Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de que a Comissão de Direitos Humanos do Senado ouviu ontem, o autor do documentário "Falcão - Os Meninos do Tráfico", MV Bill, com a intenção de procurar alternativas para solucionar o problema dos jovens e das famílias. O lançamento do Projeto Crescer, pela Prefeitura de Boa Vista, Roraima, que provocou a queda no índice de violência juvenil. (como Líder)

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO MUNICIPAL.:
  • Registro de que a Comissão de Direitos Humanos do Senado ouviu ontem, o autor do documentário "Falcão - Os Meninos do Tráfico", MV Bill, com a intenção de procurar alternativas para solucionar o problema dos jovens e das famílias. O lançamento do Projeto Crescer, pela Prefeitura de Boa Vista, Roraima, que provocou a queda no índice de violência juvenil. (como Líder)
Aparteantes
Heloísa Helena, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2006 - Página 11124
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO MUNICIPAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DEBATE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, PARTICIPAÇÃO, AUTOR, FILME DOCUMENTARIO, ALICIAMENTO, CRIANÇA, TRAFICO, DROGA, BUSCA, SOLUÇÃO, ALTERNATIVA, CRIME ORGANIZADO, REGISTRO, DISCUSSÃO, SECRETARIA GERAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • ELOGIO, TRABALHO, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), COMBATE, VIOLENCIA, DELINQUENCIA JUVENIL, INTEGRAÇÃO, JUVENTUDE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Pela Liderança do Governo. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei rápido, mas gostaria de fazer nesta manhã um registro e uma sugestão ao Senado: semana passada, não estive presente ao Senado, e é por isso que faço esta manifestação somente esta semana. Há dias, o País todo tomou conhecimento e discutiu bastante o documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, que foi apresentado no Fantástico, da Rede Globo e, em decorrência dessa exposição e dessa colocação, muito se debateu e muito está se debatendo no País sobre a situação dos jovens vítimas de ambientes de delinqüência, vítimas de falta de oportunidade e vítimas de muita dificuldade no encaminhamento de seu futuro.

Ontem, a Comissão de Direitos Humanos do Senado, por intermédio do Senador Cristovam Buarque, ouviu MV Bill, autor do documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, para se discutir formas de se buscar soluções para a questão.

Paralelamente, a Secretaria-Geral da Presidência da República, orientada pelo Presidente Lula, também começa a discutir quais ações complementares ao Projovem podem ser feitas para que se enfrente esse que é um dos maiores desafios do País.

Efetivamente, dar opção, visualizar um futuro, criar condições para que os jovens brasileiros possam ter esperança e possam sonhar são uns dos grandes desafios do País para hoje e para o futuro.

Temos uma grande experiência - e é por isto que trato deste assunto - na cidade de Boa Vista. Quando a Prefeita Teresa Jucá assumiu a Prefeitura há cinco anos, existiam mais de 35 “galeras” na cidade, Senador Paulo Paim, espalhadas nos bairros. Cada bairro tinha a sua galera, o seu grupo de jovens violentos, e esses jovens se matavam. Então, todos os finais de semana morriam de dois a três jovens esfaqueados, baleados, enfim, no confronto dessas galeras.

Nós nos debruçamos sobre essa questão, porque amamos Boa Vista e temos consciência de que esse era um grande desafio da cidade. Fez-se um censo desses jovens e analisou-se o que os levava a formar as galeras. Na verdade, era a desestruturação do lar, da família, a falta de referência dos jovens, a falta de oportunidade. Querendo fazer parte de alguma coisa, eles se juntavam a um grupo que os levava e os estimulava à prática da violência, porque, na regra da galera, o mais violento é o chefe. Então, na verdade, eles seguem uma escalada de violência para ver quem vai mais além, como se isso fosse prova de coragem.

A Prefeitura de Boa Vista buscou uma solução e enfrentou esse desafio. Quatro anos depois, podemos apresentar números. A Prefeitura lançou o Projeto Crescer, um modelo para o Brasil hoje. O número de galeras caiu de 35 para 5, e a violência juvenil em Boa Vista, atestada pela Polícia do Governo do Estado, que é adversário político da Prefeitura, caiu em 72%. Tanto que a cidade, em pesquisa feita pelo IBGE dias atrás, foi apontada como a segunda cidade mais tranqüila do País, perdendo apenas para Brasília.

Então, essa questão é extremamente importante. Nós vivemos a experiência. O que vai resolver o problema da violência juvenil, da falta de oportunidade aos jovens, não é a construção de Febem, não é prender o jovem, nem construir escolas convencionais.

Em Boa Vista, Teresa construiu uma escola aberta, com outro tipo de currículo, com outro tipo de atrativo, com outro tipo de condição, deu carinho, deu atenção e, efetivamente, recuperamos centenas de jovens. Jovens que eram delinqüentes, acusados de duas ou três mortes, hoje são instrutores, trabalham ajudando a cidade. Enfim, os jovens foram ressocializados de forma criativa.

Tivemos de discutir no Ministério da Educação até o funcionamento da escola, porque como ela era diferente, em tese, não queriam reconhecê-la como uma instituição de ensino formal. E hoje ela é um exemplo. A Escola Frei Agostinho é uma escola aberta que tem várias atividades. Aprende-se português, fazendo um jornalzinho da escola; há capoeiras e lutas de boxe. Quer dizer: direciona-se e traz-se para dentro de uma sala de aula diferente o jovem que, hoje, está perdido.

Registro a importância da discussão feita pela Comissão dos Direitos Humanos e ressalto que tínhamos de nos debruçar sobre essa questão, Senadora Heloisa Helena. Não tenho dúvida de que o grande desafio das médias e grandes cidades hoje é criar uma alternativa, criar programas que envolvam os jovens, que lhes dê esperança, que lhes dê outro tipo de referencial, para que não fiquem à mercê das galeras ou de traficantes. Eles estão buscando algum tipo de identidade, querem participar de alguma coisa. Que lhes proporcionemos participar da construção de alguma coisa boa.

Concedo um aparte ao Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Romero Jucá, faço um aparte muito rápido para não diminuir o tempo do seu pronunciamento. Assinei com o Senador Cristovam Buarque o pedido de realização da audiência pública ocorrida ontem. Devido à Comissão Mista do Salário Mínimo reunir-se no mesmo horário, não pude ficar lá todo o tempo. Mas por que o aparte? Para dizer a V. Exª que estamos promovendo, apoiados pelo Senador Renan Calheiros, um seminário internacional visando debater esse tema. Enquanto V. Exª falava, eu pensava que temos de procurar alguns exemplos lá fora e, é claro, aqui dentro. E gostaríamos de conhecer melhor o exemplo do trabalho realizado por sua esposa, Teresa Jucá, à frente da Prefeitura de Boa Vista. Quero, de público, pedir a V. Exª que possamos assegurar, como uma das painelistas desse seminário internacional, a presença da Srª Teresa Jucá, para que nos fale dessa experiência tão importante, porque, evidentemente, a preocupação de todos nós é tirar a nossa juventude dessa situação de desespero que o Senador Romero Jucá descreve com muita precisão. É o desespero que faz com que eles entrem nessa luta fratricida, causando uma morte após a outra na nossa juventude e atingindo principalmente a comunidade negra. V. Exª sabe da minha luta. Por isso, cumprimento V. Exª.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR) - Agradeço ao Senador Paulo Paim. Tenho certeza de que Teresa ficará extremamente honrada em participar desse debate. É muito importante a interação de experiências nacionais e internacionais, porque, no caso de Boa Vista, não se deu apenas a educação. Há um processo de construção de entrada e de saída, porque a porta de saída da recuperação é o grande desafio na questão dos jovens.

Na Prefeitura de Boa Vista, há três tipos de tratamento: primeiro, a questão de produção e de convivência, porque os jovens precisam conviver; segundo, a questão pedagógica e educacional; e, terceiro, o núcleo de geração de renda com a cooperativa, que cria uma série de atividades para esses jovens começarem a obter renda e encaminhamento para o restante de suas vidas, porque também não podem ficar dependendo de programas públicos. Eles devem ser redirecionados, socializados e incluídos no mercado de trabalho.

Sem dúvida alguma, ficamos muito felizes com a iniciativa de V. Exª, do Senador Cristovam Buarque e do Presidente Renan Calheiros de discutir essa questão em um seminário. A experiência de Boa Vista está à disposição, e temos o maior interesse em demonstrá-la.

Senador Paulo Paim, é emocionante ver a mudança na maioria dos jovens. Não vou dizer que se recuperam 100% dos jovens - não se recuperam 100%. Mas que se recuperem 70%, 80%, que se recupere uma vida, já se ganhou muito. E a recuperação é muito grande.

Vemos crianças e jovens dizendo que, se não estivessem no Projeto Crescer, estariam mortos. Pessoas dizem isso, reconhecem o trabalho feito e ajudando os jovens que estão chegando. É uma roda; é uma engrenagem que não pára. Todo dia há mais crianças nas ruas; todo dia há mais crianças à mercê do tráfico. Quer dizer, os 17 meninos que participaram do documentário Falcão, que morreram, foram substituídos por outras crianças, que estão lá também.

Esse é um desafio muito grande, que, sem dúvida nenhuma, temos que enfrentar.

Concedo um aparte à Senador Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Senador Romero Jucá, como o Senador Paulo Paim, saúdo V. Exª pelo pronunciamento. Sei que o problema da criança e do jovem no Brasil é muito grande, porque temos, como o Senador Paim disse, uma hierarquia perversa em relação aos negros, uma hierarquia maldita e perversa entre ricos e pobres, entre brancos e negros, homens e mulheres. A situação das nossas meninas, Senador Garibaldi, é gravíssima, porque são elas que vão para a prostituição, são as nossas meninas que perdem a adolescência e a juventude em função da gravidez. Os meninos estão sendo arrastados para a marginalidade e para o narcotráfico como último refúgio. E muitas vezes aqui, trocando idéias com o Senador Cristovam Buarque, dizemos da necessidade do Estado brasileiro, porque a pobreza, a miséria, o desemprego e o sofrimento desagregam as relações familiares, provocam a perda de laços familiares tão importantes. Muitos dos meninos que estão nas ruas não têm referência familiar, mas muitos têm. Entretanto, quando ele volta para casa, sente a falta de expectativa por sua volta, por causa da miséria, das pessoas alcoolizadas e drogadas. É uma situação tão difícil que o Estado tem de adotar essas crianças antes que o crime organizado, a prostituição e a marginalidade as adotem. O Estado brasileiro tem de estar presente. Como V. Exª disse em relação à Prefeitura ou no acesso à cultura, à educação formal, ao lazer, ao esporte, tem-se realmente de preencher a vida da criança, porque uma criança ou um jovem tão esvaziados de amor, de sentimento, de compreensão, de acesso à dignidade acaba preenchendo sua vida com o mundo fácil; um mundo doloroso, maldito e sofrido, mas fácil, porque é o único que ele tem à sua porta. Saúdo o pronunciamento de V. Exª e espero que possamos discutir alternativas concretas e eficazes para minimizar o risco. Como bem disse V. Exª, a cada dia, uma criança está indo para a rua, por causa da família desestruturada, da ausência do Estado, porque não há ninguém para estabelecer e recompor os laços. Então, as crianças e os jovens vão mesmo para a marginalidade. Saúdo V. Exª e espero que possamos construir alternativas concretas e eficazes para, ao menos, minimizar os riscos de que as nossas crianças e jovens sejam arrastados para o narcotráfico e para a marginalidade como último recurso.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR) - Senadora Heloísa Helena, agradeço as palavras de V. Exª, que tocou em uma questão que é o desafio dentro do desafio: a questão das meninas e da gravidez na adolescência, de toda a desconstrução da condição de vida.

Resumindo, o Poder Público, o País tem de se importar, tem de olhar na direção de enfrentar, e não é fácil. Lembro-me de que, quando Teresa começou a fazer esse trabalho, ela passou a ser discriminada. Havia parlamentares que diziam: “A Prefeitura está trabalhando com bandido. A Prefeitura está dando a mão a bandidos”. E, na verdade, esse trabalho era realizado em nome da sociedade, das pessoas, mas havia todo um ranço da sociedade ou de parte dela, porque se estava olhando em direção dessas pessoas mais pobres, mais necessitadas e desestruturadas.

Para encerrar, Sr. Presidente, é importante que o País, que o Governo como um todo e a sociedade olhem em direção desses jovens e se importem com eles, que lhes dêem atenção e criem uma referência para eles. É isso que procuramos fazer em Boa Vista, e tenho muito orgulho em dizer que lá conseguimos avançar bastante nessa questão. E coloco à disposição esse trabalho para ser visitado, porque, sem dúvida nenhuma, merece. É emocionante, volto a dizer. É emocionante ver o depoimento, ver as condições e ver a luta diária desses jovens em busca de uma oportunidade para resgatar a sua cidadania e a sua vida.

Muito obrigado.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2006 - Página 11124