Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o Dia Internacional da Mulher.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reflexões sobre o Dia Internacional da Mulher.
Aparteantes
Ana Júlia Carepa.
Publicação
Publicação no DSF de 09/03/2006 - Página 7275
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, REPUDIO, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidenta, gostaria de agradecer a gentileza do Senador Pedro Simon, não só por ceder o horário, mas também pelo gentil comentário a respeito dos meus trajes.

Hoje fiz questão de vir bem feminina, porque, no dia 8 de março, é comum recebermos mimos, como as flores que recebi do Senador Ney Suassuna, do Senador Mercadante; os chocolatinhos “engordativos” e maravilhosos do Senador Motta; e todas as homenagens carinhosas, abraços, beijos ao longo de todo o dia, telefonemas, mensagens no nosso celular.

Para nós, mulheres em geral, este dia 8 de março é bem vivenciado, bem aproveitado, e, claro, agradecemos toda essa gentileza. Em contrapartida, quero relatar algo que achei muito estranho ontem, num enfrentamento político havido aqui.

Numa das nossas atividades parlamentares do Senado, eu enfrentei um embate que foi de uma agressividade, foi de uma ofensa que tenho certeza não teria sido dessa forma se fossem dois homens, Senadora Ana Júlia. E essa agressividade veio de maneira a demonstrar um vício, um modo coronelista, machista, às vezes até de forma meio troglodita, de desqualificar a mulher, de fazer o enfrentamento mostrando quem manda, quem é o macho, quem grita alto, aquelas coisas todas.

Eu disse que é interessante porque vivenciamos isso num dia, e, no outro dia, a mesma pessoa faz homenagem. Então, é interessante a hipocrisia do cotidiano, porque a sociedade tem esse viés, e as pessoas, por mais que, num dia como este, tenham o comportamento de homenagear e de fazer o registro da importância que têm todas as mulheres do nosso País e do planeta, a forma como está montada a mente, pelas condições culturais em que se dá o machismo na sociedade, muitas vezes leva esse ranço da hipocrisia.

Hoje, ao dar uma entrevista em uma das várias emissoras de rádio para as quais eu falei ao longo do dia sobre o Dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, um dos radialistas teceu um comentário muito explícito, bastante característico da forma como somos tratadas. Ele disse: é comum, quando um homem erra, se dizer que é um tolo, um idiota. Mas, quando uma mulher erra, se diz: “elas são umas tolas, idiotas”. O erro do homem é sempre visto no individual. Qualquer coisa que a mulher faz - e está aqui a minha companheira taquígrafa confirmando o que eu digo, porque isso é realmente muito forte -, se uma mulher fica brava, ela tem uma caracterização. Já o homem, quando briga, é valente, corajoso, forte. A mulher, quando briga, é histérica ou é mal-amada, não é isso Senadora Ana Júlia?

São essas as maneiras como somos rotuladas, vistas. Infelizmente, isso se dá nos outros 364 dias do ano, Senador Motta. Mas não estamos abrindo mão dos bombons, dos abraços e dos carinhos. Só queremos estender isso para os outros dias do ano.

Ouço com muito prazer a Senadora Ana Júlia Carepa.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senadora Ideli Salvatti. Quero parabenizá-la por este registro, porque é bem o retrato da realidade. Há pouco, conversávamos inclusive sobre isso. Inclusive fui chamada de histérica quando rasguei aquele relatório, quando tive atitude de uma mulher que enfrenta...

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Quando o Senador, na época Deputado Paulo Paim, rasgou, não foi chamado de histérico. Foi chamado de combatente.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Não, de jeito nenhum. Mas, fui chamada até pelos órgãos de comunicação, gente que faz parte deste Congresso e se deu ao trabalho de escrever um artigo nesse sentido. Quer dizer, quando, na verdade, tomei uma atitude corajosa, inclusive que chamou a atenção do Brasil inteiro para uma CPMI, que foi a CPMI da Terra, que estava ali, infelizmente, terminando em pizza, porque derrotaram o relatório correto, justo, do Relator, Deputado João Alfredo, que é do partido de oposição, mas, defendemos aquele relatório. E aprovaram um relatório que foi uma verdadeira excrescência. Até hoje, Senadora, pago um preço por isso, por enfrentar essas dificuldades. Mas eu não poderia deixar de fazer um aparte para lhe parabenizar e lhe dizer que me sinto orgulhosa de fazer parte desta Bancada e ser sua companheira, ser sua amiga, porque aprendi, nesses anos aqui, a conhecê-la e ser sua amiga. Não só as mulheres, o povo de Santa Catarina, podem e devem se sentir orgulhosos de V. Exª, mas todas as mulheres e o povo brasileiro. Ousamos, por isso somos perseguidas, por isso somos achincalhadas algumas vezes, por isso somos tratadas dessa forma, porque somos ousadas, somos mulheres que ousamos enfrentar e combater os poderosos que passaram dezenas e dezenas de anos no poder deste País e nada fizeram. Ao contrário, se omitiram inclusive na atenção à saúde das mulheres. Eu sei que V. Exª vai tocar nisso...

A SRª. IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Vou, vou tocar.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Mas é impressionante. Quanto ao que foi aqui falado sobre a responsabilidade do Presidente Lula, trata-se de matéria sobre uma pesquisa feita no final de 2002 e início de 2003, um assunto que diz respeito à responsabilidade do Município, das cidades, que é a atenção à saúde básica da mulher. Temos muito ainda a caminhar, muitos passos a dar na conquista dos nossos direitos, principalmente daquelas mulheres. Mas, sem dúvida alguma, Senadora, temos também o que comemorar, porque nós não baixamos a cabeça, mesmo quando somos agredidas, mesmo quando somos perseguidas. E, graças a Deus, muitas de nós - e V. Exª é uma delas - não se vitimiza, ou seja, não usa a vitimização como algo que norteia o seu mandato. Eu também procuro não usar a vitimização como algo que norteia o meu mandato, porque creio que não adianta nada, não é isso que vai nos fazer avançar. Parabéns, Senadora, parabéns a todas as mulheres deste País, mas um parabéns especial às funcionárias deste Senado, que, muitas vezes, ficam aqui, até tarde, quando estamos nas sessões. São mulheres também trabalhadoras, aguerridas, que mostram a sua capacidade e a sua competência e merecem, sem dúvida nenhuma, esta homenagem não só no dia de hoje, mas todos os dias.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senadora Ana Júlia. Não poderia deixar - eu não estava no momento do seu pronunciamento - de mencionar o ataque que V. Exª vem sofrendo por um dos órgãos de imprensa deste País, um ataque rasteiro, que V. Exª está respondendo à altura, inclusive processando a revista. Até porque, diferentemente de muitos, a investigação foi feita e já está concluída, e tudo o que vem sendo veiculado pelo órgão, pela tal da revista Veja, ela precisa realmente ver melhor, porque não está conseguindo enxergar.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Nada daquilo consta do relatório. Ela falseou completamente o relatório da CPI para tentar construir a verdade do órgão de comunicação.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - É que ela vê só o que interessa ou convém. Então, queria aqui prestar a minha integral e absoluta solidariedade pelo fato de estarmos muito juntas e firmes.

V. Exª citou, e achei bastante interessante, que muitos parlamentares usaram a história de que nem 1% das cidades dava atenção total à saúde da mulher. É importante dizer que esse estudo foi feito por uma mulher, uma médica sanitarista, Ana Maria Costa, para a defesa de sua tese de doutorado, na Universidade de Brasília. Para o estudo, ela fez um levantamento, por meio de questionários, de dados referentes ao final de 2002, início de 2003. Então, muitas cobranças feitas aqui, em altos brados, aqui da tribuna, foram destinadas ao Presidente da República errado.

Então, como V. Exª colocou, a maior parte da atenção integral à saúde da mulher se dá em nível primário e deve ser exercida fundamentalmente pelos municípios mesmo.

            Eu não queria, no término da minha fala...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Eu sei que o Senador João Batista Motta vai me dar uma “canjinha”.

Eu não queria tão-somente ressaltar as mulheres que têm visibilidade e ocupam espaços públicos. Eu nem vou relembrar as maravilhosas mulheres catarinenses que têm muito realce, como a nossa magnífica Anita Garibaldi, a Santa Madre Paulina, a nossa Maria Rosa, heroína do Contestado, ou Antonieta de Barros, a primeira mulher negra a ser eleita parlamentar no Brasil, em 1934. Eu queria aqui ressaltar, Senador Motta, ainda neste final do meu pronunciamento, não as anônimas, porque obviamente todas têm nome e sobrenome, mas aquelas que muitas vezes não são visíveis, apesar de serem guerreiras, muito mais até que as que conseguem galgar espaços públicos ou realce nas artes, nos esportes ou em vários outros espaços profissionais.

Eu queria aqui homenagear, primeiro, as mulheres chefes de família, que representam 25%. E quando falamos em chefe de família mulher, neste caso, não tem o homem acompanhando. Quando falamos que 75% das famílias são chefiadas por homens, normalmente nesses lares está presente a mulher. Quando falamos que 25% dos lares são chefiados por mulheres, quase 100% são apenas as mulheres.

Os dados levantados, as pesquisas, dão conta de que a maior parte desse um quarto de lares chefiados por mulheres que ganham no máximo até três salários mínimos e que ainda acumulam a discriminação de raça, porque na grande maioria são pardas ou negras.

Quero homenagear aqui também as mães, de maneira geral. Mas há uma determinada parcela de mães - inclusive, tivemos oportunidade de recebê-las aqui hoje -, aquelas que estão na defesa dos filhos que perderam para a violência, seja a violência urbana, do crime organizado, ou a violência contra a mulher, como é o caso da Glória Peres. Elas lutam contra a impunidade. Essas mães lutam para que sejam punidos aqueles que atingiram os seus filhos, que as fizeram enterrar filhos vítimas da violência.

Quero também homenagear aqui as donas-de-casa que hoje fizeram uma belíssima manifestação. Havia quase cinco mil mulheres aqui na Esplanada. Estiveram em audiência com o Presidente em exercício, o nosso querido José Alencar, que se emocionou às lágrimas na solenidade. Elas estão exatamente reivindicando a regulamentação da aposentadoria para as donas-de-casa que não têm qualquer outra fonte de renda. Isso foi fruto aqui de toda a tramitação da reforma da Previdência.

Quero também homenagear as empregadas domésticas, essas mulheres, na sua grande maioria. Esperamos que, com a medida provisória incentivando o registro, com o desconto do Imposto de Renda, possam ter o seu trabalho reconhecido para podermos superar aquela condição que ainda lembra muito a Casa Grande e Senzala, porque a pessoa que realiza o trabalho doméstico muitas vezes é tratada ainda com muito resquício da forma com que se tratavam os escravos que trabalhavam na Casa Grande. O meu respeito a essas mulheres que, muitas vezes, até substituem a mãe no trato dos filhos. Portanto, elas também têm que ser aqui relembradas e valorizadas.

Por último, quero resgatar aqui todas as mulheres violadas, violentadas, vítimas da violência doméstica, que precisam de apoio para dar um basta a essa situação.

Essas são as mulheres que quero relembrar e homenagear, como guerreiras, efetivamente, que enfrentam no seu cotidiano sustentar a família, trabalhar, muitas vezes, na casa dos outros executando tarefas que não podem executar na sua casa; as que brigam para que tenham punição os criminosos que as atingiram e que ceifaram a vida de seus filhos; as donas-de-casa que em todo o País estão executando aquele trabalho que é muito penoso e que, muitas vezes, não é sequer reconhecido.

A todas elas quero mandar os versos famosos da música Maria Maria. Não vou cantar, mas vou relembrar versos fortes do nosso querido Milton Nascimento: “Mas é preciso ter força; é preciso ter raça; é preciso ter sonho, sempre. Quem traz no corpo essa marca, Maria Maria, possui a estranha mania de ter fé na vida”.

As mulheres têm fé na vida, Senador Motta, e nós queremos 365 dias dedicados à paz e à harmonia entre homens e mulheres.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/03/2006 - Página 7275