Discurso durante a 22ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à Campanha da Fraternidade da CNBB de 2006.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem à Campanha da Fraternidade da CNBB de 2006.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2006 - Página 9084
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, IGREJA CATOLICA, DEBATE, INCLUSÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA.
  • REGISTRO, HISTORIA, ATUAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEFESA, DIREITOS HUMANOS.
  • IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, DIREITOS, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, REGISTRO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FACILITAÇÃO, ACESSO, LOCAL, MEIOS DE TRANSPORTE, INFORMAÇÃO, ALTERNATIVA, LINGUAGEM.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros, inicialmente, agradeço a sua sensibilidade em realizar este importante evento não apenas para a nossa Igreja, mas também para toda essa população que sente nessa Campanha da Fraternidade uma homenagem mais do que justa às pessoas com deficiência, que dão imensa contribuição a este País e nem sempre tiveram a sua cidadania e a sua contribuição reconhecida e valorizada.

Saúdo todos os Senadores e Senadoras; o bispo Dom Celso Queirós, que aqui representa a CNBB; nosso Presidente em exercício; Lars Grael, Secretário de Esportes do meu Estado de São Paulo, uma figura que, pelo caminho que trilha na vida, pela atitude de superação das dificuldades, dá uma contribuição tão imensa, não apenas no esporte, mas na valorização da cidadania.

Agradeço também a presença de Clodoaldo Silva. Lars foi um grande atleta, é um grande atleta e o Clodoaldo foi, nessa última Olimpíada, o nosso mais bem-sucedido esportista do Brasil e orgulhou todo o País. Cada vez que ele caía na piscina, nós sabíamos que sairia com uma medalha. Foi uma experiência muito bonita ver a contribuição que você deu

Saúdo, ainda, Dom Luciano Mendes de Almeida, que foi Presidente da CNBB e é uma referência também na luta pela cidadania, pela democracia e pela justiça social, em nosso País; assim como toda a representação da CNBB, nas pessoas de Dom Itamar Vian, de Feira de Santana, na Bahia; Dom Xavier, de Viana, no Maranhão; Dom Muniz, de Guarabira, na Paraíba; e Dom Sinésio Bohn, de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.

Saúdo meu amigo Marcos Frota, que também fez um trabalho belíssimo nessa agenda e nessa luta; Izabel Maior, Coordenadora do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência; e Ariosto, que nos brindou com uma bonita apresentação.

Começaria o meu pronunciamento, dizendo que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi fundada em 1952 pelo saudoso Dom Hélder Câmara e sempre desempenhou um papel destacado na luta pelos direitos civis e sociais de todos os cidadãos brasileiros, particularmente dos mais pobres e necessitados. Na dura época do regime militar, quando o País submergia no manto negro do silêncio imposto, a voz corajosa da CNBB iluminava a Nação, denunciando a violação dos direitos humanos e a chaga moral da tortura.

Muitas vezes, essa voz cristalina e iluminada da CNBB era a única que se fazia ouvir contra o poder ditatorial, denunciando injustiças, perturbando a “paz dos cemitérios” e incomodando as autoridades que estavam de plantão. Obviamente, muitas eram as queixas da ditadura contra a CNBB, mas ela seguia, impávida. Aplicava às pressões da ditadura a seguinte norma: “Diante das situações sociais, econômicas e políticas do povo, o Evangelho não pede licença aos governos nem pede perdão se eles não gostaram”.

            Pois bem, a pertinência e a sensibilidade que marcam a história da CNBB continuam vivas, hoje, na Campanha da Fraternidade de 2006, dedicada ao desafio da inclusão dos portadores de deficiências, cidadãos que ainda sofrem com a falta de oportunidades e, particularmente, com estigmas e preconceitos arraigados.

            O lema dessa feliz e oportuna Campanha da Fraternidade de 2006 foi tirado de uma passagem do Evangelho de São Marcos, na qual Jesus, ao observar um homem só, afastado da multidão e com uma terrível atrofia nas mãos, lhe diz “Levanta-te, vem para o meio”.

            Ao ir para o meio das pessoas, metaforicamente simbolizando a integração ao meio social, o homem, antes estigmatizado por seu defeito físico, se cura milagrosamente.

            Essa passagem do Evangelho de São Marcos não poderia ser mais apropriada para tal campanha, pois toca no principal problema que atinge as pessoas portadoras de deficiências de todos os tipos: o preconceito e a exclusão social.

            A passagem também denota e enfatiza que as deficiências não diminuem o valor da pessoa. A rigor, as pessoas podem ter - e quem não tem? - alguma deficiência. Mas com isso não são “pessoas deficientes”. Até ao contrário. A deficiência pode se tornar para a pessoa um estímulo a crescer mais profundamente em sua realização humana e cristã.

            Conforme afirma o primoroso texto de Dom Demétrio Valentini, Deficiência e Plenitude: “Assim, está colocado o verdadeiro significado desta Campanha da Fraternidade: ela faz a ponte entre a deficiência e a plenitude. Ela aponta o caminho para transformar a deficiência em caminho da realização. E dessa maneira superar os preconceitos que foram introjetados na sociedade e na própria Igreja, mudando nossa maneira de pensar e nossas atitudes diante das pessoas com deficiência”.

            Trata-se fundamentalmente, então, de mudar as mentalidades atrasadas e as atitudes preconceituosas, de modo a trazer para “o meio”, trazer ao convívio social efetivo e produtivo, o cidadão portador de deficiência, atualmente privado do exercício pleno de sua cidadania.

            Mas não se trata, evidentemente, de favor que se presta ao portador de deficiência. Trata-se, isto sim, de reconhecimento da plenitude humana do portador de deficiência, de um lado e, de outro, das limitações inerentes à condição humana de todos nós.

Com efeito, como bem afirmou Dom Demétrio Valentini:

A deficiência se torna paradigma da condição humana. Revela nossa limitação. Ao mesmo tempo, estimula nosso crescimento. Assim, ela nos ajuda a compreender o sentido mais profundo da existência humana. Somos criaturas carregando a limitação, mas buscando no Criador nossa plenitude.

Somos todos, pois, nessa condição humana, portadores de deficiências. Mas isso não nos impede de buscar a plenitude. Pelo contrário, são nossas limitações que nos impulsionam em direção ao aperfeiçoamento. Assim, reconhecer os direitos dos portadores de deficiência significa reconhecer os próprios limites da nossa natureza humana e, ao mesmo tempo, as potencialidades de todos os homens.

Todos temos de reconhecer as nossas deficiências. Todos temos de ir ao meio, em busca da plenitude. Mas essa busca da conscientização em relação aos portadores de deficiência, que implica a conscientização de nossa natureza, como propõe essa magnífica campanha da CNBB, tem de ter o apoio de todos, sociedade civil e governo.

A esse respeito creio que posso dizer, sem medo de errar, que o atual Governo vem se esforçando, dentro de suas atribuições, para cooperar nesse grande esforço. De fato, o Governo Federal vem empenhando-se na efetiva implementação do Programa Nacional de Acessibilidade, em cumprimento às Leis nºs 10.048/2000 e 10.098/2000, que dispõem sobre acessibilidade para os portadores de deficiência ou pessoas com mobilidade reduzida.

Deve-se ressaltar que, hoje em dia, o conceito de acessibilidade não envolve apenas o combate às barreiras físicas à mobilidade, mas também implica a luta contra barreiras à comunicação e informação, bem como contra quaisquer tipos de preconceito e atitudes discriminatórias que restrinjam o pleno gozo dos direitos políticos, sociais e econômicos por parte dos portadores de deficiência.

Entre as ações específicas para dar cumprimento ao referido plano, destacam-se a aprovação da Norma sobre Certificado e Homologação de Telefones Públicos, que tornou esse tipo de instrumento de comunicação mais acessível aos portadores de deficiência, e a implantação do Decreto nº 5.296, de 2004, que normatizou as adaptações nos meios de transporte para servir aos portadores de deficiência física. A partir de 2012, todos os ônibus terão de ter a plataforma de acesso. Devemos lutar para antecipar esse calendário. As fábricas já estão fazendo as adaptações necessárias para modificar toda a estrutura de transporte no Brasil, bem como estipulou regras para a comunicação destinada às pessoas com deficiência sensorial nos meios de comunicação, inclusive a Internet.

Outra iniciativa importante tange ao decreto que regulamentou a inclusão da Língua Brasileira de Sinais (Libras) - e aqui presto minhas homenagens a esses profissionais e já peço perdão pela velocidade do meu discurso - nos currículos destinados à formação de docentes e de outros profissionais que trabalham com portadores de deficiências auditivas.

Também no campo das ações governamentais destinadas aos portadores de deficiência, deve-se assinalar a próxima realização da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que debaterá, pela primeira vez, problemas e soluções relativos à questão do portador de deficiência e seus direitos.

Ainda é muito pouco, é claro, mas acredito que estamos, Governo, Igreja e sociedade civil, de um modo geral, no caminho certo: no caminho do combate aos preconceitos e à exclusão social de qualquer tipo.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores e demais convidadas e convidados, o Brasil é, sem dúvida, um País injusto; injusto com os portadores de deficiência, com os negros, com os índios, com os excluídos de um modo geral. Mas também é um País generoso, potencialmente rico e inclusivo, que vem buscando atingir a sua plenitude com esforço e determinação. Esse esforço deve ser necessariamente coletivo, pois, enquanto as deficiências marcam as diferenças sociais e individuais, a construção da plenitude une todos, sem distinção, no sonho da nação próspera e justa.

Assim, todos temos de ir ao meio para construirmos, juntos, a sociedade inclusiva que transformará nossas limitações e deficiências individuais em plenitude coletiva.

Parabéns à CNBB e parabéns, acima de tudo, a esses cidadãos brasileiros pela sua luta e pelo seu exemplo, que nos orgulham e nos inspiram.

Quero terminar, Sr. Presidente, dizendo que o Ariosto é deficiente visual, Steve Wonder e Ray Charles também. Marcelo Rubens Paiva é meu amigo pessoal - ele não era cadeirante, quando morou na minha casa, na Universidade de Campinas; ele era um calouro da faculdade, e eu já fazia meu curso de pós-graduação. Acompanhei todo o trabalho dele, a produção literária, que tratou do problema da inclusão, do reconhecimento e da superação das dificuldades.

Quero lembrar que Pedro Moreira Salles é Presidente de um grande banco; Lars Grael é Secretário de Governo; Roosevelt foi Presidente dos Estados Unidos, em 1929, durante a Segunda Guerra, e é tido como o maior estadista da história americana.

Portanto, a história está cheia de exemplos importantes de pessoas que, se tinham alguma deficiência, tinham outras habilidades fantásticas, que, em algum momento da história, a sociedade soube absorver, incorporar e valorizar.

Termino prestando homenagem a um convidado especial que fiz questão que estivesse hoje, aqui: o Gilberto Fraquetta, o Gil, meu companheiro de faculdade. Militamos juntos. Em 1973, realizamos um grande evento ecumênico com Dom Paulo, quando foi assassinado Alexandre Vannucchi Leme. Em 1975, ele não era cadeirante, era um militante. Em janeiro de 1975, ele sofreu um acidente, hoje é cadeirante e continua militante. Naquele ano de 1975, também mataram Vladimir Herzog, e novamente fizemos um grande ato pela democracia.

Ao longo desses mais de 30 anos, o Gil é muito mais militante do que tantos que ajudam a justiça e a inclusão social. Ele soube preservar os seus compromissos, a sua competência profissional como economista e superou todas essas dificuldades. Creio que ele é um exemplo, talvez não público, mas seguramente fundamental para a minha geração.

Um grande abraço, Gil. Obrigado pela presença! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2006 - Página 9084