Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o documentário intitulado "Falcão - Meninos do Tráfico", transmitido pela Rede Globo, no programa Fantástico do último domingo. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA. DROGA.:
  • Reflexão sobre o documentário intitulado "Falcão - Meninos do Tráfico", transmitido pela Rede Globo, no programa Fantástico do último domingo. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2006 - Página 9204
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA. DROGA.
Indexação
  • ELOGIO, FILME DOCUMENTARIO, DIVULGAÇÃO, EXPLORAÇÃO, ALICIAMENTO, CRIANÇA, TRAFICO, DROGA, CONSCIENTIZAÇÃO, MISERIA, VIOLENCIA, PERDA, INFANCIA, OMISSÃO, ESTADO.
  • NECESSIDADE, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA, SISTEMA PENITENCIARIO, ESCOLA PUBLICA, HORARIO, INTEGRAÇÃO, COMBATE, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, CRIME ORGANIZADO.
  • COMENTARIO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), NUMERO, USUARIO, DROGA, MUNDO, MOVIMENTO FINANCEIRO, TRAFICO INTERNACIONAL, RECONHECIMENTO, PROBLEMA, FRONTEIRA, BRASIL.
  • APREENSÃO, DADOS, SISTEMA INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA (SIAFI), REDUÇÃO, INVESTIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança da Minoria.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “creio na vitória final e inexorável do Brasil como Nação” - Juscelino Kubitschek.

O documentário Falcão - Meninos do Tráfico, apresentado pelo Fantástico no último domingo, foi um desses encontros do Brasil com a realidade. As imagens, a princípio, estarreceram, causaram indignação e depois comoveram. Temos que cuidar para que não caiam no esquecimento. Na tela da Globo, foram apresentados apenas 58 minutos de uma produção que demandou seis anos e acumulou 200 horas de gravação. De Porto Alegre a Manaus, os autores - o rapper MV Bill e o produtor Celso Athayde - fizeram a proeza de documentar, em audiovisual, a parte de um país que nasce em decomposição na periferia de vinte cidades. Sem dúvida, o trabalho é de um enorme mérito, configura-se entre as mais importantes produções de gravação direta do Brasil e certamente vai ser laureado com as maiores premiações.

Nas cenas de um Brasil que perdeu o futuro, crianças brincam de traficante na favela, outras manipulam com destreza uma AK-47, a maioria desdentada e famélica. Filhos sem pai a serviço da droga, degredados naturais e suas mães desconsoladas. Uma imagem acabada da sociedade pária, onde o adolescente é condenado a não conhecer a vida adulta. Ele necessariamente trabalha para o tráfico como se fosse predestinado a ser bandido. Enfim, um retrato fiel da segurança pública vista pela ótica do criminoso que, ao mesmo tempo, é vítima de hediondos delitos.

            Terminado o filme das gerações perdidas, entra em cena um país de joelhos, quase que completamente impotente e refém de sua própria incompetência espelhada na TV. Envergonhado e de coluna dorsal curvada, neste País o ordenamento legal foi substituído pelo estatuto social do crime. Desmoralizado, o Estado é a instituição a ser literalmente abatida. Por quem? Por crianças e adolescentes armados até os dentes e encarregados de dar o primeiro combate. Eles são os protagonistas do enredo do documentário e antes do final vão acabar mortos de bala ou vício. Significam, infelizmente, na base da pirâmide do tráfico de drogas, um excedente pronto para ser descartado nestes territórios vizinhos, mas apartados da civilização brasileira.

Só hoje decidi comentar o documentário exibido pela Rede Globo no domingo, porque precisava colher as impressões das pessoas que assistiram ao filme. Como já esperava, percebi que se criou uma “sabedoria convencional” em torno da necessidade de haver um amplo “resgate da cidadania” daquelas crianças e adolescentes. Muitos se lembraram das propriedades fantásticas da educação, outros comprovaram nas imagens da TV a íntima relação da pobreza com o crime, e houve aqueles que desfraldaram a bandeira genérica dos direitos humanos. Todos corretos de alguma maneira.

            Por conta da minha experiência de Promotor de Justiça, de ex-chefe do Ministério Público e de ex-Secretário de Segurança Pública e Justiça, consegui dominar a emoção natural para tentar compreender o documentário como uma representação do passivo da segurança pública no Brasil e de como a escola em tempo integral é, ao lado de um sistema criminal eficiente, o melhor remédio para combater tamanha iniqüidade. Precisamos, Sr. Presidente, adotar as nossas crianças, estipular a escola em tempo integral no primeiro grau, pegando a criança às sete horas da manhã e entregando-a para os pais às seis horas da tarde, para proporcionar a elas alimentação, educação, cursos de língua estrangeira e computação, oportunidade de praticar esportes, enfim, lazer. Não apenas 10, 100, 200, 300 escolas, mas todas as escolas brasileiras de primeiro grau devem adotar o regime integral. Esse, sim, é o melhor remédio para combater tamanha iniqüidade.

O ambiente em que se processa a produção de Falcão - Meninos do Tráfico, é um Brasil uniforme na pobreza, na falta de oportunidade de trabalho honesto, destituído de equipamentos sociais básicos, contaminado pelo esgoto a céu aberto e pela desigualdade acachapante. É também um país submetido à ordem marginal, ao achincalhe da lei, ao capricho de traficantes, ao poder de fogo dos justiceiros, ao mandonismo dos chefetes de gangues e à sevícia das dependências forçadas. O que eu vi na TV foram crianças estropiadas pelo ambiente, o mesmo meio degradante que abriga o engenho criminoso, assentado no comércio ilícito das drogas e das armas.

Ouvi muitos comentários, inclusive da tribuna desta Casa, de que o problema apresentado não pode ser visto sob a ótica da repressão. Sinceramente, não vejo como abstrair essa função do Estado, principalmente por se considerar que a realidade demonstrada é parte de uma estrutura de crime organizado cuja dimensão é estarrecedora.

Srªs e Srs. Senadores, a última versão do Relatório da Organização das Nações Unidas sobre as Drogas, publicado em 2005, apontou que aproximadamente 5% da população do planeta, ou 200 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos, consumiram algum tipo de entorpecente, tendo por base os anos de 2003 e 2004. São 15 milhões a mais em relação ao levantamento do ano anterior. A maconha, com 160 milhões de consumidores, quase a população do Brasil, é a droga ilícita mais usual. Os consumidores de cocaína somam 15 milhões, são praticamente iguais ao número de usuários de derivados do ópio e crescem assustadoramente, a exemplo dos viciados em anfetaminas e em ecstasy. Mesmo considerando-se que entre 1985 e 2003 o número de apreensões multiplicou-se por quatro em um total de 95 países que apresentaram informações à ONU, o narcotráfico ainda é uma atividade de débil controle mundial e cuja movimentação financeira alcança os bilhões de dólares.

Depois de várias iniciativas, a ONU - a partir de pesquisa própria e com base em dados do Banco Mundial, entre outras instituições - encontrou uma metodologia para estimar o volume de movimentação do mercado global de drogas ilegais. O sistema comporta três critérios de avaliação. Em nível de produção, o mercado está estimado em US$12 bilhões; em nível de exportação, ou atacado, o mercado está estimado em US$94 bilhões; por fim, em valor de varejo, ou seja, de acordo com o preço pago pelo consumidor, o mercado de drogas ilícitas no planeta alcança US$322 bilhões.

De acordo com as demonstrações estatísticas da ONU, o valor da movimentação da droga ilegal em preço de varejo é maior do que o Produto Interno Bruto de 88% dos países do globo. Este mercado, mensurado em preço de atacado, corresponde a 12% das exportações globais de produtos químicos, excede o volume financeiro capitalizado pelas exportações de minérios e representa 14% das exportações de produtos primários. Comparado às commodities e a alguns produtos da indústria de alimento e bebida, o valor das drogas ilícitas, em preço de atacado, ou seja, US$94 bilhões ao ano, supera as exportações individuais de carne no mundo inteiro (US$52,5 bilhões); de todos os cereais (US$40,7 bilhões), do vinho (US$17,3 bilhões); da cerveja (US$6,7 bilhões) e do café (US$5,7 bilhões).

Sr. Presidente, a ONU não reconhece o Brasil como produtor da matéria-prima da cocaína, nem como cultivador de maconha, exceto em pontos localizados. Mas faz graves advertências sobre a vulnerabilidade do País em relação ao tráfico internacional de entorpecentes. Como é sobejamente conhecido desta Casa e desta Nação, as fronteiras brasileiras são um campo aberto para que o crime organizado utilize o território nacional como rota de exportação para os EUA e a Europa. É parte desta droga que corrompe a infância e a juventude das cidades brasileiras. Então, quando analisamos um problema desta magnitude, não podemos nos descuidar do aparato de controle social, de repressão do Estado, de investigação policial, de patrulhamento ostensivo, de justiça criminal e do sistema penitenciário. As crianças apresentadas no abismo brasileiro nascem condenadas ao banditismo porque falta também e, principalmente, política de segurança pública. Um problema, aliás, do qual o Governo Lula tem verdadeira aversão.

O sítio Contas Abertas efetuou um levantamento, com base em dados do Siafi, e concluiu que os investimentos do Governo Federal em segurança pública diminuíram 11% em 2005. Foram investidos R$475 milhões no ano passado contra os R$533 milhões aplicados em 2004, já considerados os restos a pagar de exercícios anteriores.

Na realidade, descontando-se os restos a pagar, o Governo investiu R$183 milhões, ou seja, um real por ano para cada brasileiro em segurança pública, o que é um desastre.

Sr. Presidente, como eu dizia, conforme atestam os levantamentos, “a redução de verbas atingiu três das cinco mais importantes unidades orçamentárias do Ministério da Justiça. O Departamento de Polícia Federal foi o mais afetado pela queda. Em 2004, a Polícia Rodoviária Federal tinha R$19,5 milhões em recursos. No ano passado, o número caiu para R$7,7 milhões. O Fundo Nacional de Segurança Pública teve os valores reduzidos em 26%. O terceiro mais atingido pelo corte foi o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN, que teve redução de R$55,2 milhões”. Contas Abertas aponta que os recursos para todos os Estados liberados pelo Fundo Nacional de Segurança Pública em 2005 sofreram queda de 29% em relação a 2004, já considerada a correção pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI). Portanto, em valores atuais, os recursos do Fundo corresponderam a R$283 milhões, valor menor que os R$396 milhões liberados no último ano do Governo Fernando Henrique Cardoso.

As cenas do documentário são estarrecedoras e, ao mesmo tempo, comoventes. Uma produção dessa natureza é importantíssima, pois revela um Brasil que apodrece ao lado e parece que ninguém se importa. Não acredito que o melhor seja que a sociedade se culpe, mas que se mobilize para que o Brasil possa ter um sistema de segurança e de capacitação social capaz de tirar as nossas crianças das mãos do traficante e entregá-las aos cuidados do professor.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2006 - Página 9204