Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aplausos ao documentário Falcão - Meninos do Tráfico, apresentado no último domingo, no programa Fantástico, da TV Globo, sobre menores envolvidos com o narcotráfico.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Aplausos ao documentário Falcão - Meninos do Tráfico, apresentado no último domingo, no programa Fantástico, da TV Globo, sobre menores envolvidos com o narcotráfico.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2006 - Página 9371
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, SENADOR, DEBATE, FILME DOCUMENTARIO, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, TRAFICO, DROGA, MORTE, VIOLENCIA, VITIMA, JUVENTUDE, POPULAÇÃO CARENTE, NECESSIDADE, PRIORIDADE, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, CRIAÇÃO, EMPREGO, APRESENTAÇÃO, ALTERNATIVA, INFANCIA, REGISTRO, DADOS, INFERIORIDADE, RENDA.
  • DETALHAMENTO, RESULTADO, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, BOLSA FAMILIA, COMBATE, DESEMPREGO, BUSCA, INCLUSÃO, NEGRO, REGISTRO, DADOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pessoas que aqui se encontram e aquelas que nos ouvem em todo o País, desde segunda feira, dia 20 de março, a começar pelo discurso emocionado da Senadora Patrícia Saboya, vários Parlamentares têm ocupado a tribuna para falar sobre o documentário exibido pela Rede Globo, no programa Fantástico, no último domingo. Essa indignação é absolutamente legítima e é mais do que justificada. Como disse a Senadora Patrícia, trata-se de nossos meninos e meninas, que, cada vez mais cedo, vivem, no seu dia-a-dia, a realidade do tráfico de drogas e não apenas do consumo de drogas.

Afinal, estamos aqui como representantes do povo que nos elegeu e somos, por conseqüência, representantes desses pais e mães, sobretudo dessas mães, como nós, que vêem seus filhos perderem a vida para uma luta cruel e de cartas marcadas, que é exatamente o tráfico. Já tivemos várias campanhas educativas e até uma novela ilustrando o drama das famílias de jovens que se envolvem com drogas. Mas esse problema, com o qual famílias, em sua maioria, de classe alta ou média têm que lidar vai mais além. Atinge de forma pungente os jovens de classe baixa, aqueles que são exatamente os excluídos da sociedade. Aborda-se o envolvimento de jovens ricos com as drogas, a violência urbana, o crime organizado... mas nunca os jovens das favelas que perdem suas vidas como soldados do tráfico... Isso é trágico.

Pesquisa de opinião pública do Ibope, realizada entre os dias 8 e 11 de março, aponta que, para 24% dos entrevistados, o “combate ao crime organizado e à violência” é uma das duas prioridades a serem tratadas pelo próximo Presidente. Para mim, soa até mesquinho que a preocupação com a própria segurança ou a dos seus bens seja um dos motivos para o despertar desse problema que ceifa nossos jovens das favelas, das baixadas - porque na minha terra é baixada e não favela - para usurpar seus sonhos, esperanças, transformando-os, infelizmente, em bandidos.

Antes de colocarem o patrimônio, a tranqüilidade ou a segurança das famílias de classe média ou alta em risco, esses jovens já estão condenados à morte, Senador Paulo Paim. Desses 16 meninos entrevistados, 15 já morreram, e o que não morreu está preso. Lembro que esse documentário - aliás, pouca gente fez questão de frisar esse detalhe - foi feito entre os anos de 1998 e 2003. Foram mais de 200 horas de filmagem, e o último ano do documentário foi o ano de 2003.

Lembro que, na minha infância - eu, que sou única mulher com vários irmãos homens - brincávamos de mocinho e bandido. E, na verdade, para esses jovens, crianças, não se trata de brincadeira. É vida real e pior: não há mocinho, porque o bandido é o herói! É o bandido que, como disse a Senadora Patrícia Saboya Gomes, “dá uma graninha para comprar uma roupa da moda, para comprar um tênis, para dar comida à namorada, ou um presente melhor para a namorada”. Em uma fala emblemática, uma dessas crianças afirmou: “É o bandido que nos protege da polícia”. Meu Deus, isso é uma total inversão de valores! A que ponto chegamos, em que a polícia, que deveria nos proteger, é vista como algoz, como perigo! Na minha época, os meninos queriam ser polícia, queriam ser bombeiro, queriam ser médico... Infelizmente, à mesma pergunta, a resposta: “Quando crescer, quero ser bandido”.

Segundo dados do Censo, realizado pelo IBGE em 2000, temos mais de 21 milhões de jovens com idade entre 12 e 17 anos, idade dos meninos entrevistados por esse documentário, que representa 12,51% da população total brasileira. Mais de 10 milhões são meninos. Grande parte desses meninos não têm direito à infância. Para eles, a juventude começa mais cedo, e muitos sequer chegarão à vida adulta, inclusive como esses do documentário, que mostra um único sobrevivente que está preso.

Os dados mais recentes coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2003, apontam que o Brasil tem quase 27 milhões de jovens com idade entre 10 e 17 anos; 4,5 milhões já trabalham, enquanto, infelizmente, 2,3 milhões estão fora da escola. No caso dessas crianças e adolescentes de 10 a 17 anos ocupados, o seu rendimento médio mensal representa 16,8 % do rendimento médio mensal familiar. Vejam o quanto o trabalho dessas crianças tem peso no orçamento da família.

Como vamos combater o trabalho infantil se 38% das famílias, com crianças de 0 a 14 anos de idade, têm rendimento médio mensal familiar per capita de até meio salário mínimo? Para outros 26,4%, esse rendimento é de meio a um salário mínimo.

Esse é o resultado de uma avassaladora desigualdade econômico-social, que só agora, depois de duas décadas e meia, começa a dar sinais de recrudescimento, ou seja, uma realidade que começa a dar sinais de que pode ser alterada.

Por que digo isso? A Pnad, essa mesma Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, feita em 2004 e realizada em dez capitais brasileiras, constatou - isso foi em 2004, e já estamos em 2006 -, pelos dados, que essa perspectiva tende a melhorar, graças a Deus! Então, 2,65 milhões de brasileiros cruzaram a linha da pobreza.

Para ser mais clara, em 2005, foram alocados cerca de R$6,5 bilhões para o pagamento de benefícios. Isso é o suficiente para que 77,7% das famílias pobres do Brasil recebessem o benefício do Bolsa Família. Oito em cada dez famílias pobres brasileiras recebem o Bolsa Família.

Quase metade dos 48% de domicílios onde houve recebimento de dinheiro de programas sociais têm crianças de 0 a 17 anos. Mais de 50% dos domicílios que têm rendimento domiciliar mensal per capita menor do que um quarto do salário mínimo receberam dinheiro de programas sociais governamentais.

A geração de empregos, apontada por 58% dos entrevistados pela pesquisa do Ibope como prioridade, é fundamental se quisermos que os nossos jovens tenham alguma perspectiva de futuro. A pesquisa do Pnad permite identificar, a propósito, o desempenho favorável do mercado de trabalho entre 2003 e 2004. Entre 2003 e 2004, foi registrado um aumento robusto da taxa de ocupação, o que significou a criação de 2,7 milhões de postos de trabalho. Portanto, a geração de emprego e renda, Senador Paulo Paim, tem sido buscada pelo atual governo. Todavia são políticas públicas que ainda não conseguiram reverter essa situação que o documentário, feito entre 1998 e 2003, mostra de forma desnudada e chocante para todo o País.

Quero dizer que fico feliz, porque, segundo os últimos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados*, o Caged, do Ministério do Trabalho, a expectativa da retomada do crescimento econômico tende a se confirmar. O resultado observado agora, em fevereiro, é o maior já registrado com relação à criação de empregos. É o maior já registrado no segundo mês do ano, comparando os meses de fevereiro desde 1992. Aponta 176.632 novos empregos. Está claro, portanto, que o desemprego vem sendo fortemente combatido e resultados positivos vêm sendo obtidos. Infelizmente, porém, como eu disse, essa cruel realidade brasileira ainda não pôde ser revertida completamente.

Essa situação pode ser ainda mais grave se introduzirmos outras variáveis, Senador Paim - V. Exª, que é um grande lutador em defesa das causas relativas a gênero e raça. As mulheres ganham menos do que os homens quando ocupam os mesmos postos de trabalho - lógico que não estamos falando do serviço público, mas é assim que acontece na iniciativa privada infelizmente. Infelizmente também, a “boa aparência” exigida para certos empregos exclui os mais pobres, exclui particularmente jovens negros e jovens negras. Aliás, o Senador Cristovam Buarque chamou a atenção para um fato interessante: enquanto as crianças e os adolescentes mostrados no documentário são negros, a discussão posterior ao documentário foi feita por economistas e sociólogos brancos. Corroborando a constatação feita pelo Senador Cristovam, gostaria de lembrar que já foi dito que a pobreza no país tem cor, é negra. Esse apartheid social é inaceitável e precisamos ter coragem para eliminá-lo.

Um passo importantíssimo nessa direção foi o reconhecimento da existência - o que aconteceu neste governo -, desse apartheid social, da existência desse apartheid racial. Pela primeira vez, temos uma Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que foi criada com status de ministério. Introduzimos, corajosamente, a discussão sobre a política de cotas como forma de possibilitar o acesso às universidades por parte de estudantes negros, uma medida controversa, uma medida polêmica que, inclusive, foi objeto de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos há dois dias. Aliás, há sempre polêmica quando se trata de lidar com aspectos secularmente arraigados, não só em nossa sociedade, mas em nossas consciências. Infelizmente é assim: o racismo no Brasil não é claro, é subjetivo, é dissimulado, e poucas vezes tomamos conhecimento de sua existência em toda sua crueldade. Por isso, esse documentário chocou tanto o País.

O governo atual foi acusado de não ter feito nenhum gesto radical diante de uma realidade tão cruel. Eu diria que isso é, no mínimo, injusto. Várias políticas públicas estão em curso para favorecer os jovens. Inclusive, foi feito um importante plebiscito sobre o desarmamento. A sociedade, democraticamente, preferiu assegurar o direito à posse de armas. Foi um resultado democrático, e eu o respeito. Eu e o Senador Arthur Virgílio, independentemente de posições políticas, defendemos o “sim”, lembra, Senador? Mas não foi o que a sociedade decidiu.

O governo, e especialmente o do Presidente Lula, tem, sim, buscado enfrentar o problema. Há pelo menos vinte programas direcionados para a juventude, aos quais foram destinados quase um bilhão só em 2005. Esses programas envolvem o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério dos Esportes, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Cultura, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Defesa e a própria Presidência da República, por meio da Secretaria Geral dos Direitos Humanos. Eu poderia citar, como exemplos, o ProUni, o Pronaf Jovem - uma modalidade nova de apoio ao jovem agricultor familiar -, o Bolsa Atleta, o programa Segundo Tempo.

E quero dizer que nem todos foram criações deste governo - o Pronaf Jovem e o ProUni são criações deste governo -, alguns programas foram criados pelo governo anterior. Isso é uma demonstração clara de que, neste governo, aquilo que é bom continua, porque nós não podemos simplesmente, adotando uma postura mesquinha, excluir e acabar com programas que são positivos só porque foram feitos por adversários. Ao contrário.

E eu quero dizer que é injusto responsabilizar o governo Lula por essa realidade, pois este é um governo que, ao contrário, tem trabalhado para criar uma outra perspectiva para a nossa juventude. Como eu falei, muita gente deixou de citar que esse documentário foi feito entre 1998 e 2003 e, portanto, diz respeito a apenas um ano do Governo Lula. Então, responsabilizar o Governo Lula é, no mínimo, injusto. Antes de assumir a Presidência da República, inclusive, nosso Presidente coordenava o Instituto Cidadania e, ao se afastar da coordenação do Instituto para assumir a Presidência da República, Lula participou das discussões que concluíram pela escolha do tema “Juventude” como objeto central de trabalho, debates e estudos do Instituto Cidadania em 2003 e 2004. A meta estabelecida era projetar a questão dos jovens e suas urgências “como um tema de primeira grandeza no campo da política, da ação governamental e das mobilizações surgidas na própria sociedade civil”. Portanto, trata-se de um assunto que recebeu a atenção do presidente Lula mesmo antes de ele se tornar Presidente da República.

Aliás, se quisermos romper com essa realidade cruel, brutal e desumana - e isso é imperativo! -, é necessário que toda a sociedade, não apenas o governo federal, os governos estaduais e os governos municipais, se mobilize. Senador João Batista Motta, que neste momento preside a sessão, nossas crianças, que não vêem perspectiva de futuro, não têm a quem recorrer. É tal o descaso da sociedade e das instituições com essas crianças, que elas buscam a proteção do bandido, perdem suas vidas ainda crianças sem terem a chance de conhecer outra realidade além daquela dos morros e das baixadas tomadas pelo tráfico.

Quero dizer que isso não pode ser usado política e eleitoralmente. É muito mesquinho utilizar isso dessa forma. Nossas crianças não merecem essa utilização mesquinha. Nossas crianças estão pedindo socorro. Vamos ouvi-las ou vamos continuar nos fazendo de surdas ou surdos?

Portanto, creio que é dando apoio a essas políticas, ampliando e, principalmente, assumindo, como sociedade, essa responsabilidade que poderemos construir um novo futuro, porque não faremos o futuro amanhã; o futuro nós construímos agora.

Obrigada, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2006 - Página 9371