Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o documentário intitulado "Falcão - Os meninos do Crime", transmitido pela Rede Globo, no último domingo. (como Líder)

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre o documentário intitulado "Falcão - Os meninos do Crime", transmitido pela Rede Globo, no último domingo. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2006 - Página 8894
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, ALICIAMENTO, CRIANÇA, JUVENTUDE, TRAFICO, DROGA.
  • CRITICA, OMISSÃO, FALTA, COMPETENCIA, ESTADO, ASSISTENCIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, IMPEDIMENTO, ALICIAMENTO, JUVENTUDE, TRAFICO, DROGA.
  • SUGESTÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, DISCUSSÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, INFANCIA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não tive a oportunidade de estar no plenário no dia de ontem, mas sei que vários Senadores trataram do assunto relacionado ao Francenildo - voltarei a este assunto mais tarde - a esta patifaria governista para acobertar e esconder da opinião pública a podridão do Governo.

Neste momento, vou me referir a algo que a nossa querida Senadora Patrícia e o Senador Cristovam já tiveram a oportunidade de examinar: o documentário Falcões, veiculado em uma rede de televisão, que registra denúncias sobre o aliciamento de crianças e jovens brasileiros pelo narcotráfico.

O programa de televisão, que emociona, num misto de tristeza profunda e indignação, a todas as mulheres e homens de bem e de paz no Brasil, é o retrato de uma realidade objetiva. Entretanto, caberia ao Governo, ao Congresso e à própria rede de televisão mostrar, de alguma forma, por que isso acontece e o que pode ser feito para mudar essa situação.

Há um quadro dramático onde um menininho é questionado: o que você quer ser quando crescer? E ele diz: bandido. Claro, numa sociedade como a nossa, numa sociedade em que uma empregada doméstica de 18 anos roubou um potinho de margarina de R$3,20 e está presa há mais de 120 dias na mesma cela de um presídio com senhoras que praticaram crimes hediondos, e não consegue um habeas corpus, não consegue sair, já ultrapassou prazo, já rasgou jurisprudência, e já inventaram que não era furto famélico. Porque eu sempre soube que se você furta um pote de margarina você não vai mandar esse pote de margarina para uma conta fantasma de bilhões de dólares no exterior, como petistas, “dudistas” e outros mais fizeram. Pois bem, disseram que não era furto famélico, virou roubo, uma latinha de margarina de R$3,20. Numa sociedade como esta é fácil, realmente, ser tragado pela marginalidade como último refúgio.

Mas o que é mais grave naquele vídeo? Claro que causas existem diversas. Se cumprirmos a obrigação constitucional de analisar a execução orçamentária, veremos que o Governo no ano passado gastou só com juros da dívida - um ano de juros da dívida - 72 vezes mais do que gastou em segurança pública; 720 vezes mais do que gastou em saneamento; 8 vezes mais do que gastou em saúde; 10 vezes mais do que gastou em educação, Senadora Lúcia Vânia. Então, a causa, é claro, é o aprofundamento do modelo neoliberal, um modelo excludente, um modelo onde a criança não tem creche, não tem pré-escola, não tem acesso à cultura, não tem acesso ao lazer, não tem acesso à experiência do emprego, não tem nada. E se a criança está na rua, ela tem o quê? A sedução maldita da estrutura do narcotráfico.

Agora, todo mundo sabe qual é a causa. Várias pessoas podem esconder, mas a causa existe. Qual é a causa? A ausência do aparelho de Estado para, diretamente, intervir na sociedade a fim de que o Estado brasileiro adote as crianças e os jovens antes que o narcotráfico promova essa maldita adoção. E sabe o que é pior, Senadora Lúcia Vânia? É que o Governo sabe onde estão todas as crianças brasileiras. Conversamos com o Senador Cristovam, quando Governador, e ele nos disse que, quando instalou o Programa do Bolsa-Escola, queria saber onde estava cada uma das crianças. Quando eu trabalhava na universidade, na área de planejamento de serviços públicos, eu sabia tudo, claro, porque é para isso que existe um diagnóstico. Você faz um diagnóstico da situação para, por meio desse diagnóstico absolutamente objetivo, mesmo que saibamos nós que as frias estatísticas oficiais escondem histórias de vidas que estão sendo destruídas, mas, com base nesses diagnósticos, planejar a ação do aparelho de Estado para acolher a população, de uma forma em geral, e as nossas crianças. E sabe o que é pior? É que o Presidente Lula ou qualquer outro que lá esteja sabe exatamente onde estão todas as crianças brasileiras. Todas! Isso é que é o pior!

Eu consigo saber disso, assim como qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento técnico para analisar os dados estatísticos levantados pelo IBGE no Censo, ou na Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, ou no perfil definido para análise de todos os setores da sociedade.

O Presidente, então, pode saber onde está cada criança: em qual Estado, em qual macrorregião, em qual microrregião, em qual região metropolitana, em qual Município, em qual subdistrito, em qual bairro. Qualquer pessoa que acessar a Internet saberá exatamente quantas crianças há no Brasil. Um país rico como o Brasil não consegue cuidar de 23 milhões de crianças de zero a seis anos! Pode uma coisa dessas?

Concedo um aparte ao Senador Cristovam Buarque, para depois concluir a análise dos dados.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senadora Heloísa Helena, solicitei este aparte para apoiá-la integralmente nessa metáfora, nessa comparação boa que V. Exª vem usando - e eu a ouvi aqui conversando - de que bastava o Governo adotar uma geração! Bastava adotar uma geração! Isso não é difícil, não custa tanto dinheiro. Suas comparações mostram que há de onde tirar esse dinheiro. Basta ter um Governo que mobilize o povo brasileiro, que mobilize a nossa vontade, para que os recursos surjam. E quero acrescentar que a tragédia brasileira está se agravando de tal forma, que eu achava que esta semana iríamos discutir aqui a manchete de sábado do jornal O Globo sobre prostituição infantil. No domingo, foi veiculada uma matéria sobre violência tão mais forte do ponto de vista visual, que nem mais discutimos a prostituição infantil. Os problemas vão tomando dimensões tão maiores que esquecemos o anterior. Portanto, pedi o aparte apenas para me solidarizar com V. Exª pelo discurso e dizer que, felizmente, alguns de nós ainda resiste falando sobre esses assuntos.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª tratou de um tema que está absolutamente articulado ao meu: a menininha pobre vendendo o corpo por um prato de comida e o menino pobre sendo tragado pelo narcotráfico como último refúgio. Os dois condenados e carimbados, como se o único destino de quem nasce pobre no Brasil fosse ser arrastado para a marginalidade como último refúgio.

Eu só queria que o povo brasileiro tivesse a oportunidade de analisar o detalhamento de informações oficiais que temos para subsidiar ações concretas do Governo Federal. É de cortar o coração saber de todos os detalhes!

Senador Cristovam Buarque, como bem sabe V. Exª e vários outros Parlamentares, o Presidente da República, pelos dados do censo, pode conhecer todas as unidades da Federação, as grandes regiões, as regiões metropolitanas, as mesorregiões, as macrorregiões, as microrregiões, os distritos, os subdistritos e os bairros.

Quando se quer, pode-se conhecer exatamente cada uma das crianças do Brasil. Não se consegue saber onde há 23 milhões de crianças brasileiras em um País de 169 milhões de pessoas? Quando se acessam os dados do IBGE, é possível saber tudo de cada um dos subdistritos. Pode-se analisar e identificar, em cada um dos Estados brasileiros, onde está cada criança.

O nome do documentário é Falcões. Há um pequeno bairro chamado Falcão, na cidade de Quatis, no Rio de Janeiro. Não fui eu que inventei esses dados. Eles estão registrados no censo do IBGE. Então, pelo censo do IBGE, eu consigo saber que, no meu querido Rio de Janeiro - nem vou falar da minha querida Alagoas, porque tenho a obrigação de saber tudo sobre o Estado -, há uma cidadezinha de 10.730 habitantes chamada Quatis, onde há um bairrozinho chamado Falcão.

Senador Cristovam Buarque, por meio das estatísticas oficiais, que estão à disposição de um Presidente, que, infelizmente, além de incompetente e corrupto é insensível, consigo identificar que, nesse bairrozinho chamado Falcão, há 289 pessoas - 156 homens e 133 mulheres - e que, na região urbana da cidade de Quatis, há 139 pessoas - 73 homens e 66 homens - e, na região rural, 150 pessoas - 83 homens e 67 mulheres.

Realmente, fica muito difícil simplesmente mudar essa situação, porque a vida passa. A mecânica da vida faz com que as pessoas se esqueçam da realidade objetiva de dor e de sofrimento das outras. Portanto, é essencial - tenho certeza de que o Senador Cristovam Buarque pode fazer isso juntamente comigo na Comissão de Direitos Humanos - que estabeleçamos uma discussão sobre esses episódios dramáticos. É estranho que os escalados para comentar sejam cineastas, produtores de televisão, por mais respeitáveis e sensíveis que sejam. E digo isso, até porque uma delas, a Gloria Perez, sentiu no coração a pior dor que há, que é a perda de um filho!

Não podemos olhar como olhamos um “filminho”, senão, como bem disse V. Exª, outro filme maldito virá, com mais dor, sofrimento e miséria, com algo que é muito pior: a banalização da miséria, da dor, das crianças arrastadas pelo narcotráfico, do banditismo político e essas coisas mais.

Deixo registrado que o que é mais doloroso para mim é ter a certeza e a convicção de que os dados oficiais estão disponibilizados e podem mostrar onde mora cada uma das crianças pobres deste País: qual o Município, qual o bairro, qual a rua e qual a casa.

Portanto, não há justificativa alguma para tanta incompetência e insensibilidade! Enquanto essa gente se apropria de forma corrupta do dinheiro público, nossas menininhas vendem o corpo por um prato de comida e os nossos meninos pobres são arrastados para as drogas e para a marginalidade como último refúgio.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2006 - Página 8894