Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a privatização no setor ferroviário.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a privatização no setor ferroviário.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Mão Santa, Pedro Simon, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2006 - Página 7553
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, DEFICIENCIA, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, PREDOMINANCIA, MATRIZ, TRANSPORTE RODOVIARIO, AUMENTO, CUSTO, MERCADORIA, EXPORTAÇÃO, DEFESA, DESENVOLVIMENTO, TRANSPORTE FERROVIARIO, APROVEITAMENTO, EXISTENCIA, SISTEMA, POSSIBILIDADE, EXPANSÃO.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, CONCESSIONARIA, PRECARIEDADE, FERROVIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), IMPORTANCIA, ESCOAMENTO, PORTO DE SANTOS, PRODUÇÃO, REGIÃO CENTRO OESTE, CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, APREENSÃO, PROCESSO, ALIENAÇÃO, CONTROLE, RISCOS, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, EXPECTATIVA, ACOMPANHAMENTO, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, SENADO.
  • DEFESA, MODELO, VENDA, INTEGRAÇÃO, FERROVIA, BENEFICIO, EXPORTAÇÃO, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, TRANSPORTE TERRESTRE, REGULAMENTAÇÃO, SETOR.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Srªs. e Srs. Senadores, cumprimento a Senadora Heloísa Helena, aqui representando - e muito bem - as mulheres. No dia 8 de março, tivemos a oportunidade de festejar o avanço e tudo que V. Exª representa para a mulher brasileira: garra, competência, determinação, honestidade, enfim, mil qualidades. Por intermédio de V. Exª, cumprimento todas as mulheres brasileiras.

Srªs e Srs. Senadores, nos últimos meses tenho-me dedicado, quase que em período integral, à CPMI dos Correios. Mas a atividade parlamentar deve ser algo muito mais amplo do que acompanhar crises de nosso sistema político - por mais importantes que elas sejam. É por isso que hoje vou tratar de uma questão de extrema importância para o futuro do País, mesmo que o assunto não esteja todos os dias nas manchetes dos jornais. Refiro-me à alienação do controle ou de parte do controle das concessionárias ferroviárias Ferroban, Ferronorte e Novoeste, a mais importante operação no setor ferroviário desde a sua privatização, iniciada em 1996. Faço questão de registrar, aqui, talvez, a pior privatização do Brasil - e aí cito especificamente a Novoeste, ferrovia que corta o meu Estado, Mato Grosso do Sul.

Parece um assunto técnico, quem sabe até complicado, mas tem muito a ver com a vida dos brasileiros e com nosso futuro como Nação. Porque o que estará sendo alienado nesse mega negócio, que envolve valores na casa dos bilhões de reais, é a real capacidade de nosso País e de nossas lideranças de estabelecer as estratégias mais adequadas para assegurar nosso progresso.

A falta de uma infra-estrutura de transportes adequada para o desenvolvimento do Brasil é um problema antigo, com raízes históricas, mas seu debate foi intensificado apenas nos últimos anos, quando este passou a ser um gargalo para o crescimento e o risco de um “apagão logístico” passou a ser iminente.

Nossa matriz de transportes é fortemente dependente da rodovia, setor que concentrou a maior parte dos investimentos públicos, em detrimento de uma matriz mais concentrada em ferrovias como acontece em outros países. Hoje, menos de 10% das cargas brasileiras são transportadas por trem, excluindo o minério de ferro, que é a carga cativa da ferrovia. O modal ferroviário é responsável por 35% do total transportado nos Estados Unidos, mais de 40% na Europa e próximo a 60% no Canadá.

A dependência da rodovia encarece nossos produtos, onera as exportações e diminui a competitividade do Brasil. O custo do transporte por caminhão é, em média, duas vezes maior do que o do trem, consumindo mais do que o dobro do combustível e com maiores necessidades de manutenção e pessoal. O impacto dessa realidade é sentido em toda a economia, mas é ainda maior em segmentos em que o transporte é uma parte substancial do custo, como é o caso das commodities agrícolas. Isso explica o fato de ainda termos terras não exploradas para a agricultura em regiões cuja produtividade é altíssima, como o Centro-Oeste do Brasil, mas que carecem de alternativas para escoar a safra.

A solução do problema ao longo do tempo passa necessariamente pelo desenvolvimento dos sistemas ferroviários atuais, que ainda apresentam grande potencial de crescimento, e por investimentos adicionais em novas ferrovias que criem alternativas para o escoamento da produção. A segunda providência, no entanto, demanda enorme investimento por parte do Estado, mesmo que em parceria com o setor privado, e no melhor dos casos só teria impacto em alguns anos, devido ao período necessário para construção de novas ferrovias e para a viabilização dos novos projetos, que incluem a desapropriação de terras e a obtenção de licenças ambientais.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para que o Brasil possa crescer nos próximos anos de uma maneira saudável e sem desequilíbrios externos, é fundamental gerarmos as condições necessárias para o aumento da capacidade das malhas ferroviárias já existentes. Mais do que isso, essa expansão de capacidade deve beneficiar a todos, levando eficiência e menores custos da ferrovia a toda a economia.

Como se sabe, a Ferroban, concessionária que assumiu a antiga malha da estatal Fepasa - Ferrovia Paulista S. A. -, possui uma extensa malha ferroviária no Estado de São Paulo, ligando os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao porto de Santos, sendo responsável por grande parte do escoamento da produção do Centro-Oeste para exportação e para o consumo na Região Sudeste.

Além desse importante corredor de exportação, a malha ferroviária paulista, que tem uma densidade, ou seja, quilômetros lineares de trilhos divididos por quilômetros quadrados territorial, maior do que a dos Estados Unidos, vem sendo subutilizada, já que a sua participação no transporte estadual não deve chegar a 5% das mercadorias movimentadas no Estado que é a locomotiva do Brasil.

A Novoeste, antiga Noroeste do Brasil, construída no início do século passado, liga o Mato Grosso do Sul, desde as suas fronteiras com a Bolívia em Corumbá e com o Paraguai em Ponta Porã, até a Ferroban, inicialmente em Bauru e que hoje chega até Mairinque, estas duas cidades no Estado de São Paulo, e daí acessa o porto de Santos. Os trilhos da antiga Noroeste foram responsáveis por proporcionar uma vantagem competitiva ao então sul do antigo Estado do Mato Grosso, possibilitando a cisão deste e a criação do Estado do Mato Grosso do Sul. Mesmo a interiorização da produção de soja no Centro-Oeste, que transformou este produto e seus derivados no principal produto da pauta de exportações brasileira, começou no sul do Mato Grosso do Sul, graças à combinação da fertilidade de suas terras com a facilidade de escoamento proporcionado pelas linhas férreas nas regiões de Sidrolândia, Maracajú e Ponta Porã.

A Ferronorte, projeto idealizado por Olacyr de Moraes, que liga o nordeste do Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso de novo às linhas da Ferroban e assim a Santos, deve ter sido fruto da feliz experiência deste grande empresário como produtor de soja em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. Olacyr deve ter imaginado que o custo estruturalmente reduzido do transporte ferroviário seria, como acabou se confirmando com a implantação da Ferronorte, a redenção de Mato Grosso, já que o Estado é hoje o maior produto de soja do Brasil.

Essas três concessionárias públicas juntas atingem mais de 50% do PIB brasileiro, por isso a importância estratégica dessa alienação. Um passo mal dado agora pode significar a estagnação ou o retrocesso econômico e social de toda uma grande região por anos ou décadas.

Tenho a honra de ouvir o aparte do Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Delcídio Amaral, quero parabenizá-lo pela coragem de trazer tema tão importante, mas também tão delicado - V. Exª sabe ao que me refiro - a esta tribuna. O Senado da República tem a obrigação de participar desse debate. Somos membros da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura, da qual tenho a honra de momentaneamente presidir, e quero propor a V. Exª que levemos essa questão para uma discussão mais detalhada na Comissão. Há conflitos de empresas pela sobreposição de uso de malhas, principalmente no Porto de Santos, há uma negociação sendo feita, envolvendo uma empresa que está sendo contestada por outras, exatamente nessa região a que V. Exª se refere. Concordo quando V. Exª elogia a coragem e a bravura do construtor Olacyr de Moraes de ter feito a primeira parceria público-privada. No entanto, só entrou o privado, o público não, o que levou o empreendedor a passar por momentos difíceis. V. Exª está de parabéns! E desafio V. Exª a levar essa questão à discussão, de maneira bem objetiva e detalhada, na nossa Comissão. Se fizermos isso, meu caro Senador Delcídio Amaral, estaremos prestando um grande serviço ao País. Muito obrigado.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Heráclito Fortes, Presidente da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura, que bem conduz os trabalhos. Entendo que esse tema deve merecer um debate amplo e fundamental naquela Comissão do Senado.

Senador Heráclito Fortes, as mazelas que especialmente a Novoeste tem enfrentado são uma vergonha para os sul-mato-grossenses e para o Brasil. Essa ferrovia está praticamente sucateada. Ela vive de remendos e não possui operadores ferroviários que deveriam ser responsáveis por essa operação. Hoje ela é basicamente operada por fundos de pensão e, portanto, absolutamente na contramão do que se espera de uma ferrovia com essa importância, como V. Exª acabou de registrar.

Não tenho dúvida alguma e farei um requerimento, Senador Heráclito Fortes, exatamente com o intuito de abrirmos o debate sobre essas alienações, sobre os direitos de passagem, que estão envolvidos com a alienação de que trato neste momento, porque isso será fundamental para o Centro-Oeste, para o Sudeste e para o Brasil.

Foi isso que a privatização malfeita da Novoeste, em 1996, causou às regiões produtoras do meu Estado, o Mato Grosso do Sul. Aquela ferrovia que transportava mais de sete milhões de toneladas na década de 1990, transportou, no ano passado, apenas 3,5 milhões de toneladas. Muito pouco para um Estado que, só de soja, produz mais de quatro milhões de toneladas. Quem pagou esse prejuízo? Foram os sul-mato-grossenses, seja no encarecimento de sua produção, seja na oneração dos produtos que recebem dos Estados vizinhos e de outros países por portos desses Estados vizinhos.

Agora, com a nova alienação que deverá ocorrer no próximo dia 22 de março, Senador Heráclito, devemos ficar atentos para que o modelo adotado nessa venda, assim como seus possíveis adquirentes - V. Exª citou muito bem, temos de acompanhar os principais interessados, para, daqui a pouco, não se criar monopólio de algumas empresas, principalmente nessa malha rodoviária -, estejam em sintonia com a importância estratégica da atividade dessas empresas, atendendo a todo esse sem-número de Estados e promovendo a integração com o porto. Ferrovia tem de terminar em porto.

É preciso encontrar um modelo de negócio e um conjunto de adquirentes que privilegiem a independência e a pluralidade necessárias para que a atividade ferroviária leve às regiões que cruzam o desenvolvimento que tanto almejamos.

O modelo que aí está não atende aos interesses do Mato Grosso do Sul - basta ver o desastre que é a Novoeste - nem, portanto, aos do Brasil. Vender a Novoeste desassociada da Ferroban e da Ferronorte é impróprio, já que a Novoeste termina em Mairinque, e Mairinque não é destino, Mairinque é passagem. Os dois pares de trens sugeridos no contrato de direito de passagem entre a Novoeste e a Ferroban, que permitiria aos trens da Novoeste trafegarem entre Mairinque e Santos pelas linhas mistas da Ferroban, estagnarão a capacidade de transporte da Novoeste a esses 3,5 milhões que foram transportados no ano passado. Portanto, muito aquém das necessidades do meu Estado, o Mato Grosso do Sul. Queremos e precisamos de uma oferta de transporte ferroviário no meu Estado de mais de 20 milhões de toneladas por ano. Essa demanda, Senador Heráclito, já existe, mas, por causa desse imbróglio ferroviário, não conseguimos fazer com que essa ferrovia seja efetivamente a infra-estrutura mais importante para a nossa região e para o Brasil.

Outro assunto que preocupa os produtores do meu Estado e que precisa ser examinado com toda cautela é o perfil dos possíveis adquirentes que pretendem assumir o controle da companhia.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Delcidio, V. Exª me concede um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Com muita honra, Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Antes que V. Exª entre em outro assunto, Senador Delcídio Amaral, retorno a um dos primeiros pontos do discurso de V. Exª que se referia à possível crise de energia e lembro do que ocorreu recentemente - e, aí, quero ter a sua parceria em relação ao Nordeste. Isso porque, desse primeiro leilão de energia nova, apenas oito e meio foram comprados para o Nordeste, energia emergencial, pequenas unidades de, em média, sete megawatts/hora de produção. Conseqüentemente, é uma baixíssima qualidade de energia, para não dizer ordinária até. E mais: essa energia foi contratada três anos antes da crise - que eu achava que seria em 2009, mas o Governo acredita que será em 2008 - e por 15 anos. Além de a quantidade de energia comprada ter sido muito pequena, não temos gás no Nordeste. Todos as vezes que falo de energia e do Nordeste tenho de citar o Gasene. Essa área da Petrobras, que acho que cuida da parte de gás, área que V. Exª tão bem conhece, não acrescentou um metro de gasoduto nesses três anos. Da mesma forma, na área de energia hidrelétrica, só recentemente, nesse primeiro leilão de energia, é que foi acrescentada alguma coisa de concessão nova. Levamos três anos sem nenhuma concessão nova. A mesma coisa ocorre na área de gás. Dessa forma, eu queria ter V. Exª como parceiro do Nordeste, auxiliando-o a buscar uma solução - a energia. A crise de energia, que eu achava que seria em 2009, o Governo anuncia, comprando energia emergencial, que é para 2008. Então, saúdo o discurso de V. Exª, que bem conhece esse assunto e que precisa ajudar o Nordeste, Senador Delcídio Amaral.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Senador Rodolpho Tourinho, é importante seu registro, porque, aqui, estamos falando de ferrovia e, fundamentalmente, de infra-estrutura. Um dos maiores problemas que, hoje, enfrentamos é de regulação. E, sem regulação, há falta de investimentos. Por quanto tempo discutimos aqui as parcerias público-privadas? Não conseguimos tirar do papel nenhum projeto de parceria público-privada.

No setor de energia, no setor de gás natural, o quanto já poderia ser investido no Nordeste, com o Gasene garantindo o suprimento de energia para o mercado nordestino, não apenas para as residências, para o comércio, mas especialmente para as indústrias?

Quanto às soluções adotadas no último leilão, programas emergenciais utilizando usinas termelétricas a óleo diesel, meu caro Senador Mão Santa, eu só tinha visto isso anos atrás na Amazônia, até porque, em função das restrições que a Amazônia à época enfrentava, essa era a única solução. Mas continua parado o Gasene, continua parado o gás para Manaus, do Coari, continua parado Urucu-Porto Velho.

Então, o tema “infra-estrutura” é de absoluta e de fundamental importância que venhamos a discutir, como a Lei do Gás, Senador Rodolpho Tourinho, que estamos discutindo, e fomos surpreendidos com um enxame de projetos encaminhados ao Congresso Nacional.

Porém, o bom senso vai prevalecer. E não tenho dúvida alguma de que serei grande parceiro de V. Exª nessa discussão, como em outras discussões associadas à infra-estrutura do Brasil, que precisa urgentemente de socorro, de planejamento e de regras adequadas.

Senador Pedro Simon, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - O pronunciamento de V. Exª é brilhante, competente e sério. Eu apenas destacaria o seguinte: que bom se esse pronunciamento marcasse o início do Governo Lula e se ele tivesse ainda quatro anos para realizar isso! Mas V. Exª faz seu pronunciamento quando o Governo Lula já acabou e quando Lula está-se candidatando a um novo Governo. Mas, nos anos anteriores, o resultado é esse que V. Exª, com muita firmeza e convicção, está apresentando.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

Já concluo minha fala, Sr. Presidente.

Outro assunto que preocupa os produtores do meu Estado e que precisa ser examinado com toda cautela é o perfil dos possíveis adquirentes da Ferroban, da Ferronorte e da Novoeste, que pretendem assumir o controle da companhia. A ferrovia tem de ser plural, atendendo a várias mercadorias, a vários clientes, a vários destinos e a várias origens. A ferrovia não pode ser um centro de custo, e a mídia tem noticiado que há candidatas a adquirir essas artérias cruciais do coração produtivo brasileiro que têm, em sua atividade principal, interesses que conflitam com essa pluralidade.

Meu caro Senador Mão Santa, concedo um aparte a V. Exª, com muita honra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Delcídio Amaral, sei que V. Exª é um brilhante engenheiro. Sou médico e tive de estudar um bocado de Psicologia. Franklin Delano Roosevelt disse: “Todo homem que vejo é superior a mim em determinado assunto, e, nesse particular, procuro aprender”. Então, usando a minha psicologia, quando adentrei aqui, sem dúvida nenhuma, percebi que V. Exª - está nos meus primeiros pronunciamentos um aparte talvez ao primeiro discurso de V. Exª - é uma inteligência privilegiada. Muito jovem, foi um dos mais brilhantes Ministros de Minas e Energia no honrado Governo de Itamar Franco. E eu advertia, porque votei em Lula e acreditei no PT, que V. Exª deveria ter sido pinçado para promover esse desenvolvimento. Lula se achava igual a Juscelino, mas considero que é V. Exª que é um otimista. Juscelino disse: “É melhor ser otimista. O otimista pode errar. O pessimista já nasce errado e continua errado”. Juscelino representou energia e transporte, e esse tem sido o tema de V. Exª. Isso é muito preocupante. Ninguém melhor do que V. Exª para entender de energia do petróleo, de seus derivados, de gás natural. E o Governo se envereda, todos sabemos que com boa intenção, no biodiesel, na mamona, mas que isso não tem economicidade. Sou um médico, que é um mecânico de gente, e gente usa óleo como combustível. Quantos óleos alimentares nós temos para servir à máquina humana! Vá ao supermercado! Não conheço nenhum abaixo de R$2,50. “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, disse Lavoisier, inteligente, como V. Exª. Para transformar isso na bioenergia da mamona, a economicidade não permite. E V. Exª tem chamado a atenção para o gás natural e para o transporte. V. Exª revive Juscelino: energia e transporte. E faço minhas as palavras de Pedro Simon: é pena que o Governo não tenha atentado para isso que, desde o início, detectamos e apresentamos! Mas, sem dúvida nenhuma, V. Exª tem perspectivas invejáveis na política do seu Estado e do nosso País.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Muito me honram as palavras de V. Exª.

E, agora, concluindo, meu caro Presidente Alvaro Dias, devo dizer que este pronunciamento volta à discussão sobre o Programa Ferroviário Brasileiro, à importância das ferrovias na busca da eficiência principalmente da nossa produção, tocando num ponto fundamental, que é o complexo Novoeste, Ferronorte e Ferroban, que cruza alguns dos Estados mais ricos do País. E precisamos, de uma vez por todas, ter regras claras, uma atuação competente da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Essa questão das agências é absolutamente fundamental não só para transporte rodoviário, ferroviário, terrestre, como também para energia, petróleo e gás, enfim, para todos aqueles segmentos que precisam ter regras claras para atrair investimentos e para, com isso, gerar empregos para o Brasil.

Finalizando, Sr. Presidente, sou um empreendedor. Como disse o Senador Mão Santa, sou um engenheiro. Estou Senador, mas sou engenheiro, acima de tudo, e empreendedor. O Brasil precisa de gente empreendedora, de gente que faça com que o País caminhe, com que o País realize. Para que isso aconteça, é preciso que tenhamos praticidade nas ações, objetividade, menos discurso, mais ação, que é aquilo que a população, acima de tudo, espera de todos nós.

Muito obrigado, Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Sem apanhamento taquigráfico ) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, nos últimos meses, tenho me dedicado às produtivas investigações levadas a cabo pela CPMI dos Correios. Mas a atividade parlamentar deve ser algo muito mais amplo do que acompanhar crises de nosso sistema político - por mais importantes que elas sejam. É por isso que hoje vou tratar de uma questão de extrema importância para o futuro do País, mesmo que o assunto não esteja todos os dias nas manchetes dos jornais. Refiro-me à alienação do controle ou de parte do controle das concessionárias ferroviárias Ferroban, Ferronorte e Novoeste, a mais importante operação no setor ferroviário desde a sua privatização, iniciada em 1996.

Parece um assunto técnico, quem sabe até complicado, mas que tem muito que ver com a vida dos brasileiros e com nosso futuro como nação. O que estará sendo alienado nesse mega negócio, que envolve valores na casa dos bilhões de reais, é a real capacidade de nosso País e de nossas lideranças estabelecer as estratégias mais adequadas para assegurar nosso progresso.

A falta de uma infra-estrutura de transportes adequada para o desenvolvimento do Brasil é um problema antigo, com raízes históricas, mas seu debate foi intensificado apenas nos últimos anos, quando passou a ser um gargalo para o crescimento e o risco de um "apagão logístico" passou a ser iminente.

Nossa matriz de transportes é fortemente dependente da rodovia, setor que concentrou a maior parte dos investimentos públicos, em detrimento de uma matriz mais concentrada em ferrovias, como ocorre em outros países. Hoje, menos de 10% das cargas brasileiras são transportadas por trem, excluindo o minério de ferro, que é carga cativa da ferrovia. O modal ferroviário é responsável por 35% do total transportado nos Estados Unidos, mais de 40% na Europa e próximo a 60% no Canadá.

A dependência da rodovia encarece nossos produtos, onera as exportações e diminui a competitividade do Brasil. O custo do transporte por caminhão é em média duas vezes maior do que o do trem, consumindo mais do que o dobro do combustível e com maiores necessidades de manutenção e pessoal. O impacto dessa realidade é sentido em toda a economia, mas é ainda maior em segmentos em que o transporte é uma parte substancial do custo, como o caso das commodities agrícolas. Isso explica o fato de ainda termos terras não exploradas para a agricultura em regiões cuja produtividade é altíssima, como o Centro-Oeste do Brasil, mas que carecem de alternativas para escoar a safra.

A solução do problema ao longo do tempo passa necessariamente pelo desenvolvimento dos sistemas ferroviários atuais, que ainda apresentam grande potencial de crescimento, e por investimentos adicionais em novas ferrovias que criem alternativas para o escoamento da produção. A segunda providência, no entanto, demanda enorme investimento por parte do Estado, mesmo que em parceria com o setor privado, e no melhor dos casos só teria impacto em alguns anos, devido ao período necessário para construção de novas ferrovias e para a viabilização dos novos projetos, o que inclui a desapropriação de terras e a obtenção de licenças ambientais.

Assim, para que o Brasil possa crescer nos próximos anos de maneira saudável e sem desequilíbrios externos, é fundamental gerarmos as condições necessárias para o aumento da capacidade das malhas ferroviárias já existentes. Mais do que isso, essa expansão de capacidade deve beneficiar a todos, levando eficiência e menores custos da ferrovia a toda a economia.

Como se sabe, a Ferroban, concessionária que assumiu a antiga malha da estatal Fepasa - Ferrovias Paulista S.A., possui uma extensa malha ferroviária no Estado de São Paulo, ligando os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao Porto de Santos, sendo responsável por grande parte do escoamento da produção do Centro-Oeste para exportação e para o consumo na Região Sudeste.

Além desse importante corredor de exportação, a malha ferroviária paulista, que tem uma densidade, ou seja, quilômetros lineares de trilhos divididos por quilômetros quadrados territorial, maior do que a dos Estados Unidos, vem sendo subutilizada, já que a sua participação no transporte estadual não deve chegar a 5% das mercadorias movimentadas no estado que é a locomotiva do Brasil.

A Novoeste, antiga Noroeste do Brasil, construída no início do século passado, liga o Mato Grosso do Sul, desde as suas fronteiras com a Bolívia em Corumbá e com o Paraguai em Ponta Porã, até a Ferroban, inicialmente em Bauru e que hoje chega até Mairinque, duas cidades no Estado de São Paulo, e daí acessa o Porto de Santos. Os trilhos da antiga Noroeste foram os responsáveis por proporcionar uma vantagem competitiva ao então sul do antigo Estado do Mato Grosso, possibilitando a cisão deste e a criação do Estado do Mato Grosso do Sul. Mesmo a interiorização da produção de soja no Centro-Oeste, que transformou esse produto e seus derivados no principal produto da pauta de exportações brasileira, começou no sul do Mato Grosso do Sul, graças à combinação da fertilidade de suas terras com a facilidade de escoamento proporcionado pelas linhas férreas nas regiões de Sidrolândia, Maracajú e Ponta Porã.

A Ferronorte, projeto idealizado por Olacyr de Moraes, que liga o nordeste do Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso de novo às linhas da Ferroban e assim a Santos, deve ter sido fruto da feliz experiência desse grande empresário como produtor de soja em Ponta Porã. Olacyr deve ter imaginado que o custo estruturalmente reduzido do transporte ferroviário seria, como acabou se confirmando com a implantação da Ferronorte, a redenção do Estado do Mato Grosso, já que este estado é hoje o maior produtor de soja do Brasil.

Essas três concessionárias públicas juntas atingem mais de 50% do PIB brasileiro: por isso a importância estratégica dessa alienação. Um passo mal dado agora pode significar a estagnação ou o retrocesso econômico e social de toda uma grande região por anos ou décadas.

Foi isso o que a privatização mal feita da Novoeste, em 1996, causou às regiões produtoras do meu estado, o Mato Grosso do Sul. Aquela ferrovia, que transportava mais de 7 milhões de toneladas na década de noventa, transportou no ano passado apenas 3,5 milhões de toneladas - muito pouco para um Estado que só de soja produz mais de 4 milhões de toneladas. Quem pagou este prejuízo? Foram os sul-mato-grossenses, seja no encarecimento de sua produção, seja na oneração dos produtos que recebem dos estados vizinhos e de outros países pelos portos destes estados vizinhos.

Agora, com essa nova alienação que deverá ocorrer no próximo dia 22 de março, devemos ficar atentos para que o modelo adotado nessa venda, assim como seus possíveis adquirentes, estejam em sintonia com a importância estratégica da atividade dessas empresas.

É preciso encontrar um modelo de negócio e um conjunto de adquirentes que privilegiem a independência e a pluralidade necessárias para que a atividade ferroviária leve às regiões que cruzam o desenvolvimento que tanto almejamos.

O modelo que aí está não atende aos interesses do Mato Grosso do Sul, portanto, aos do Brasil. Vender a Novoeste desassociada da Ferroban e da Ferronorte é impróprio, já que a Novoeste termina em Mairinque, e Mairinque não é destino, Mairinque é passagem. O dois pares de trens sugeridos no contrato de direito de passagem entre a Novoeste e Ferroban, que permitiria aos trens da Novoeste trafegarem entre Mairinque e Santos pelas linhas mistas da Ferroban, estagnarão a capacidade de transporte da Novoeste a estes 3,5 milhões que foram transportados no ano passado. E o Mato Grosso do Sul quer mais. Queremos e precisamos de uma oferta de transporte ferroviário no meu Estado de mais de 20 milhões de toneladas por ano.

Outro assunto que preocupa os produtores do meu Estado e que precisa ser examinado com toda cautela é o perfil dos possíveis adquirentes que pretendem assumir o controle da companhia. A ferrovia tem de ser plural: deve atender a várias mercadorias, vários clientes, vários destinos e varias origens. A ferrovia não pode ser um centro de custo, e a mídia tem noticiado que há candidatas a adquirir essas artérias cruciais do coração produtivo brasileiro que têm, em sua atividade principal, interesses que conflitam com esta pluralidade.

Sou um entusiasta do empreendedorismo, e todos sabem que minha vida profissional foi construída na iniciativa privada. Mas sou, acima de tudo, um sul-mato-grossense apaixonado pelo meu Estado, e me recuso a permanecer inerte ante à possibilidade de retrocesso no desenvolvimento da minha terra, possibilidade essa que se concretizará se a alienação da Novoeste se der da maneira que vem sendo ventilada pela mídia.

O motor do meu Estado é a atividade primária - agricultura e pecuária - e essas atividades, principalmente a agricultura, precisam ter garantido o escoamento da produção até o mercado consumidor em condições que mantenham a competitividade dos produtos, duramente alcançadas pelos nossos produtores. Daí por que não posso aceitar que se restrinja ainda mais as possibilidades de escoamento da nossa produção.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2006 - Página 7553