Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

O quadro sombrio da juventude brasileira divulgado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • O quadro sombrio da juventude brasileira divulgado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2006 - Página 6335
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, INSTITUTO BRASILEIRO, ANALISE, NATUREZA SOCIAL, ECONOMIA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), SITUAÇÃO, TRABALHO, EDUCAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, SAUDE, INFANCIA, JUVENTUDE, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE elaborou e divulgou um trabalho que permite um quadro sombrio da juventude brasileira dos nossos dias: nas regiões metropolitanas brasileiras, 27% dos nossos jovens entre 15 e 24 anos, não trabalham, nem estudam. Isso significa que um em cada quatro brasileiros desta faixa etária está, literalmente, desocupado.

Cabe imaginar se as regiões metropolitanas refletem, com nitidez, a situação do Brasil como um todo. Ora, é para essas regiões, apesar de em menor número que em outros tempos, que as pessoas se deslocam, à procura de trabalho, dada a escassez de oportunidades nas áreas de origem. Isso significa que os 27% detectados na pesquisa podem estar escamoteando uma situação ainda pior, em nível de país.

Mais ainda, por se tratar de média nacional, os tais 27% potencializam regiões onde a situação não é, assim, tão preocupante, mas, por outro lado, escondem situações ainda mais contundentes. É o caso, por exemplo, de Recife, onde um em cada três jovens está fora da escola e do mercado de trabalho. 

Os jovens não encontram trabalho diante da alegada “falta de experiência”. Ora, isso acarreta o que os economistas definem como “causação circular cumulativa”, ou seja, eles não encontram emprego porque nunca trabalharam e, quanto menores as chances de se conseguir uma primeira oportunidade produtiva, mais longe vêem a possibilidade de inserção no mercado. Como conseguir a exigida experiência sem que lhes seja propiciada a oportunidade de adquirir essa mesma experiência, através do trabalho?

Não é a primeira vez, em período muito recente, que uma pesquisa retrata quadro tão preocupante. A Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, já havia demonstrado quadro semelhante. E foi além: dos 1,7 milhão de jovens de 16 a 24 anos nas regiões metropolitanas, 1,1 milhão nem sequer haviam procurado emprego, nem freqüentavam escolas regulares. Isso significa uma espécie de “desemprego psicológico”, quando o desânimo abate o trabalhador que vê, reiteradamente, as portas fechadas. Pior: ele extrapola essa situação para sua vida como um todo e não busca, sequer, alternativas de reciclagem para desenvolver suas habilidades.

Mas, a pesquisa do IBASE também remete a uma contradição, no conjunto de outras enquetes e do noticiário geral sobre a situação da infância e da juventude no País. Ora, é muito freqüente a divulgação de situações degradantes de trabalho infantil, crianças ainda nos primeiros estágios da vida nos fornos sufocantes de carvão, no corte do canavial ou nas pedreiras de todo o país. A Organização Internacional do Trabalho, por exemplo, divulgou estudo recente que dá conta de, aproximadamente, 5 milhões de brasileirinhos entre 5 e dezessete anos, já na dureza da lida. É bem verdade que esse número já foi muito maior. Em 1992, por exemplo, eles eram quase 8 milhões, mas ainda persiste a preocupação, pois o Brasil havia se comprometido com aquela instituição internacional a erradicar o trabalho infantil nos próximos dez anos, e as projeções indicam que, em 2015, ainda serão quase 3 milhões de crianças trabalhando.

O traço comum e preocupante nestes dois conjuntos de informações é o fato de, em ambos os casos, crianças e jovens estão fora dos bancos escolares. Quanto ao trabalho, pode-se, até, clamar por razões conjunturais que um programa de primeiro emprego é capaz, pelo menos, de atenuar. Se conjuntural, trata-se de um problema que traz seqüelas no tempo presente, sem maiores implicações no futuro. A questão mais sensível é o fato destes jovens estarem fora das salas de aula, numa idade em que a busca de conhecimento é essencial. Isso não pode ser, jamais, caracterizado como problema conjuntural, pois afeta o tempo futuro. É essa geração de hoje que se tornará, inexoravelmente, o país do tempo que virá.

Que previsão fazer, então, sobre um país em que parcela significativa de seus jovens não constrói alicerces para a construção do futuro? Os meninos de hoje são assim como uma bola de cristal. Através dela, ou deles, é possível prever-se, com grande margem de acerto, o futuro do País. Neste sentido, não há que ter maiores habilidades no campo da quiromancia para se transformar em vidente: mantida essa situação detectada pelo IBASE e pelas outras pesquisas recentes, o futuro que se vê a partir da realidade nua e crua dos dados não permite alvíssaras.

A tal “causação circular” extrapola os limites do trabalho e da educação. Sem essas condições essenciais à cidadania, a própria sobrevivência de crianças e jovens tende a jogá-los para alternativas ainda mais preocupantes, como a violência, a droga e a prostituição. Essa realidade já não está escamoteada em médias aritméticas ou em possíveis cenários deturpados de pesquisas. Ela se mostra, cruel, nas esquinas, nos viadutos, nas beiras de estradas e já não se circunscreve às periferias das grandes cidades: em qualquer lugar, mesmo no mais remoto interior, desfila a tenra idade, na busca da vida, mesmo que errante.

A situação mais preocupante, como não poderia deixar de ser, encontra-se nos estados das regiões norte e nordeste. O UNICEF reconhece que houve um avanço na situação da criança brasileira, nos últimos anos. Mas observa que o País ainda patina nos índices de qualidade de vida infantil, principalmente quando se desagrega os dados por regiões e por estados. Rondônia não foge à regra. Lá, a situação da criança ainda se coloca nos patamares inferiores aos do ranking nacional, no mesmo grupo de outros estados nortistas e nordestinos.

A UNICEF criou o chamado IDI, ou Índice de Qualidade de Vida Infantil, com base em indicadores de saúde, educação, escolaridade dos pais e atendimento a gestantes. Quanto mais próximo da unidade o tal índice, melhor a situação das crianças. Pois bem, enquanto os Estados do sul e do sudeste estão próximos de oito décimos, Rondônia permaneceu, em cinco anos, em 0,58, abaixo de Pernambuco, de Roraima e do Amapá, entre outros.

            Enquanto no Brasil, a Organização Internacional do Trabalho - OIT - observou uma tendência de melhora na situação do trabalho infantil, as mesmas projeções não encontram situação semelhante no Acre, em Alagoas, em Roraima e, exatamente, em Rondônia.

Não é à toa que os jornais locais estampam, com forte reiteração, a preocupação do povo rondoniense com o desemprego dos trabalhadores adultos, o aumento da ocupação infantil e, como decorrência, o recrudescimento da violência entre os mais jovens. Some-se a isso a prostituição infanto-juvenil, ao longo das estradas e na área urbana das cidades. A prostituição e a corrupção de menores são, por exemplo, as ocorrências mais registradas na Delegacia Especializada na Proteção à Criança e ao Adolescente de Porto Velho.

Os mesmos jornais dão conta de que, segundo o IBGE, apenas nas áreas urbanas, são mais de 269 mil crianças e adolescentes, homens e mulheres entre 5 e 17 anos, com algum tipo de ocupação profissional, em Rondônia. Cruzando-se esses números com as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a PNAD, vê-se que mais de 38 mil meninos e meninas, nesta mesma faixa de idade, não freqüentam os bancos escolares. Isso, sem contar a periculosidade do trabalho desenvolvido por essas crianças e adolescentes, mais da metade deles em contato com produtos químicos, máquinas e ferramentas perigosas ou outros instrumentos de trabalho que se caracterizam pelo risco.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, eu, às vezes, fico imaginando se, ainda, haveria a necessidade de novos instrumentais normativos para que essa situação se modificasse por ordem legal e que modificasse a nossa visão futura de mundo. É revoltante essa situação, mundial é verdade, de tamanha disparidade de distribuição de renda que retira de uma camada significativa da população os elementos mais essenciais de cidadania.

A contradição entre o desemprego dos jovens que tentam a sua primeira ocupação produtiva, e não acham, e as milhões de crianças que já trabalham, quando deveriam freqüentar as escolas, é fruto de um país onde os 10% dos mais ricos da população são donos de quase a metade do total da renda nacional. Do outro lado desse verdadeiro apartheid social, à metade mais pobre, ou mais de 87 milhões de brasileiros, restam algo como 13% dessa mesma renda. O Brasil tem quase 15 milhões de analfabetos, ainda assim se considerarmos quem assina, ou desenha o nome, como alfabetizados. Na categoria de analfabetos funcionais, são, pelo menos, 30 milhões. Dos que freqüentam a escola, menos de 70% concluem o ensino fundamental. No ensino médio, um em cada cinco chega ao último ano. Quase 60% dos que estudam, estão fora do período escolar correspondente às respectivas idades. Esses números são, ainda, mais degradantes, se discriminados por gênero, onde as mulheres se colocam em situação mais degradante que os homens. Os negros alcançam dois terços de todos os pobres brasileiros.

            Segundo o mesmo IBASE que elaborou a pesquisa da falta de emprego e de educação para crianças e jovens brasileiros, países com per capta semelhante à nossa, chegam a ter menos de 10% de pobres. No Brasil, são 30%, ou mais de 55 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, 22 milhões das quais em estado considerado como de indigência.

É bem verdade que programas como o Bolsa-Família tendem a minorar tamanha ferida. Mas, a dificuldade já detectada na sua implantação e na dificuldade de fugir de uma concepção meramente assistencialista, além do volume pouco expressivo de recursos, em relação às necessidades, tornam o programa insuficiente para atingir, efetivamente, os bons propósitos do Ministério do Desenvolvimento Social. O economista Márcio Pochmann, da Unicamp, sintetiza essa relação, em números: enquanto o País gasta 0,3% do nosso PIB em Bolsa-Família, reserva 150 bilhões de reais para o pagamento dos encargos da dívida.

A resposta à minha própria pergunta sobre a necessidade de novos instrumentos legais é, sem qualquer dúvida, negativa. Já há leis o suficiente para modificar a nossa situação de pobreza degradante. Aliás, a minha negativa se estende em escala planetária. Mais do que isso, ela extrapola ao nosso tempo.

            Para não trazer a história de tão longe, bastaria as primeiras linhas da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, logo após a Revolução Francesa: “O fim da sociedade é a felicidade comum. O governo é instituído para garantir ao homem o gozo destes direitos naturais e imprescritíveis. Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei...A instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos”.

            Caminhando um pouco mais no tempo para perto de nós, ainda em termos mundiais, nada mais sugestivo que a “Declaração dos Direitos Universais do Homem”, de 1948. Também nas primeiras linhas: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos...Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades...sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. Ainda: “Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros... Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego...Todo homem tem direito à instrução”.

Para quem acha que se tratam de meras recomendações, que se debrucem, então sobre o texto da Constituição Brasileira: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância...”

O emaranhado de leis que complementam a constituição brasileira, bem como as que se caracterizam como ordinárias é suficiente, a meu ver, para modificar as bases que sustentarão o futuro deste país. Basta que se coloque em prática os enunciados já estabelecidos no nosso aparato legal. Para isso, as decisões necessárias não se orientam, apenas, pelo apelo legal, mas pela decisão política de se colocar em prática o que se formulou, em termos normativos. Quantos serão os acordos e os tratados internacionais, quantas serão, ainda, as novas leis, os novos decretos e quaisquer outros ditames, tudo em nome da “melhoria das condições de vida da população”?. Quantos deles serão, efetivamente, colocados em prática, ou letra morta nos compêndios legislativos?

Quais seriam os caminhos mais lógicos para diminuir os desequilíbrios pessoais e regionais de renda no País? Como gerar os empregos em que a nova geração se alicerça para construir o nosso futuro? Como retirar as nossas crianças das ruas e colocá-las nos bancos escolares? Com novas leis? A reforma agrária, por exemplo, o caminho mais curto, menos dispendioso e que melhor se coaduna com as habilidades produtivas da população brasileira, necessita de novos aparatos legais ou de decisão política para ser implementada? A opção pelo superávit fiscal, em detrimento do déficit social é uma questão legal, ou política?

É hora de decidir sobre que futuro se almeja para a nação brasileira. E, esse futuro, não se altera, unicamente, por novas leis, muito menos por passe de mágica. O Brasil do amanhã será os meninos brasileiros de hoje. Para eles, as leis existentes não podem permanecer letra morta. Se, nem mesmo a Constituição Brasileira é cumprida, à medida que 750 mil crianças, por ano, não chegam a ser registradas, não se tornando, portanto, nem mesmo cidadãs, como já foi chamada essa mesma Constituição, o futuro parece já parece estar bastante limitado. Se as leis dos homens são letra morta, quem sabe as “bem-aventuranças”...

Era o que eu tinha a dizer,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2006 - Página 6335