Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Os 47 anos de vigência da Declaração Universal dos Direitos das Crianças e a situação da infância brasileira.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.:
  • Os 47 anos de vigência da Declaração Universal dos Direitos das Crianças e a situação da infância brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/2006 - Página 6695
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DECLARAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DIREITOS, CRIANÇA, AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, MUNDO, MISERIA, VIOLENCIA, REGISTRO, EXPANSÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, SOLIDARIEDADE.
  • ELOGIO, TRABALHO, ENTIDADE, IGREJA, PRIORIDADE, CRIANÇA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, CONSELHO TUTELAR, DIREITOS, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PROTEÇÃO, INFANCIA, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, VIOLENCIA, IMPORTANCIA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO BASICA, DESENVOLVIMENTO, CIDADANIA.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nestes 47 anos de vigência, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 20 de novembro de 1959, e referendada pelo Brasil, com toda a grandeza dos seus princípios, foi, sem dúvida alguma, uma das maiores conquistas do século XX, um dos mais importantes documentos de direitos humanos fundamentais aprovados no Plenário da instituição. Naquele momento, em comunicado às gerações futuras, a ONU reconheceu que toda criança é um ser humano especial, com características específicas, e que tem direitos próprios que precisam ser respeitados. Lamentavelmente, depois de quase meio século da aprovação daquele documento, em quase todos os países, ricos ou pobres, a maioria das crianças vive constantemente ameaçada pelo perigo.

No continente africano, a vida de uma criança é breve. A maioria morre em conflitos sangrentos, em guerras tribais, vitimada por epidemias, pela desnutrição, por males de fácil tratamento se existissem remédios disponíveis, ou por doenças incuráveis como a aids, que está se tornando incontrolável e que deverá matar milhares de crianças nos próximos cinco anos.

Nos países mais avançados, naqueles onde os preceitos da democracia e os direitos humanos são respeitados, e os níveis de conforto, de civilização, de cultura e de educação são satisfatórios, na verdade, as crianças sofrem castigos de toda sorte. Dois exemplos são suficientes para ilustrar essa realidade.

Na Inglaterra, por exemplo, por incrível que possa parecer, haja vista o seu alto grau de bem-estar, o Parlamento chegou a discutir há pouco a freqüência das palmadas que os pais poderiam dar em seus filhos “travessos”.

Nos Estados Unidos, a potência mais poderosa da Terra, onde os direitos dos cidadãos constituem um dos maiores exemplos a ser seguido pelo resto do mundo, há dois anos mais ou menos, as televisões do mundo inteiro divulgaram vídeos residenciais chocantes, realizados com câmeras escondidas, em que eram mostrados os próprios pais agredindo covardemente os seus filhos ainda bebês. As imagens revoltaram milhões de telespectadores em todos os continentes. As vítimas não tinham mais de 3 anos de idade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar dos pequenos avanços que registramos ao longo da história e desde a aprovação da Declaração dos Direitos das Crianças, não podemos, de maneira alguma, nos deixar abater pelo desânimo e abandonar o campo da luta em defesa da dignidade humana. A violência e a agressividade que existem na natureza de muitas pessoas precisam ser vencidas. Para tanto, acredito que um dos passos mais acertados está no fortalecimento de uma poderosa rede de solidariedade, que tem todas as condições de travar um combate permanente contra o abandono, contra o desânimo, contra a doença, contra o preconceito, contra o vício e em defesa da cidadania, do amor, do carinho, da atenção, da mão estendida, enfim, da esperança que falta a milhões de crianças no mundo inteiro.

No Brasil de hoje, apesar das gritantes contradições sociais que motivam os maus-tratos e o desrespeito ao próximo, principalmente contra os mais indefesos, devemos reconhecer que já existe essa grande rede de solidariedade que age para evitar todas as formas de injustiças que são praticadas contra as nossas crianças. Essa corrente é formada por milhões de cidadãos e cidadãs benevolentes, voluntários, religiosos, brasileiros anônimos que não visam qualquer interesse pessoal e que estão disponíveis a qualquer hora do dia ou da noite para prestar um socorro, para oferecer um abrigo ou para entregar um simples agasalho nas noites frias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando tomamos consciência do imenso poder e da grande força que essa corrente solidária representa, o nosso ânimo se enche de esperança e a nossa vontade de lutar por justiça se renova a cada dia. A Pastoral da Criança é um dos maiores exemplos que podemos citar. Atua com mais de 5 mil militantes em todo o território nacional. É um pequeno exército que está presente em quase 3 mil e 500 municípios brasileiros, ensinando as mães a cuidarem de suas crianças, conscientizando sobre a importância da amamentação, dos cuidados com a higiene e salvando a vida de milhares de bebês. O trabalho da Pastoral em defesa da criança, principalmente nos guetos, nas favelas, nos cortiços infectos, debaixo das marquises, nos viadutos, no inferno dos corredores dos hospitais públicos, nas imensas e miseráveis periferias urbanas e nas áreas rurais mais longínquas, ano após ano vem apresentando resultados impressionantes e contribui decisivamente para diminuir em muito os nossos índices de mortalidade infantil, mesmo dispondo de recursos financeiros insuficientes.

No que se refere à situação da mortalidade infantil em nosso País, em seu Relatório sobre a Situação da Infância Brasileira 2006, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apresenta índices que merecem ser comentados. Todavia, antes da abordagem da questão, devemos dizer que, para o Unicef, o número de crianças que morrem antes de completar 1 ano de idade para cada mil nascidas vivas e a taxa de mortalidade de menores de 5 anos, também chamada de taxa de mortalidade na infância, revelam muito sobre as condições de vida e a assistência de saúde em um país.

Com base em dados levantados junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Unicef mostra que a taxa de mortalidade infantil no Brasil vem caindo de maneira significativa nos últimos 25 anos. Em 1980, ela era de 82,8 por mil crianças nascidas vivas. Em 2004, conseguimos diminuir para 26,6 para cada mil crianças nascidas vivas. É importante observar que, no período destacado, houve realmente um enorme progresso no combate à mortalidade infantil em nosso País. Apesar de tudo, temos ainda um longo caminho pela frente.

De acordo com o Unicef, mesmo com esse registro positivo, em 2005 a taxa de mortalidade infantil apresentada pelo Brasil era a terceira maior da América do Sul. Vale dizer que ficamos atrás da Bolívia e da Guiana. Sem dúvida alguma, porém, não podemos deixar de reconhecer o sucesso alcançado pelas políticas governamentais para reduzir a taxa de mortalidade infantil. E para esse objetivo, como disse no decorrer deste pronunciamento, o trabalho da Pastoral e de outros movimentos sociais merece louvor.

Entretanto, ao lado de todo o esforço que está sendo feito para proteger nossas crianças, a violência contra elas vem se alastrando na vida brasileira. Seu crescimento é preocupante em todos os espaços de nossa sociedade. Aliás, é no próprio lar onde ocorrem as agressões mais freqüentes e o maior número de atentados sexuais. Assim, no seio de suas próprias famílias, milhares de crianças são todos os dias covardemente surradas, seviciadas pelos próprios familiares e submetidas aos mais duros castigos.

Em várias regiões do Brasil, os Conselhos Municipais e os Conselhos Tutelares dos Direitos das Crianças e do Adolescente, nos levantamentos que fazem periodicamente, têm chamado a atenção das autoridades para as respostas que são dadas pelas crianças durante as entrevistas. Segundo as entidades, o problema mais sério é a exploração sexual. O segundo temor revelado por elas é ficar fora da escola, assim como os maus-tratos e os abusos físicos e verbais dos quais são vítimas freqüentes em casa, na rua e na própria escola.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que sejam definidas imediatamente, por parte de nossas autoridades, ações mais firmes voltadas para a proteção da infância. Convém relembrar que o acesso universal à educação básica de boa qualidade é indiscutivelmente a iniciativa mais importante a ser encarada urgentemente pelos programas governamentais. Sabemos perfeitamente que muitos esforços estão sendo feitos na área da educação infantil, mas ainda não conseguimos atingir a universalização e estamos mais longe ainda de poder oferecer um ensino básico de bom nível e com condições materiais razoáveis das escolas.

No que se refere ao acesso ao nível escolar básico, de acordo com levantamentos do IBGE, na Região Nordeste, cerca de 14% das crianças de 7 a 9 anos não freqüenta a escola, índice que se eleva para 15% na Região Norte. Ao considerarmos a idade de 10 a 14 anos, o número de crianças fora da escola é de cerca de 14% para o Norte e Nordeste.

Eminentes Senadoras e Senadores, a educação é a maior arma para vencer a desigualdade e alcançar o desenvolvimento sustentável e a cidadania. Para isto, precisamos urgentemente elevar o nível do nosso ensino, colocar todas as nossas crianças em salas de aula decentes e melhorar as condições profissionais e salariais dos nossos professores. Se decidirmos realmente amparar as nossas crianças, garantir para elas um futuro digno e prepará-las para serem atores decisivos em nosso processo de desenvolvimento econômico, devemos desde já tomar a decisão de realizar uma verdadeira revolução educacional em nosso País. Caso contrário, continuaremos nos iludindo com o sonho de que seremos brevemente uma grande potência.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/2006 - Página 6695