Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crise enfrentada pelo Mercosul.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Crise enfrentada pelo Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2006 - Página 9469
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, INTEGRAÇÃO, NATUREZA ECONOMICA, UNIÃO EUROPEIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, SOLUÇÃO, CRISE, ATUALIDADE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ESPECIFICAÇÃO, INTEGRAÇÃO, EDUCAÇÃO, CULTURA, CIENCIA E TECNOLOGIA, CONSOLIDAÇÃO, RELAÇÃO, NATUREZA COMERCIAL, CRIAÇÃO, BANCO OFICIAL, IMPLANTAÇÃO, TARIFA EXTERNA COMUM (TEC).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUSENCIA, INTERESSE, UNIÃO EUROPEIA, PACTO, NATUREZA COMERCIAL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Álvaro Dias, Srªs e Srs, Senadores, as integrações econômicas, com êxito, são produtos de longas e amadurecidas decisões concretas e práticas.

            E tomo como exemplo a Comunidade Econômica Européia, que surgiu dos Tratados de Roma, em 1957, sucessivamente transformada por dentro mediante o aumento de suas atribuições e, por fora, pelo gradativo acréscimo de novos membros, através dos Tratados de Amsterdã e Maastricht criando instituições próprias: o Executivo da Comissão Européia em Bruxelas, o Legislativo do Parlamento Europeu em Estrasburgo e o Judiciário Europeu em Luxemburgo, com competências pouco a pouco alargadas e aprofundadas.

Sr. Presidente, o mundo conhece e reconhece os êxitos da integração econômica, política e cultural da Europa, um continente dilacerado, no passado, por séculos de guerras aparentemente intermináveis, semeando ódios de geração em geração. Até que, em meados do século XX, após a Segunda Grande Guerra, talvez a pior das guerras da humanidade até hoje, os povos europeus e seus líderes resolveram enfim dialogar objetivamente em perspectivas pragmáticas com sucesso. Enquanto isso, fracassava a integração do Conselho Econômico da Europa do Leste, o Comecon, devido às suas deformações ideológicas, contribuindo para a crise que levou ao colapso a União Soviética e seus aliados, os países satélites. Enfim, a partir daí começou, a meu ver, a queda do chamado Muro de Berlim e, mais do que isso, começou a queda do sistema que se denominou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

A integração da América do Sul começou nas presidências José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, com o Tratado de Assunção reunindo os fundadores Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o chamado Cone Sul ou Bacia do Prata, cenário também de inúmeras guerras desde as confrontações entre Portugal e Espanha pela posse da Colônia de Sacramento, defronte de Buenos Aires, como uma das repercussões das guerras européias entre nós, ou seja, no subcontinente sul-americano. O Mercosul surgiu como ampla avenida a ser percorrida pelos povos de línguas ibéricas na América Latina. Em seguida, a partir de 1991, na Conferência de Guadalajara, no México, começou a ser construída a Comunidade Ibero-Americana de Nações também com a Espanha, ao lado de Portugal, Brasil e América Hispânica.

Estava configurado um amplo quadro institucional de uma grande integração dos povos de línguas e culturas ibéricas da Europa à América.

É bom lembrar que, na raiz da União Européia, se desenvolveu simultaneamente a Operação Erasmo, voltada a um intenso intercâmbio de estudantes de graduação e pós-graduação que pudessem, assim, completar seus créditos em cursos de universidades dos diversos membros da União Européia, como se passou a chamar-se então a Comunidade Econômica Européia.

No Mercosul, por outro lado, pouco se fez no sentido da integração educacional. A bem da verdade, tal não vem ocorrendo entre nós. O intercâmbio de estudantes através de bolsas de estudos não se realizou. As novas gerações prosseguem se ignorando, a não ser na música popular que se propaga na mídia internacional.

Insisto, Sr. Presidente, ser necessário um grande esforço no campo da educação, da cultura e da ciência e tecnologia para ajudar o aprofundamento das relações do nosso país e do Mercosul. Entendo, Sr. Presidente, que enquanto não fizermos também um grande esforço nesse campo - repito: da educação, da cultura, da ciência e tecnologia -, não conseguiremos aprofundar o Mercosul.

Ademais, Sr. Presidente, os desencontros de opiniões no Mercosul são produtos de antigas desconfianças que precisam ser superadas. A experiência de outros processos de associação - e me referi ainda há pouco ao caso da União Européia, mas podia me referir a outras experiências semelhantes - demonstra a importância da aliança política, econômica, social e cultural para o mútuo conhecimento, desarmamento dos espíritos e maior predisposição para negociações objetivas e capazes de ultrapassar os diferendos acaso existentes.

No Mercosul, convém examinar, além do que não vem sendo feito, o que periga ser desfeito. Essa é a realidade com a qual nos defrontamos hoje no quadro do Mercosul, que começou de forma tão esperançosa e hoje vive momento tão obscuro.

Sr. Presidente, a mais recente reunião Brasil-Argentina, em princípios do corrente ano, acrescentou problemas, sem a solução dos anteriores, que, ao lado de retardarem o processo de integração, podem até fazê-lo perigar.

O momento de dificuldade que vive o Mercosul traz-nos à memória os tempos da diplomacia de Rio Branco. As linhas e os métodos do Barão prosseguem hoje muito atuais. Ele, no seu tempo, consolidou as fronteiras do Brasil e teve-as reconhecidas por negociações e arbitragens com todos os nossos vizinhos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem dez Estados lindeiros e não tem problemas com quaisquer deles. E mais, o Brasil, graças a Rio Branco, estabeleceu novos paradigmas para a nossa política externa. Passou a incluir os Estados Unidos, ao lado da Europa, como um dos eixos prioritários de nossa política internacional. Ao término de sua década à frente do Itamaraty, Rio Branco esboçou o que classificou de ABC, aliança da Argentina, Brasil e Chile, isto é, as sementes do que viria a ser o Mercosul. Hoje, se vivo fosse, Rio Branco incluiria entre as suas prioridades, também, o relacionamento do Brasil com a Rússia, Índia e China, hoje batizado sob a sigla de Bric, além da África do Sul e, possivelmente, uma aliança com os integrantes das Asean, Associação dos Países do Sudoeste da Ásia. Como se vê, com pragmatismo, prudência e tenacidade, os métodos do Barão são sempre atuais.

Cabe-nos, portanto, neste instante, consolidar nossas alianças comerciais e ampliar os vínculos políticos e culturais para que não se perca o que já se construiu. O Mercosul, insisto, precisa aprofundar-se antes de estender-se.

Dentro desse quadro, impõe-se, igualmente, a criação de um Banco Central para o Mercosul, pressuposto da articulação das chamadas políticas macroeconômicas.

Um autêntico mercado comum, a meu ver, só pode funcionar com tarifa externa comum (TEC) sobre as exportações e importações dos seus membros, o que até hoje não se alcançou no Mercosul, mantendo-o - se assim posso dizer - no nível de zona livre de comércio administrada, pois nem mesmo ela é plena. A TEC e a gradativa abolição de subsídios, internos a cada país, bem como os respectivos impostos e taxas fronteiriças entre eles, são as condições fundamentais para uma integração econômica, simultaneamente à existência de políticas macroeconômicas, a que já me reportei, articuladas pela existência de um Banco Central que até hoje não se constituiu no Mercosul.

Lembre-se que todas as fundamentais etapas da atual União Européia, desde sua fundação, foram submetidas às ratificações dos Parlamentos nacionais ou a referendos populares. No ano passado, por exemplo, a França e a Holanda chegaram, inclusive, a rejeitar a proposta de uma Constituição européia por temerem a diminuição dos direitos sociais e a perda ainda maior das soberanias nacionais.

Sr. Presidente, embora não desconheça que o Mercosul tem sido útil nas negociações das rodadas da OMC (Organização Mundial do Comércio), .não podemos deixar de registrar pequenos avanços, nos últimos anos e também que ele vive hoje, talvez, a sua mais grave crise desde a sua criação. É necessário, pois, o revigoramento de seus objetivos iniciais, sob pena de se perder o que já foi realizado. O Mercosul precisa - insisto mais uma vez - aprofundar-se antes de estender-se. Também não pode, açodadamente, querer queimar etapas, quer políticas, econômicas, sociais ou culturais.

Lembre-se, a propósito, que o Mercosul, para funcionar adequadamente, deve ser transparente e participativo em suas estruturas. No quadro de globalização, são também necessários cuidados especiais em nossa integração regional e sua interface na sociedade mundial. Elas devem completar-se, não podem excluir-se.

A propósito do tema, Sr. Presidente, é oportuno o editorial publicado hoje no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado: “Agora a Europa não quer”. Esse editorial reflete a crise do Mercosul. Diz o texto:

O Brasil está seriamente arriscado a entrar em 2007 sem nenhum acordo comercial importante, se as negociações globais - a Rodada Doha - não forem logo destravadas. Os europeus deixaram claro, nos últimos dias, que um pacto de livre comércio com o Mercosul não está entre suas prioridades neste momento.

Mais adiante continua referido editorial:

Enquanto isso, Brasil e Argentina continuaram empenhados num esforço frenético para ampliar o Mercosul, sem notar, aparentemente, que as prioridades dos parceiros sul-americanos são outras.

Em síntese, o que precisamos fazer agora é justamente uma análise aprofundada da crise do Mercosul, sob pena de comprometermos um instrumento fundamental para ampliar a inserção da América do Sul e, nomeadamente, do Brasil na comunidade internacional. Neste instante de globalização, não há outro caminho a ser cumprido na América do Sul a não ser o que ficou estabelecido com a criação do Mercosul.

Termino, Sr. Presidente, afirmando que o Mercosul é indispensável se queremos melhorar a inserção internacional do Brasil e, de alguma forma, também fazer com que a América do Sul possa ter um papel mais destacado na sociedade mundial, não apenas sob o ponto de vista econômico ou comercial, mas também, e sobretudo, sob o aspecto social, cultural e político.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2006 - Página 9469