Pronunciamento de Amir Lando em 23/03/2006
Discurso durante a 24ª Sessão Especial, no Senado Federal
Homenagem ao transcurso dos 40 anos de fundação do PMDB.
- Autor
- Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
- Nome completo: Amir Francisco Lando
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
POLITICA PARTIDARIA.:
- Homenagem ao transcurso dos 40 anos de fundação do PMDB.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/03/2006 - Página 9295
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. POLITICA PARTIDARIA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), ANALISE, DIRETRIZ, UNIÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, EXISTENCIA, DIVERGENCIA, INTERESSE PARTICULAR, MEMBROS, CONCLAMAÇÃO, REFORÇO, UNIDADE.
- CITAÇÃO, PESSOAL, TRECHO, DISCURSO, ULYSSES GUIMARÃES, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, em homenagem ao PMDB, que amanhã completará 40 anos de história de lutas, apresento discurso que proferi, em parte, em 2001, e que acredito, Sr. Presidente, não poderia edificar outra peça superior àquela, a não ser agregar-lhe algumas notas que não alterariam a essência, porque a essência daquele não foi alterada pelo tempo.
O partido político, Sr. Presidente, nada mais é do que uma sociedade constituída por um vínculo que une os seus membros no sentido de buscar objetivos comuns que constituem o cerne do programa partidário. O partido político é uma sociedade livre que busca a conquista do poder dentro da normalidade constituída.
Há, em toda a sociedade, um vínculo, um elo que faz do todo uma unidade, tanto quanto possível, porque um Partido democrático é constituído, também, de divergências, de diferenças. Mas a essência deve constituir uma unidade - uma unidade na diversidade, é fato. E o Partido subsiste enquanto há hegemônicos interesses da maioria, ao menos.
A pergunta que deve ser feita ao PMDB é exatamente esta: o que nos une? O que realmente nos faz manter este vínculo, este amálgama da unidade? O que une o Partido? Seria, Sr. Presidente, a essência, a base, os princípios do seu programa, que eu poderia, em uma inversão, dizer a esta Casa aquilo que constitui os princípios básicos do seu programa.
O PMDB é um Partido genuinamente brasileiro e popular. Ele foi o estuário da resistência democrática que retirou o Brasil da ditadura e o colocou na democracia. Hoje, o Partido continua sendo o veículo da mudança; a esperança não se chama mais anistia, nem "Diretas Já" ou Constituinte, o novo nome da esperança é desenvolvimento. Desenvolvimento quer dizer criação de empregos, desenvolvimento quer dizer salários dignos, desenvolvimento quer dizer multiplicação de empresas pela iniciativa privada. Desenvolvimento significa assegurar o direito à educação, à saúde, o direito à habitação decente, o direito à segurança da vida e do patrimônio. Desenvolvimento é, em suma, a democratização das oportunidades de uma vida melhor.
O PMDB defenderá intransigentemente o interesse nacional, concebido como o interesse do povo brasileiro na preservação do território e da soberania nacional; no fortalecimento da autonomia cultural, da capacidade produtiva e comercial e na defesa dos demais objetivos estratégicos do País.
O PMDB, dentro dos limites da sua linha programática, assegurará aos seus filiados liberdade de atuação no âmbito de suas atividades profissionais e de sua militância junto aos movimentos de massa.
Para o PMDB, o valor básico da vida social e política é a pessoa e sua consciência. Em nossa realidade histórica, é a população brasileira. O povo é o sujeito, o fundamento e o fim de nossas instituições e das medidas econômicas, sociais e políticas. Não pode ser considerado mero objeto, coisa ou instrumento da economia, do Estado, do Partido ou do processo histórico. Cada pessoa, de qualquer condição ou estado, tem direito a ser considerada e respeitada em sua dignidade.
O PMDB considera que seja o trabalho o fundamento da riqueza coletiva e que seus interesses se sobrepõem aos interesses do capital.
Finalmente, eu não poderia deixar de acentuar o inciso XIII. O PMDB continuará movendo implacável combate à corrupção e à sonegação. Denunciará às autoridades competentes cada caso que lhe chegar ao conhecimento, para apuração da responsabilidade dos envolvidos. Apoiará também as iniciativas da comunidade em resguardo do Erário e do interesse público.
Seriam esses os objetivos aqui sintetizados de todos aqueles que não posso mencionar, dada a exigüidade do tempo, que constituem o programa partidário? Mas o que nos separa? Qual é o pomo da discórdia que realmente faz do PMDB essa imensa diversidade, que ameaça a unidade?
O que nos separa seriam os objetivos, a falta de propósitos comuns? O que nos separa seriam objetivos diferentes, propostas, idéias conflitantes? Não, Sr. Presidente, não creio que o que nos separa é exatamente essa divergência do feixe de idéias. O que nos separa talvez sejam objetivos pessoais, sejam interesses exclusivos de minorias que se enquistam no Partido na direção do benefício próprio.
E por que nos toleramos? Porque permanecemos sob a mesma bandeira partidária, sob a mesma sigla? Por que continuamos juntos? Essa é uma indagação de difícil resposta. Mas talvez seja um objetivo de ordem prática, porque a soma sempre é maior que as parcelas que a compõe; porque esse resultado da quantidade ainda continua sendo um instrumento eficiente em termos eleitorais, onde nos aproveitamos da capacidade e da densidade eleitoral de cada um dos nossos membros que forma essa unidade partidária.
Realmente, Sr. Presidente, o PMDB deve reinventar o seu discurso, o discurso próprio e apropriado ao momento histórico. O PMDB pode e tem necessidade de um discurso, que não seja ambíguo, porém tem a certeza também que não é um discurso perfeito e acabado.
Na visão heraclitiana, o discurso é proferido em igualdade de condições. O discurso constitui o lugar-comum, coloca um falante diante do outro, sem hegemonia, de tal modo que faça de todos um, sem prejudicar nenhum. Um ritual que reúna, que unifique, que adicione o movimento da ação política. Nada do que pertence ao domínio público deve ser julgado por um único indivíduo. O discurso é uma parceria. O discurso sustenta, congrega, une, critica, vigia e governa. O discurso é a base da democracia universal que abriga a todos os seres, segundo Donaldo Schüller, quando na sua obra magnífica trata do discurso de Heráclito.
Mas que fazer, Sr. Presidente? "Que fazer?", já indagava Lenin. "Que fazer" marca um pensamento revolucionário de Lenin, que deixa tudo para trás. E dizia ele:
É preciso sonhar! Escrevo essas palavras e de repente tenho medo. Irei mais longe. Pergunto-lhe: um marxista tem, em geral, o direito de sonhar, se já não esqueceu, segundo Marx, que a humanidade sempre se atribui tarefas realizáveis, e que a tática é um processo de crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com o Partido?
Se o homem fosse completamente desprovido da faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar o presente e contemplar em imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça em suas mãos, eu não poderia decididamente compreender o que levaria o homem a empreender e realizar vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática.
Talvez tenhamos de sonhar, sonhar que o Presidente tem responsabilidades históricas neste momento e não pode desvencilhar-se delas.
Que fazer? Respondo: liquidar as divergências e nunca o PMDB. Sim, neste momento, temos de ter à nossa frente uma preocupação maior, a preocupação da unidade, a preocupação, sim, de liquidarem divergências, mas não o PMDB.
Que fazer? Quando as divergências nos separam em poças como um rio ressequido, sem discurso para projetar a ação eficiente mirando o social. O PMDB não pode perder o movimento, a mobilização da corrente do entusiasmo e isolar-se nas fossas dos interesses menores.
O poeta João Cabral de Melo Neto, em seu poema "Rio sem discurso", definiu discurso de maneira fantástica:
Quando um rio corta, corta-se de vez
O discurso-rio de água que ele fazia;
Cortado, a água quebra-se em pedaços,
Em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
A uma palavra em situação dicionária:
Isolada, estanque no poço dela mesma,
E porque assim estanque, estancada;
E mais: porque assim estancada, muda,
E muda porque com nenhuma comunica,
Porque cortou-se sintaxe desse rio,
O fio de água por que ele discorria.
O discurso de um rio, seu discurso-rio,
Chega raramente a se reatar de vez;
Um rio precisa de muito fio de água
Para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
Lhe impondo interina outra linguagem,
Um rio precisa de muita água em fios
Para que todos os poços se enfrasem:
Se reatando, de um para outro poço,
Em frases curtas, então frase a frase,
Até a sentença-rio do discurso único
Em que se tem voz a sede ele combate.
É exatamente isto que falta ao nosso Partido: esse movimento, não esse isolamento, não essa formação de fossas estanques que não se comunicam. Queremos, sim, poços de água limpa e cristalina para refazer a corrente, porque não tenho dúvida, Sr. Presidente, de que, quebrada essa corrente, difícil será reatá-la.
O PMDB necessita imperativamente retomar o seu curso de luta e de glória. Como "enfrasar" os discursos dos grupos que se digladiam? Como reunir os fragmentos que se isolam e se imobilizam, enclausurados no interesse próprio ou no ponto de vista de cada um? O vácuo do discurso político-partidário abre as portas da dissidência, das divisões, dos ressentimentos e das mágoas, às vezes incuráveis. Saiamos dessa posição de isolamento e vamos à perseguição de um pólo de idéias nas quais todos os meridianos se encontram, tocam a si mesmos e se unem.
O alvo é a aliança interna do PMDB, fato que se edificará sob o laço das esperanças supremas da Nação, inspirando-se no ensinamento de Ulysses Guimarães, para quem: "O País é o território, a Nação é a história e a civilização, o povo é a Pátria. Não há Pátria sem a verdade, a justiça e a liberdade". (Diretas Já, 24/04/84.)
O programa partidário supre, irmana, imanta e amálgama desde que tenha apelo real, fundido nos clamores dos excluídos, dos que suplicam a condição humana para a realização da vida digna e honrada. Simplesmente isso, Sr. Presidente.
O PMDB, protagonista das liberdades democráticas, reivindica como quer o seu programa: a democracia interna. E não pretende absolutizar a verdade, porquanto não lhe cabe a titularidade exclusiva. Recolhe-a, todavia, nos mais íntimos anseios do povo brasileiro para tornar-lhe prática política no tabernáculo do programa. O PMDB não tem a menor vocação a qualquer servidão voluntária nem se submete docilmente aos encantos das vantagens e tampouco ao apelo dos poderosos e aos afagos dos que dominam. O PMDB constrói a si mesmo na própria construção da sociedade brasileira, sujeito a retrocessos e a avanços sucessivos.
Nossa oferenda à Nação é o nosso compromisso com a justiça social, com o desenvolvimento econômico, o pleno emprego, a dignidade do povo e a satisfação de suas necessidades essenciais - alimentação, moradia, saúde, educação, lazer, segurança e a felicidade geral, a promoção, enfim, da cidadania integral.
O PMDB desfralda as bandeiras sociais para integrar os excluídos às suas aspirações mais legítimas. A ruptura é o caminho para o renascimento, mas o consenso também pode revitalizar a renovação e a mudança. Haverá sempre um terreno comum para convir e reconvir a edificação do vigor partidário, quando for dada a chance ao discurso solidificado no diálogo que hierarquiza a verdade e a sinceridade de propósitos.
A fortaleza do PMDB deve situar-se mais na excelência da sua doutrina do que na pura autoridade da direção partidária.
Meditar para dar a cada coisa a justa medida, o seu devido valor.
A semente, muitas vezes lançada ao chão, deteriora-se para brotar nova e carregada de frutos - e aqui o partido - de bem-estar social.
O PMDB não pode tornar-se mero instrumento eleitoral, e sim um foro permanente para a construção de um projeto de país.
O PMDB qual fênix pode renascer das cinzas, desde que não se rompa o elo societário.
Lembremos que o PMDB foi o facho de luz a iluminar as aspirações democráticas do Brasil na longa e negra noite da ditadura que durou 30 anos.
Será que o PMDB é atingido pelo momento apocalíptico de ser apenas pó e ao pó volver? Não, não acredito, Sr. Presidente, pois há espaço para ludibriar o vaticínio da morte decretada pela impiedade dos adversários que não absorvem o tamanho da nossa agremiação política. A senda nossa é a tolerância e a superação das divergências que nos devoram e nos esfrangalham.
Não nos encontramos no âmago da diáspora, encruzilhada onde se abrem os caminhos diversos, e talvez o mais fácil seja o da destruição partidária. Todavia, é preciso definir um rumo que salve a unidade e ofereça oportunidade à vitória da União.
Sr. Presidente, como afirmava Lenin, é possível sonhar! É possível sonhar com essa unidade e com essa ressurreição partidária, desde que os interesses do povo brasileiro sejam colocados em primeiro lugar.
O PMDB nasceu sob a égide da liberdade e tem o direito de ser livre para escolher o seu destino! Drapeja em nosso coração o pendão eterno da esperança!
Para encerrar, registro outras frases do imortal Ulysses Guimarães, figura maiúscula do PMDB:
“Não é o poder que corrompe o homem. O homem é que corrompe o poder”.
“Velho sim! Velhaco não!”
“O povo na rua é minha verdadeira estátua. A outra, de cimento armado, não me interessa, porque passarinho faz cocô na cabeça”.
“A vocação do político de carreira é fazer de cada solução um problema”.
“O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania”.
“Em política, até raiva é combinada”.
“A oportunidade é careca. Depois que passa, é impossível segurá-la pelos cabelos”.
“Ou nós mudamos ou nos mudam”.
Na promulgação da Constituição de 1988, assim falou Ulysses:
“A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo.“
“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.”
“A Constituição mudou na sua elaboração (...), mudou quando quer mudar o homem em cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.”
“Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembléia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta casa.”
“A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.”
“Foi a sociedade, mobiliza nos colossais comícios das diretas já, que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.”
“A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos dos demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizaram. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.”
“As necessidades básicas do homem estão nos Estados e municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las. A Federação é a governabilidade. A governabilidade da nação passa pela governabilidade dos Estados e municípios. O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.”
“Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações principalmente na América Latina.”
“O Estado autoritário prendeu e exilou; a sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.”
“O Estado era Tordesilhas. Rebelada, a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das maiores geografias do mundo. O Estado, encarnado na metrópole, resignara-se ante a invasão holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de Tabocas e Guararapes, sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Filipe Camarão e João Fernandes Vieira, que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: ‘Desobedecer a El-Rei, para servir a El-Rei’. O Estado capitulou na entrega do Acre, a sociedade retomou-o com as foices, os machados e os punhos de Plácido de Castro e seus seringueiros.”
Como se vê, juntando-se, aleatoriamente, frases de discursos do deputado Ulysses Guimarães, mantém-se, sempre, a lógica do seu pensamento humanístico e político. Mais do que isso, o seu discurso continua atual, porque as questões abertas, isto é, não resolvidas, não envelhecem.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.
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