corpo todo picado’, respondeu o estudante ao ser questionado sobre a causa de sua reação”.

O crime em si já seria uma clara evidência de que bestas-feras estão à solta e à vontade no país. Mas ainda daria, num esforço de auto-engano, para dizer que crimes bestiais ocorrem em todas as partes do mundo.

Mas a reação dos moradores prova que não se trata de uma perversidade circunstancial e circunscrita. Não. O país perde, crescentemente, o respeito à vida, a valores básicos, ao convívio civilizado. O anormal, o patológico, o bestial, vira normal. “É engraçado”, como diz o estudante.

O processo de animalização contamina a sociedade, a partir do topo, quando o presidente da República diz que seu partido está desmoralizado, mas vai à festa dos desmoralizados e confraterniza com trambiqueiros confessos. Também deve achar “engraçado”.

Alguma surpresa quando é declarado inocente o comandante do massacre de 111 pessoas, sob aplausos de parcela da sociedade para quem presos não têm direito à vida? São bestas-feras, e deve ser “engraçado” matá-los. É a lei da selva, no asfalto.

Esse artigo do jornalista Clóvis Rossi chama a atenção porque mostra, de um lado, o que estamos sentindo. Realmente esses crimes bestiais estão ocorrendo no mundo inteiro: é mãe matando filho; são os filhos matando os pais. Aqui em Brasília, anos atrás, jovens estudantes da sociedade incendiaram, num banco de praça, um jovem. Quando lhes perguntaram por que haviam feito aquilo, disseram que o incendiaram porque pensaram que era um miserável, não sabiam que era um índio - pediram desculpas porque não sabiam que era um índio.

Realmente, às vezes parece que a sociedade está se desorganizando, perdendo as suas referências. Parece que não há mais respeito recíproco, não há mais regras de convivência para firmar o que é e o que deve ser. Ás vezes nos perguntamos onde está a sociedade familiar, feita na família legalizada ou na família consolidada, mas uma organização social onde pai, mãe, filhos, professores, alunos aprendem a conviver, a se respeitar, aprendem a viver, crescer, avançar, a ser gente; aprendem que na vida temos de caminhar, e caminhar para frente, que nem todas as madrugadas são cheias de raios de sol, que muitas vezes os trovões, as trovoadas, as tempestades se abatem sobre nós, mas que a vida é isto: é um dia depois do outro, é um cair e levantar-se, mas a vida é a responsabilidade que temos de ser gente.

Nós não somos animais; nós somos criados à semelhança de Deus, nós temos uma alma, temos um corpo, temos sensibilidade, nós fomos constituídos para, como irmãos, vivermos e convivermos. O mundo organizado, a cada dia que passa, com os seus avanços científicos, mostra que a humanidade tem todas as condições para oferecer uma vida de paz, de tranqüilidade, com alimento sadio para todos os seres humanos.

No século retrasado, houve um cientista, Malthus, que disse que, no mundo, as criaturas morreriam de fome, porque o crescimento da população se dava em proporção geométrica, e o dos alimentos, em proporção aritmética. Defendia que o aumento da população era tão intenso que não haveria alimentos suficientes para todos.

Um século depois, isso cai no ridículo. Hoje a teoria de Malthus é desmoralizada e ridicularizada porque a capacidade de produzir alimentos é infinita. A população pode crescer à vontade, que os alimentos podem ser multiplicados. Aquilo que antes demandava milhares de hectares para ser produzido, hoje, com a biotecnologia, é produzido em alguns hectares. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não, o mundo não é perverso e não está caindo pelas leis da natureza. O homem, infelizmente, é que não está tendo capacidade e compreensão suficientes para saber conviver. Hoje, alguns dizem que ser um homem digno, ser um homem correto é perder tempo, é até ser um homem ridículo; a pessoa é até ridicularizada.

Conheço um caso em Porto Alegre. Lá tem um funcionário público que é exemplar: ele chega ao serviço às 9 horas, senta e fica até o último minuto no seu trabalho. Se o chefe chega na frente da sua escrivaninha, ele se levanta, fica de pé; quando faltam alguns elementos, um papel, um grampinho ou coisa que o valha, ele faz um requerimento, como diz o regulamento. Mas ninguém dá bola. Ele vai lá buscar, e recolhe. Se ele tem uma dor de dente, tem um enterro, ele faz um requerimento, e avisa o chefe: “Olha, vou ter que faltar por causa disso, mas compenso essas horas que vou faltar, no sábado”. Chega o sábado, e está lá ele, sozinho; senta ali e fica no sábado trabalhando. Esse é o cidadão. E esse cidadão é considerado meio biruta. Ele é gozado, é ridicularizado. Ele é considerado um cara fora do normal, porque faz o que deve ser feito, porque faz o que é a sua obrigação.

Na verdade, estamos caminhando para isso, e esse artigo mostra que é isso. Um crime brutal que nem esse, em que matam, esfacelam o corpo em centenas de pedaços, expõem a público, e a população vem correndo, olhando, dando risada, tirando fotografia, achando um espetáculo de circo! Mas isso é porque já se viram cenas que nem essa na novela e no jornal - e notícias sobre essas questões acontecem todos os dias -, já viram a polícia e os drogados darem tiros na favela. E eles assistem àquilo como se não fosse nada. Então, a vida humana realmente não vale nada! Então, o respeito realmente não vale nada!

E quem vê a televisão e vê as nossas CPIs; e quem ouve os depoimentos e o que está acontecendo; e quem vê a maneira como se brinca com o dinheiro público, e quem vê o Supremo Tribunal dando licença para o cidadão vir mentir e poder mentir à vontade, pois nada lhe acontece, pensa: Onde nós estamos? Um cidadão pode até mentir, pode dizer o que quiser, mas receber uma licença do Supremo Tribunal para vir mentir e dizer o que quer? Por que, então, o aluno tem que dizer a verdade para o professor? Por que o filho vai ter que dizer a verdade para o pai quando chegar em casa, se o ladrão, o vigarista, recebe autorização do Presidente do Tribunal, do relator do Tribunal, para não dizer a verdade?

Olha, não sei, as manchetes de hoje dizem que o Presidente Lula faz política 365 dias por ano. Não. Mentira! Faz campanha 365 dias por ano. Na verdade, como eu me enganei aqui, pode ser que tenha sido o que ele pensou. Realmente, um político pode fazer política 365 dias por ano. Mas política é um longo trabalho. Estamos fazendo política aqui no plenário, estamos fazendo política em nosso gabinete, estamos fazendo política visitando as bases, estamos fazendo política elaborando um projeto de lei, estamos fazendo política visitando um Ministério e pedindo algo do interesse... Fazendo política.

Contudo, fazer campanha é na hora da campanha. Se o Presidente Lula faz campanha 365 por ano... Agora, neste momento, ele está no Palácio, mas está fazendo política. Neste momento, ele está despachando, mas está fazendo política; convém que neste momento ele esteja nomeando, mas está fazendo política. Mas está nomeando para quem? Está gastando para quem? Está nomeando quem?

A única resposta que se pode dar para uma afirmativa como essa do Presidente da República é: ignorância. Sua Excelência diz o que diz, pensou que era uma coisa e disse outra completamente diferente, mas ele disse. E aparece. Não é um fim-de-semana. Ele não gosta de viajar nos fins-de-semana. Ele podia viajar na sexta-feira, no sábado ou no domingo. Que pegue o seu avião e vá viajar. Mas ele gosta de viajar no meio da semana: terça, quarta ou quinta-feira.

E viajou, esteve lá na cidade de V. Exª. Esteve no Piauí e se banhou nas águas do mar - e V. Exª, Senador Mão Santa, está branquinho, branquinho. Nesse veraneio, V. Exª não teve tempo de tomar um banho de mar. Estava lá ele feliz da vida: “Faço política 365 dias por ano”.

Não sei, não vejo nenhum outro país em que, no ano inteiro, a grande imprensa faça prévia. Qual é o interesse da Confederação dos Construtores de Estradas - parece que é essa a entidade - de fazer prévia de dois em dois meses? O que a Confederação dos Construtores de Estradas tem a ver com isso? Qual o interesse dela? Saber quem é o vencedor para ver como vai construir estradas mais baratas? Saber onde têm que fazer um trabalho mais eficaz os agenciadores que vão procurar dialogar?

No Brasil é assim: de 15 em 15 dias - e agora será assim até novembro -, uma agência de publicidade faz uma pesquisa. E isso é em nível nacional. Imagine você lá na cidade do interior, que só tem um jornal ou só tem uma rádio, e o dono do jornal ou o dono da rádio é quem faz a pesquisa! Faz a pesquisa que ele quer, e publica o que ele quer. Como é que o “cara” se candidata a prefeito, a vereador ou a deputado naquele lugar?

São essas coisas que estão deteriorando o nosso País. Acho que estamos perdendo os anos mais importantes da nossa vida. Por quê? Porque se dizia, desde o final do século passado, que este era o século da China, da Rússia, da Índia e do Brasil. Dizia-se e se insistia nisso. Muitas pessoas duvidavam e estranhavam: “A China?” A China está lá. “Na Índia morrem não sei quantos milhões, de fome, por ano. Como a Índia vai se transformar em uma grande nação?” Pois aí está. A China corre o risco de empatar com os Estados Unidos daqui a dez anos, sendo que a sua competição é tão diabolicamente intensa que ninguém sabe como fazer. A China nunca foi um país que gozasse de grandes liberdades. Não com o comunismo e muito menos antes do comunismo. A China é um país cujo regime, cuja força, cuja religião, cuja fórmula de ser é um homem espiritualizado esperando para ver o que vai acontecer. E fica, medita, reflete. O homem mais velho na China tem mais valor. O mais velho é mais respeitado. Então, a China sabe esperar; e, de repente, ela está aí.

Todo mundo ficava imaginando o que aconteceria com Hong Kong, quando, passados os cem anos de dominação britânica, Hong Kong voltasse para a China. Que caos seria! Que violência! Que loucura! Mas estão lá os comunistas da China em um pragmatismo mais fantástico. Hong Kong é chinês, mas é capitalista. Um capitalismo adaptado a eles, do jeito deles. Mas está lá. Até melhor do que antes, porque Hong Kong já estava ficando de tal maneira espremido que mais de um milhão de chineses moravam em barcas na bacia, porque não havia onde construir.

A China agora abriu o continente, e as fábricas vão se transferir para a China, para o continente da China. A legislação deles permitiu que fábricas que estejam em Hong Kong, cuja administração esteja em Hong Kong, possam vir para a China, possam se transferir para a China com a legislação social e trabalhista igual a de Hong Kong. E a China está aí: 10% ao ano de crescimento, e a Índia está indo no mesmo passo. E por que não o Brasil? O que essa gente tem mais que o Brasil?

A China tem que importar toda a energia; nós somos auto-suficientes em petróleo. A China tem que dar o que comer a um milhão e trezentos milhões de pessoas; nós temos as maiores reservas de terras agricultáveis do mundo inteiro, nós temos as maiores reservas de água doce do mundo inteiro.

Por que o Brasil está nessa situação? Por que o Brasil não se dá conta de que a sua vez chegou? Por isso, eu não perdôo o Governo Lula; aliás, eu já não perdoava o Governo Fernando Henrique, porque eu achava que a social-democracia, naquela época em que o Fernando ganhou, parecia moda no mundo: na Inglaterra; na Espanha, com Felipe González; na França, com Mitterrand. Parecia que eles fariam um governo social-democrata, um governo progressista semi-socialista.

É verdade que a social-democracia fracassou praticamente no mundo inteiro. Não deu. Mas, no Brasil, foi pior: fracassou em todos os campos, e foi quando começou a fracassar na ética.

Olha, eu fui Líder nesta Casa do Governo Itamar Franco. E podemos mostrar a diferença do que foi o Governo Itamar Franco e do que foram os governos que estão aí, para mostrar como começa a degradação do povo brasileiro e do Governo do Brasil.

Denunciado, o Ministro-Chefe da Casa Civil do Sr. Itamar foi convocado para depor numa CPI, e a primeira coisa que o Ministro fez foi pedir demissão. Renunciou à chefia da Casa Civil e veio depor não como Ministro, veio depor como cidadão. Só depois que a CPI concluiu os trabalhos - ele, quando depôs, foi aplaudido de pé -, nada havendo contra ele, ele voltou ao seu trabalho. É simples, mas é uma maneira de ser.

O Sr. Waldomiro foi deposto? Não. O Sr. Waldomiro, muito tempo depois, foi demitido a pedido. Ele pediu para ser demitido, e nenhum inquérito até agora foi feito contra ele.

Eu me lembro, eu era Líder do Governo, o Presidente do Senado Humberto Lucena me chama. Estava no seu gabinete o Vice-Presidente - não sei como era o nome na época - da entidade que cuidava das privatizações do Governo, cujo Presidente era o filho do Governador Montoro. Ele disse: “olha, na privatização tal, está acontecendo isso, mais isso, mais isso. Vão privatizar na sexta-feira”. “Como é que o senhor está me dizendo isso agora”? “Não, porque eu disse isso tudo lá, e não adiantou nada. Eu repeti e insisti, mas não adiantou nada. Eles vão fazer”. “O senhor bota isso no papel? O senhor assina”? “Boto”. Ele se levantou, foi lá, bateu à máquina, assinou e me entregou. Eu fui ao Presidente Itamar.

No dia seguinte, às nove horas, ele marcou uma reunião com a companhia de privatização, com o Ministro da Fazenda, com esse cidadão, que era ex-Ministro do Supremo. Ele foi e fez a exposição. Quando terminou a exposição, deram a explicação. Itamar Franco bateu na mesa e disse: “Está suspensa a privatização, porque vocês não me convenceram. Estou de acordo com esse senhor. O que ele disse é sério demais”. E suspendeu a privatização. Pura e simplesmente, suspendeu. Esse é um governo. Essa é uma política.

O Sr. Itamar Franco chega para mim - eu, Líder do Governo - e me pede: “Olha, Simon, eu tenho um sobrinho, que é filho do meu irmão, que manteve o irmão dele médico, que manteve os meus estudos quando meu pai morreu. Quando meu pai morreu, eu era jovem. A minha mãe era uma mulher simples, e esse meu irmão manteve os meus estudos. Agora, o filho dele está aqui, e eu preciso arrumar um trabalho para ele. Você não pode botá-lo lá no seu gabinete de Líder”? “Não posso, Itamar”. “Mas por que não pode”? “Eu não tenho gabinete de Líder”. “Como não tem gabinete de Líder”? “Eu assumi a Liderança, mas não instalei o gabinete de Líder. Eu só tenho o meu gabinete de Senador. O de Líder, eu não tenho”. “Está bem. Então, por que você não nomeia?” “Eu não nomeio. Eu não nomeio parente nenhum”. E, no Governo Itamar, não se nomeou parente nenhum, não nomeou parente nenhum.

Eu disse isto ao Fernando Henrique quando ele nomeou a sua filha - coisa que é normal - para sua secretária: “Fernando, por que você está fazendo isso”? “Mas qual é o problema? Uma filha da minha confiança, que fica aqui. Eu preciso de uma pessoa dessa. Eu podia colocar qualquer multinacional, qualquer empresa; daria dez vezes mais o que ela está recebendo aqui”. “Não é esse o problema, Fernando. O problema é o exemplo. Se você está fazendo isso, está abrindo exemplo para que todo Prefeito, para que todo Deputado nomeie filho, para que isso aconteça e se repita”. E foi o que aconteceu. E foi o que aconteceu.

São essas coisas que vão desmoralizando a sociedade, desmoralizando o pensamento da opinião pública. Imagino a desgraça da desilusão do Fernando Henrique, a desgraça da desilusão do Lula, que se abateu sobre a sociedade brasileira.

Estou sendo convidado, mas não posso - quero já dizer da televisão aos meus irmãos, colegas universitários - atender, porque são três, quatro convites por dia, e eu não tenho condições de fazer isso. Mas eles me convidam, e eu me emociono com os termos do convite. “Convidamos V. Exª porque diz hoje o que dizia ontem. Lembramos quando V. Exª esteve aqui e ficamos em silêncio, mas tínhamos vontade de vaiá-lo. Agora, estamos vendo que tudo aquilo V. Exª diz é verdade”. Então, os estudantes estão fazendo isso, os estudantes estão fazendo a revisão dos sentimentos.

Por isso, querem fazer essas pesquisas de lavagem cerebral. É piada? Não, é sério.

Fique V. Exª tranqüila com seus 4%, 5%, 6%, porque não valem dois mil réis essas pesquisas.

Eu, com o Rigotto, tenho dito: não dou nenhuma importância a isso e me admiro que alguém leve a sério uma coisa dessas.

É a coisa mais fácil. Aparece o Presidente Lula, vai à televisão e noticia que o bônus de passagem vai ser dado em dinheiro, noticia que, agora, o remédio popular vai ser recebido na farmácia. Até hoje, as farmácias populares não têm, mas, a partir de agora, em qualquer farmácia, vai ter o medicamento popular. Cada dia, uma notícia.

É evidente, é evidente que a resposta é essa, mas ela é hoje, ela não é no dia 1º de outubro. Antes do dia 1º de outubro, serão 60 dias em que a Senadora Heloísa vai poder dizer, ainda que seja em dois minutos, o que ela pensa. O Collor, que era o Collor, não tinha mais de dois minutos e conseguiu desmontar um Governo Sarney, com Dr. Ulysses, com Covas, com Brizola, com Lula e tudo mais, porque essas pessoas foram para uma campanha sem saber o que queriam, e o Sr. Collor terminou parecendo um homem de passo certo.

Agora, isso no leva a pensar que é uma crueldade, se, lendo a crônica de Clóvis Rossi, não nos compenetrarmos do mal que estamos fazendo ao povo brasileiro. Não temos o direito de fazer isso. O povo brasileiro é de uma índole boa, de uma índole pacífica.

Lembro-me de Darcy Ribeiro sentado ali, descrevendo seu livro O Povo Brasileiro, e quando chamava a atenção para o fato de que o povo brasileiro ainda não é um povo formado, não é uma raça terminada, está em formação. É o índio, o português, é o negro, é o imigrante - o português, o espanhol, o alemão, o italiano, o árabe, o judeu, o chinês, o japonês. Só que essa gente, ao contrário dos Estados Unidos... Quando vamos aos Estados Unidos, a Nova Iorque ou Los Angeles ou Washington, uma das atrações turísticas é a visita ao bairro chinês, com um milhão só de chineses, ou o bairro espanhol, ou o latino, onde só há latinos. Lá, eles não se misturaram, e se constituem organizados desde os velhos irlandeses puros que vieram da Inglaterra, quando foram praticamente expulsos porque eram os melhores e mais puros, e constituíram a Nova Inglaterra. Desde Filadélfia, quando eles se organizaram, até aqui, eles conservam aquele espírito, aquele princípio, eu diria, de raça pura. O Brasil não. Na verdade, na prática, é diferente. É verdade que o negro, que o pobre, sofrem misérias. É verdade. Mas o povo brasileiro é a mistura de todos. Na história da humanidade, nesses próximos tempos, a raça brasileira será uma grande raça, será uma raça diferente. Diferente do Europeu - do português, do espanhol -, do índio, do negro. Será uma mescla, uma mistura, do que se está formando.

O que se sente, nessa mistura, é que a índole do povo brasileiro é boa demais. Talvez até exageradamente pacífica. Falta para nós o arroubo do espanhol, do argentino que, lá para as tantas, vira, faz, mete, arromba, e as pessoas têm medo. O brasileiro não. O brasileiro, a não ser quando há uma violência real, até faz. Houve o golpe de 64 - as coisas acontecem -, o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. O povo meio que suporta.

Este é o período em que temos os níveis mais dramáticos e mais cruéis de injustiça social, no mundo inteiro. Não há, no mundo, um outro país com diferença entre o menor e o maior salário do que o Brasil. É uma coisa fantástica. O PT está no Governo. O Partido do Lula está no Governo. O Partido de um cidadão que renasceu - estava morto, ressuscitou -, veio para São Paulo, criou-se, formou-se. Deus o fez sair do nada, ser um líder sindical e chegar à Presidência da República, sem compromisso com ninguém a não ser com o povo. Três anos depois, e a diferença de nível entre o maior e o menor salário do Brasil é a maior do mundo. Como explicar isso?

Uma coisa que está me assustando, e a pesquisa está publicando, e é verdade, é que as classes ricas estão começando a dizer que vão votar no Lula. As classes ricas estão dizendo que vão votar no Lula! Tenho sentido isso em vários lugares. O Lula lhes dá confiança.

É. Está vendo? Até os sem-terra se acalmaram. Onde está o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, invasão, aquela coisa? Parou. Distribuíram terra a mais? Não. Fizeram mais divisão? Não. Mas se acalmaram. Por que se acalmaram? Porque se acomodaram.

Quem é o Ministro do Trabalho? O Presidente da CUT é o Ministro do Trabalho. Está ali, satisfeito, propondo que se termine com o vale-passagem.

Como é que pode! Como é que pode, outro dia, um Ministro do Supremo Tribunal Federal soltar o Maluf e o filho do Maluf, que estavam na cadeia! Era uma cadeia do corpo da Polícia, um quarto com televisão, com comida vindo de fora, mas os dois estavam no mesmo quarto. O Ministro do Supremo Tribunal Federal disse o seguinte: “Mas como? Eu me choquei, quando vi na televisão que pai e filho estavam no mesmo quarto. É um absurdo. Mandei soltar”. Mas esse Ministro, que, antes de ser Ministro, foi juiz, nunca olhou uma cadeia? Ele não sabe que há cadeia em que estão pai, filho, avô e o diabo! São quinhentas pessoas num lugar em que não cabem cem, de pé, porque não dá para deitar.

Esta é a sociedade brasileira. Este é o Brasil onde vivemos. Este é o Brasil que estamos sentindo.

Durante todos estes anos, 25 anos, eu via a Senadora Presidente e o PT falando do que ia ser feito, das transformações. O meu Partido queria me botar para fora do PMDB: “Tu elogias tanto o Lula, tu elogias tanto esses caras, por que não vais para lá?”. Eu pensei em ir, mas achei que não deveria sair do meu Partido. Tem mulher que é de um homem só, tem homem que é de uma mulher só, e eu sou um homem de uma religião só, de um partido só e de uma mulher só.

Por outro lado, eu dizia que o PT do Rio Grande do Sul também não ia me querer. Quando insinuaram a minha escolha para Ministro, eu disse a mesma coisa, eu acho que ajudo mais no Senado. Porque eu estava seguro de que o Lula ia dar certo. Eu acho que ajudo muito mais na tribuna, tendo um cargo e autoridade para falar, do que ocupando um Ministério. E o PT do Rio Grande do Sul ia ficar louco de brabo, e eu perderia toda a autoridade. Mas nós imaginávamos: “Como vai ser diferente! Como vai ser bom!”. E o Lula às vezes dizia: “Você já imaginou, Pedro, só esse dinheiro aí que eles botam na roubalheira, dizer: ‘Olha, não precisa mais roubar. Não precisa mais, porque você vai ganhar o preço justo. Não precisa pagar comissão”.

Eu me lembro do Tarso Genro, que é uma grande pessoa. Eu gosto dele, tenho muito carinho pelo Tarso Genro. E nós não nos lembramos mais das coisas. O Lula convidou o Tarso para ser Presidente do PT. E o Tarso aceitou porque o Lula ofereceu para o Tarso a Presidência. O Tarso disse que ia fazer um novo PT, refundar o PT, e, para refundar o PT, não entraria nem o ex-Chefe da Casa Civil, etc. e tal. Coitado do meu amigo Tarso! Ficou falando sozinho. Mas eu me lembro do Tarso, quando ele disse que, quando assumiu a Prefeitura de Porto Alegre, reuniu os empresários do serviço de ônibus, e disse para eles o seguinte: “Olha, vamos discutir agora como é que vai ser o nosso diálogo - entre nós, o PT, e os senhores - durante os quatro anos. Queremos estabelecer a taxa de ônibus de maneira franca, aberta, sincera e leal. Vamos botar no papel os custos do que deve ser. Ele me contou que disse assim: “Em primeiro lugar, tirem do custo qualquer comissão ou percentagem que vocês estão acostumados a pagar hoje, a qualquer título; não tem comissão para comprar ônibus, não tem comissão para ajudar Partido, não tem coisa nenhuma. Tirem isso! Abatam no preço da passagem”. E assim foi.

Meu Deus, o que está acontecendo nas Prefeituras do PT na grande São Paulo... Tudo começou exatamente com as passagens de ônibus, com as empresas de ônibus...

O que dói é que ninguém quer melhorar!

Vejo o PSDB. Tenho o maior respeito pelo companheiro Tasso. Tenho respeito pelo estilo dele, pela obra que ele fez no Ceará, no campo da seriedade.

Tenho respeito pelo Governador de São Paulo. Estou publicando um livro dos grandes líderes que salvaram a democracia no Brasil. Entre outros, coloco o Mário Covas. Lembro-me de Mário Covas. Eu o visitava seguidamente. No final da sua vida, os médicos queriam que ele fosse para casa. E ele disse: “Se eu for para casa é para morrer. Não tenho como ir para casa”. Os médicos então chamaram o vice e chegaram a uma conclusão. Em São Paulo, a residência do Governador é ao lado do Palácio, atravessa-se uma porta. Mário Covas levantava-se às dez horas, vestia-se, ia ao gabinete de Governador, atendia a Imprensa rapidamente, assinava uns papéis, recebia alguém que era considerado importante, era fotografado e voltava. O vice-Governador Alckmin, durante todo o tempo, levou o Governo nas costas. Nunca tirou uma fotografia, nunca inaugurou uma obra, nunca fez um discurso, nem manifestação. Ninguém sabia. A sociedade nunca ficou sabendo que quem estava governando era o vice-Governador e que o Covas estava fazendo apenas a figuração. Esse é um homem que merece respeito. Esse é um homem que merece respeito. Aliás, no meio de um debate enorme entre o Maluf, não sei quem mais e Alckmin para o Governo de São Paulo, quando se chegou ao auge dos ataques, ao auge das ofensas, o máximo que o Maluf conseguiu dizer dele é que ele era um picolé de chuchu, que tinha gosto de picolé de chuchu, quer dizer, não tinha gosto de nada. Mas, se o grande mal na biografia de um homem que é Governador de São Paulo, que tem a história do Governador de São Paulo é apenas ter gosto de picolé de chuchu... Meu Deus do céu!

No entanto, o PT, o PSDB - e hoje vejo nos jornais a Bancada federal do PSDB se dirigindo à cúpula, dizendo: “Não é a cúpula, não; nós queremos participar”. Eu acho que está certo.

Está acho que está certo o PT: o candidato é o Lula, não há outro candidato.

Está certa a candidatura de V. Exª, Srª Presidente.

Eu fiquei tão magoado quando ouvi o Presidente do PPS dizer que não vê nenhuma chance na união das esquerdas. Aquilo não precisava ter sido dito; podia até ter sido pensado, mas não precisava ter sido dito, porque dizer chama o azar. Acho que ele tinha a obrigação de, até o fim, tentar fazer essa união.

Ora, se de repente aparecesse V. Exª, Senadora Heloísa Helena, o nosso querido Senador do Amazonas, o nosso querido Governador de Brasília ou o próprio Roberto Freire, reunindo-se e constituindo um grupo para apresentar uma proposta.... E não é uma proposta... Nós reconhecemos que estamos vivendo uma fase diferente no mundo.

Concordo com V. Exª, Srª Presidente. Eu tenho dito a V. Exª, Senadora Heloísa Helena, com o amor e carinho que lhe dedico, que estamos vivendo uma fase em que temos de medir as palavras. Já não dá mais para fazer o discurso de salvador que o Lula fez há quatro anos. Se o Lula repetir o discurso de quatro anos atrás, ele estará liquidado.

Nunca me esqueci do que li num livro: o homem quer coisas simples; o homem não quer milagre; o homem não quer coisas sensacionais. Não pense você, meu amigo Mão Santa, que, se você for a uma vila, lá no teu Piauí, e perguntar o que aquela gente cabocla quer, vai ouvir que ela quer uma casinha modesta em que não chova dentro, em que se pise num chão que não seja terra batida; ele quer uma alimentação que seja sadia; quer um emprego que lhe dê condições para viver com sua mulher, com seus filhos; ele vai querer condições para educar seus filhos.

Olha, fazer promessas miraculosas, prometer o infinito como Fernando Henrique e Lula prometeram e não cumprir nada é um grande passo negativo para o povo.

Se amanhã eu fosse candidato à Presidência da República... Eu quis ser, mas meu Partido não deixou. Quatro anos atrás, percorri o Brasil inteiro. Tinha apoio praticamente de todos os Estados; não tinha apoio da cúpula. Aliás, a cúpula, se pudesse... Não sei... Acho que aqui eu não estaria. Onde estaria, não sei; mas aqui eu não estaria.

Quando fomos para a convenção, para discutir, a cúpula já tinha amarrado. Na hora do voto, foram ver o que estavam votando: não era o candidato do Partido - que era eu; o Itamar havia retirado; estavam votando se aceitavam ou não o Serra para Presidente e a Deputada do PMDB do Espírito Santo para Vice-Presidente. Perguntaram: “Há uma decisão do Diretório Nacional? O PMDB vai ter candidatura própria?” Ninguém deu bola. Afastaram-se. Nessa convenção no Auditório Petrônio Portela, não havia mais do que trinta pessoas.

Mas hoje, este candidato - e vou falar para você, minha querida Heloísa Helena, pois, claro, isto é o que você está fazendo - tem de prometer, bater na mesa, gritar que vai cortar na carne as vigarices, as cafajestadas, as roubalheiras que estão acontecendo! Ah, não tenha dúvida nenhuma! Com isso, eu concordo. Nós temos de ver os escândalos dos fundos de Previdência, as aposentadorias escandalosas do INPS, as remessas de dólares para o exterior, as contas do Banestado enviadas pela Justiça americana, que estão no cofre do Senado Federal, e o Senado não deixou abrir. Isso sim.

Mas, afora isso, o que temos de dizer é muito simples. Nós vamos ver o que tem de dinheiro brasileiro e o que sobrar aqui vamos aplicar no que for mais necessário. O que hoje é mais necessário? São os que estão morrendo de fome, os que estão passando fome - nós vamos cuidar desse aspecto -, são os que moram praticamente debaixo do Sol, da Lua, debaixo da ponte. Esses são os problemas que vão ser cuidados.

O problema da saúde - muitos têm o máximo e outros nada - é um problema que vai ser cuidado. A prioridade é diminuir a diferença entre o menor e o maior salário, e nós temos que fazer isso. Não digo diminuir o maior, mas deixá-lo parado algum tempo, e elevar o menor. Não é diminuir a diferença, baixando o maior e elevando o menor. Não! O maior fica aqui, mas que o menor venha vindo, venha vindo, até chegar a um determinado ponto.

Creio que essas coisas devem ser feitas, mas no sentido de que tenham de ser feitas, e o governador tem de levá-las a sério.

Perdoe-me, Sr. Presidente, vou repetir o que tenho dito, mas é a maneira que tenho para mostrar como acho que deveria ser feito. Eu era Governador e disse: no meu governo não tem parentes, não tem parente de ninguém. Quando chego lá, recebo a lista dos militares que vão para a Casa Militar E esse aqui? - perguntei. “É meu filho.” Mas na Brigada Militar é diferente, há uma lista de promoções. E ele disse: “Eu não posso prejudicar o meu filho.” Claro, o senhor não pode prejudicá-lo, o senhor não vai prejudicá-lo. Ele fica, o senhor sai. Com isso, eu não tive um segundo caso.

Eu disse no meu governo: me desculpem, mas, no meu governo, a pessoa tem que ser honesta e parecer honesta. Na dúvida, eu faço a injustiça, mas demito. E demiti. Demiti irmão meu, não de sangue, mas de coração, de sentimento, colega que vinha lá do Rosário, lá da Faculdade, amigo de todas as horas, e que não tinha culpa nenhuma, mas a imprensa, cruel, colocou a questão de tal forma que eu tive que demitir.

Demiti um outro companheiro - situação ridícula! Com uma placa oficial, foi veranear lá na praia de Bombinhas, em Santa Catarina. O Zero Hora tirou fotografia e botou na capa o carro oficial da Caixa Econômica. Demiti. Demiti meia dúzia. Perguntem sobre o que diziam os empreiteiros à época: se tem obra que podemos pegar é lá no Rio Grande do Sul, em primeiro lugar, porque tenho que dar o preço justo, senão eu não levo; em segundo lugar, eu sei que posso dar o preço justo, porque não dou comissão para ninguém e recebo o dinheiro na hora certa.

São coisas que se fazem do começo. Isso eu disse desta tribuna quando pedi a CPI do Waldomiro: Lula, demita! Deixe criar já a CPI, agora, no início do teu governo, porque eles vão ver que o teu governo vai ser assim!

Ele impediu o Senado de criar a CPI e não fez nada com Waldomiro. Por isso, o Brasil é este do nosso amigo Clóvis Rossi. Por isso o Brasil é este das nossas novelas; por isso o Brasil é este do nosso Carnaval; por isso o Brasil é este, talvez o único, ou um dos poucos países do mundo, onde há turismo sexual. Os aviões vêm de lá, em vôo charter, só de homens, para as nossas praias, para as nossas mulheres. Quando é que vamos parar com isso? E aonde vamos parar com isso?

Eu digo com profunda sinceridade: aos poucos, estamos perdendo a consciência. Eu me pergunto: vale a pena? Não estamos sendo dom-quixotes. Nada! Nada resolve, nada soma, nada significa nada. Será que vale a pena?

De tudo que foi dito e apontado como errado no PT, alguma coisa mudou? O Lula está dizendo: eu quero ser reeleito, porque vai ser diferente, agora vai ser assim. Em algum momento, ele bateu no peito para dizer: “não, nós erramos, mas agora vai ser diferente”?

            O que houve foi uma luta política, em que o Chefe da Casa Civil perdeu e caiu fora. O presidente do Partido perdeu e caiu fora. Mas o estilo de fazer continua o mesmo. Botaram uma mulher muito competente, na minha opinião, muito séria, que é a Chefe da Casa Civil, mas o resto continua. Não houve transformações no sentido de mea-culpa, fizemos, mas vamos mudar, vamos melhorar. Mas não.

Pois não, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Pedro Simon, 23 de fevereiro de 2006. Senador Arthur Virgílio, esta democracia é complicada, mas o homem é um animal político e busca a melhor forma de governo. Mas lá onde ela nasceu, Senadora Heloísa Helena, um filósofo andava toda noite com uma lanterna. Diógenes, o que é que você procura toda noite nas ruas de Atenas? - perguntavam. Ele respondeu: “Eu procuro um homem honesto”. Aquele homem honesto que ele procurava na república de Atenas, na velha Grécia, está aí na tribuna. É Pedro Simon. Houve um padre que andou a pé pelo Brasil. O português Antonio Vieira saía a pé lá de Fortaleza, Ceará, passava pelo meio-norte do Piauí, por onde o Lula passou, e ia para São Luís. Levava sessenta dias nessas andanças. Ele disse que palavras sem exemplo são como tiro de bala e, mais adiante, dizia que o exemplo arrasta. Nem tudo está perdido, porque V. Exª é o melhor exemplo da democracia brasileira. Sei que estamos em dificuldades. Senadora Heloísa Helena, sem Pedro Simon talvez eu tivesse ido embora, com vergonha do Parlamento. Então, V. Exª prende muito a gente. V. Exª sabe que me comuniquei, antes de entrar neste Senado, para saber qual o rumo, se ficaria ou não no PMDB. V. Exª me fez ficar. V. Exª é muito importante neste País, foi buscar a história. Collor? Collor já está absolvido pelo País. A esposa, ingênua, inocente, não era uma estudiosa, uma culta como a de Fernando Henrique. No negócio do Fiat, a pobre coitada foi vítima. Collor está absolvido - desculpe, Senadora Heloísa Helena. Mas, diante dessas malandragens, desse mar de corrupção, desse oceano de corrupção... O azar dele, o único azar do Collor foi que a alternativa era o Itamar, era Minas, a história de Minas, a tradicional família mineira, a política mineira. Assim houve alternativa, e todos nós saímos de cara pintada. V. Exª acha que a minha filha Daniela ia sair de cara pintada - pois o Vice se complicou - para botar o Severino? Ela diria logo: o papai é melhor. E as alternativas? Terminavam no Jobim mesmo, que foi condenado no último artigo de Brizola: “Tijolaço, as fraudes de Jobim.” Portanto, não havia alternativa, tivemos que agüentar isso. Cícero, como V. Exª, disse: minima de malis. E o mal menor é este: ficar com Lula, patrulhado. Mas nós não podemos abdicar da pureza da democracia que nasceu em Atenas, para a qual todos nós nos sacrificamos: V. Exª; Ulysses aqui enfrentando a ditadura, em 1974 candidatando-se com Sobral Pinto, encantado no fundo do mar; seu amigo, irmão camarada, com câncer, moribundo, Teotônio Vilela, discursando - e V. Exª era Cirineu dele; Tancredo que se imolou; Juscelino aqui cassado, isso tudo para renascer a democracia. Nela está a alternância de Poder, e V. Exª é essencial. Olha, o PMDB de luta, o maior Partido contemporâneo só está vivo pela moral de V. Exª. Querem acabar com as prévias, a ausculta do povo está fora. São uns tresloucados, uns imorais e amorais. É, estão comprando, estão comprando o nosso PMDB. E se ele ainda não foi vendido é porque V. Exª está nele. V. Exª é a grandeza e a firmeza. Então, o essencial é invisível aos olhos. Quem vê bem vê com o coração. E o Brasil vê em V. Exª neste momento o que viu em Rui Barbosa. Ele também não chegou à Presidência, como V. Exª não chegou, como o Brizola também não chegou. Mas o que disse Rui Barbosa? E V. Exª fala para o povo, com uma inspiração maior, orador até melhor do que Rui Barbosa, porque o outro falava muito complicado e difícil, e o senhor fala com o coração para o povo. O que Rui Barbosa disse? De tanto ver as nulidades triunfarem, assumirem o poder, a corrupção campear, o mal se agigantar, vai chegar um tempo de rir-se da honra e de se ter vergonha de ser honesto.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - É mais ou menos o artigo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Mas V. Exª neste momento simboliza a nossa bandeira, o verde da esperança e da alternância do poder, da ordem e do progresso. Então V. Exª é muito importante. Sem V. Exª - olhe para cá, Pedro Simon -o nosso Partido já estaria todo vendido para o Governo.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª me deixa encabulado e me deixa sem-graça. Mas eu digo a V. Exª o seguinte. Por onde eu tenho andado, as pessoas têm me perguntado: “E aquele Mão Santa?” E eu faço questão de dizer: “Ele é um lutador, que tem o nome Mão Santa porque era um médico santo que curava quase milagrosamente sem cobrar de ninguém, e que diz o que pensa. Se a maioria do Senado fosse como ele, a coisa seria diferente”.

V. Exª tem razão quando diz que o nosso Partido deveria dar sua presença. Nesta hora, nós do MDB tínhamos de dar o mínimo de patriotismo e apresentar o nosso candidato que, na minha opinião, pode ganhar. Porém, o mais importante não é ganhar, mas competir.

Querida Heloísa, vejo o candidato do PT, o candidato do PSDB e V. Exª. O estilo de V. Exª - e Graças a Deus este é o seu estilo - é dizer, é debater. Fico me perguntando quantas vezes o Tribunal Superior Eleitoral vai tirar do ar programa do PT ou do PSDB e se vamos levar essa campanha até o fim sem uma crise institucional.

Uma candidatura do MDB, como a candidatura de Germano Rigotto, vai expor uma via, vai determinar a fórmula pela qual será conduzido o debate político. Agora, os homens do meu Partido dizerem que o nosso caminho é ir para o lado de lá, ir para o lado de cá, e não ter candidatura, é difícil entender, é muito difícil entender! Creio que Germano Rigotto tem condições de ganhar. E o que há a seu favor, falo aqui: a integridade. S. Exª tem a biografia de um homem que, aos 55 anos, é uma linha reta em seu proceder. É formado na estirpe da maior dignidade da política gaúcha. Sempre foi assim. Está governando assim. Seu Governo enfrenta mil problemas financeiros. O Rio Grande do Sul atravessa, outra vez, a maior fase, a maior guerra, a maior luta contra o esfacelamento da sua economia. É o que está vivendo agora. Mas o Rio Grande do Sul o respeita porque vê em S. Exª um homem sério, um homem de bem.

Quando vejo a nossa gente pensando em um cargo aqui, em um carguinho acolá, esquecendo-se da responsabilidade que tem com o futuro, irmão Mão Santa, isso machuca. Nós temos biografia, nós temos história, nós temos compromisso. Nós somos o pai de todos os Partidos que estão por aí. Nós não podemos nos reduzir a um anão moral numa hora em que temos que ser uma bússola ética.

Por isso, estamos caminhando para esses dias finais, e eu rezo a Deus, meu bravo e brilhante Senador Arthur Virgílio, para que o seu Partido encontre o rumo, que, cá entre nós, não complique o que não está complicado. Mas o Partido tem dois baitas candidatos. É uma piada! Perdoe-me a sinceridade, é uma piada.

Quero muito bem ao Serra. Eu até diria que sou mais amigo do Serra do que do Governador. Mas acho que essa história de ir ao cartório e assinar “sou Prefeito, vou ficar Prefeito durante quatro anos e, se eu sair daqui, não vote em mim”, isso tem peso. Isso tem peso! Isso tem peso! Eu acho que existe isso. O Serra está começando, vai fazer uma administração de quatro anos. Tenho convicção de que ele vai ser um grande Prefeito, que poderá ser depois um grande Governador e, depois, um grande Presidente. Agora, o outro está terminando, está no fim, são oito anos de mandato. Qualquer dia ele encontra o seu destino.

Quando eu estava numa reunião do grupo católico, o Frei Betto comunicou que tinha saído do Governo, mas que continuava muito amigo do Lula. Com a amizade e o carinho que ele tinha pelo Lula, ele continuava rezando e pedindo a Deus pelo Lula, mas não dava mais e ele tinha saído do Governo. Ali, no meio da missa, no meio da pregação, eu me meti - eu não podia me meter - e disse: “Acho que o senhor agiu errado”. Todo mundo olhou para mim. Eu disse: “Os que têm de ficar saem e os que devem sair ficam. Assim, não vai dar certo”. Ele ficou meio sem graça e tal, mas a verdade é essa. O Lula poderia olhar em roda e ver quantos que ele queria que ficassem que saíram e quantos que estão que deveriam ter saído. Ele podia tentar fazer isso e fazer uma reformulação total, pelo menos nessa proposta de Governo novo. Ele poderia - agora, que ele está mais livre - fazer as transformações tão necessárias.

Senadora, eu acho que as esquerdas tinham de se unir em torno de V. Exª. É uma coisa impressionante: as mulheres estão governando na América Latina. Hoje, no Rio Grande do Sul, 43% dos juízes são mulheres. No Chile, um dos países mais machistas da América Latina, uma mulher está lá. Com a sensibilidade que V. Exª tem, tenho certeza de que, se for candidata, o discurso de sua candidatura não vai ser o discurso de Oposição aqui no Senado. Vai ser o discurso de quem vai prometer fazer. Evidentemente, parte do discurso destinar-se-á às coisas que estão erradas, mas V. Exª não vai dizer que vai ser Presidente para cobrar do Lula, do Fernando Henrique Cardoso... Não. Seu objetivo será construir para o futuro. Será um grande discurso. Se, de fato, acontecer isso e se o PMDB tiver uma candidatura como a de Germano Rigotto, poderemos ter uma eleição revolucionária: cento e oitenta graus diferente daquela ocorrida há quatro anos, e poderemos iniciar um novo Brasil.

Eu dizia ao Lula, quando jantou na minha casa há quatro anos, que podia fazer quase que um Pacto de Moncloa, pois o Brasil todo estava com ele, que ia chamar todo o mundo para governar e fazer o sonho do País, que era um Brasil para todos. Não o fez. Alguém poderá fazê-lo agora. Alguém poderá fazê-lo.

Por isso, minha querida Presidente, com muito carinho e afeto, dou-lhe meu abraço e digo ao bravo Clóvis Rossi que, no amargo de sua crônica, falou o que precisávamos ouvir: que a gente saiba ler, saiba interpretar e saiba entender. Isso não é de ler. Vamos colocar de lado e dizer Isso não tem jeito, esses não param”. Não, isso é de ler e dizer: Eu também sou culpado, isto que está acontecendo aqui eu sou parte daqueles que, por ação ou por omissão, permitem que a coisa chegue lá. É preciso ter ação para que as coisas saiam de lá”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2006 - Página 6325