Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Enaltece o documentário "Falcão - Meninos do Tráfico". Diálogo de S.Exa. com movimentos sociais, como o MST.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.:
  • Enaltece o documentário "Falcão - Meninos do Tráfico". Diálogo de S.Exa. com movimentos sociais, como o MST.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2006 - Página 11152
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ELOGIO, FILME DOCUMENTARIO, VIOLENCIA, PARTICIPAÇÃO, CRIANÇA, CRIME ORGANIZADO, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, DEBATE, AUTOR, LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, PERIODICO, EPOCA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, EMISSORA, TELEVISÃO, EXIBIÇÃO, DENUNCIA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, VALORIZAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, CULTURA, PERIFERIA URBANA.
  • DEBATE, ORADOR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), LIDER, SEM-TERRA, OPOSIÇÃO, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, REIVINDICAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • ANEXAÇÃO, CARTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, DADOS, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, DEFESA, ATUALIZAÇÃO, INDICE, PROPRIEDADE RURAL, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente Senador Eduardo Siqueira Campos, Senador Sibá Machado, Srs. Senadores, primeiro, quero enaltecer mais uma vez o documentário “Falcão - Meninos do Tráfico”, que ainda ontem, por iniciativa do Senador Cristovam Buarque, foi exibido na Comissão de Direitos Humanos do Senado.

Trata-se de um documentário de grande importância. Na semana passada, encontrei o “mensageiro da verdade”, o MV Bill, por ocasião do lançamento do livro que ocorreu no instituto dirigido pelo jornalista Gilberto Dimenstein, na Vila Madalena, em São Paulo. Um grande público ali compareceu para dialogar com o rapper compositor de canções de hip-hop, que dizem muito da vida no cotidiano, sobretudo da vida nos bairros mais carentes do Rio de Janeiro, das favelas do Rio de Janeiro. Ele pôde retratar isso com um realismo extremamente forte que impressionou extraordinariamente os brasileiros quando, no Fantástico de domingo retrasado, apresentou a história de 17 rapazes, dos quais apenas um, depois de decorridos seis anos da reportagem, continua vivo, justamente o Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira, o Serginho Fortalece, hoje com 21 anos.

Na entrevista daquele documentário, Serginho disse que “essa vida do crime só acaba em cadeia, cadeira de rodas ou cemitério”. Ele acabou sendo o único sobrevivente dos 17 personagens porque ficou com a primeira opção. “Graças a Deus”, ele diz. Segundo reportagem da revista Época desta semana:

Foi preso em 2004 e condenado a cinco anos e quatro meses de detenção. “Rodei num 157” (artigo do Código Penal que se refere a roubo). Eu e mais um amigo tinha ido na praia. Tava voltando, ele viu um playboyzinho saindo do shopping com celular e carteira. Quando ele guindou o cara, eu peguei o celular e a carteira, mas a polícia já tava lá”. A avó morreu - “de tristeza” - uma semana depois da prisão do neto preferido. Antes da exibição de Falcão, Fortalece subiu até o alto da “comarca” (beliche de pedra), de onde se vislumbra uma fatia do morro, e rezou: “Deus, se tu é comigo mesmo, vai me tirar dessa solidão”.

Na quarta-feira passada, Serginho Fortalece deixou o complexo penitenciário de Gericinó, ex-Bangu, onde cumpria pena há um ano e sete meses. Em regime aberto, passou a dormir na Casa de Albergado Crispim Valentino, no Rio, e a trabalhar na Central Única das Favelas (Cufa), durante o dia. Sua nova arma é a câmara que aprende a usar com o cinegrafista do documentário, Felha. Quando a Justiça permitir, Serginho vai se mudar para Santa Catarina e fazer o curso de palhaço no circo de Beto Carreiro [pois ali, no filme, ele fala de seu sonho de, um dia, ser artista de circo, de poder trabalhar num circo].

Por outro lado, este documentário produziu os mais diversos tipos de reação, dentre as quais a reação do compositor de rapper, de hip-hop, o Ferréz que, hoje, no artigo publicado em “Tendências/Debates”, da Folha de S.Paulo, “Antropo(hip-hop)logia”, questiona um pouco o porquê do interesse da TV Globo em passar no Fantástico aquele documentário. E se pergunta:

Até que ponto a denúncia dá vida e legitima a atitude violenta de alguém? Acho que denunciar é o que sempre fizemos, mas também com muita arte e senso positivo, lutando para um dia isso mudar. No final do documentário, fica uma pergunta, que, tenho certeza, todo mundo se fez: “E daí?” [diz o Ferréz]

[...]

É, meus amigos, o efeito falando da seqüela. Ou será que a “dona Globo” daria 58 minutos para um documentário sobre o “hip-hop” enaltecendo os artistas do gueto? Não, acho que não.

O resultado é a vendagem de produtos com o nome “Falcão” e até piadas, como a do programa “Pânico”, “Falcatrua, os meninos do Planalto”.

Ferréz então faz uma referência aos seus companheiros de hip-hop:

Mano Brown, Consciência Humana, Gog, Realidade Cruel e eu mesmo conquistamos a favela pelo talento, não pelo escândalo. Você quer isso? Então, filma o maloqueiro com o fuzil em cima do morro, mas, no final, me dá uma dica sobre como não perpetuar isso.

Porque o telespectador já sabe que tá um caos mesmo, mas tá olhando só para o próprio umbigo, ou seja, se os problemas do morro não são parecidos com os meus problemas, então, não há problemas. Retratar o caos, pura e simplesmente, não é revolução. A nossa revolução é querer mudar, querer -- de verdade -- mudar. Sem essas de querer capitalizar em cima da miséria, que é o que muita gente tá fazendo, pensando que estamos dormindo, que estamos de chapéu.

Continua o Ferréz:

Não sou santo no bagulho, tenho defeitos -- e muitos, por sinal --, mas vamos deixar claro um barato, tiozão, num vem jogar arroz em falso casamento, que, aí, é subestimar demais a rapaziada da favela. Para quem não sabe, há eventos aqui, quermesses, shows na rua, teatros ao ar livre, saraus. Mas isso não atrai, felicidade não dá Ibope.

Primeiro, quero registrar que achei positivo o documentário de MV Bill, e de Celso Athayde, “Falcão - Meninos do Tráfico”, e o seu livro que conheci e estou lendo. Acho muito importante, porque a força, o impacto da denúncia contida no seu documentário está fazendo as pessoas terem de pensar como transformaremos essa realidade tão dura e tão difícil. Mas gostaria de dizer que as reflexões de Ferréz também são importantes, porque ele faz um desafio, um convite à própria TV Globo para que esteja ali mostrando os eventos, como, por exemplo, os que ocorrem nos bairros da periferia de São Paulo. Como ele fala, há eventos como as quermesses, os shows nas ruas, os teatros ao ar livre, os saraus. Vou citar uma festa na favela Godoy, na área de Campo Limpo, onde justamente mora perto um dos mais importantes conjuntos de hip-hop no Brasil, os Racionais MC’s, o Mano Brown.

Em 7 de setembro do ano passado, fui convidado a participar da festa que dura desde o início da tarde até as 8 horas da manhã seguinte, e fiquei impressionado porque ali estavam mais de 5 mil pessoas, jovens. E não havia praticamente a presença do Poder Público, até mesmo da polícia. Todos organizaram aquele festival de hip-hop, a quermesse, com as próprias forças da organização daquela comunidade. E ali puderam ouvir as suas músicas preferidas. Tenho ficado impressionado como os jovens da periferia sabem cantar as longas letras das músicas, como as dos Racionais Mc’s, praticamente de cor, em função de elas dizerem muito do seu cotidiano.

Portanto, considero positivo que haja esse debate. Cumprimento o Senador Cristovam Buarque e a Senadora Patrícia Saboya Gomes, que se empenharam para que pudesse aqui ser debatido e discutido o documentário “Falcões - Meninos do Tráfico”.

Sr. Presidente, eu iria ainda falar sobre outro tema, mas, em primeiro lugar, quero ouvir seu pronunciamento. Se houver espaço, falo do meu segundo tema. Posso continuar? (Pausa.)

Outros aqui foram contemplados com muita generosidade. Então, se eu puder falar do segundo tema, assim o farei.

Ontem, fiz uma visita ao novo Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e transmiti a S. Exª o diálogo que tive sobre alguns assuntos relacionados aos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com o ex-Deputado e Presidente do Incra, Plínio de Arruda Sampaio.

No último dia 17 de abril, publiquei uma carta na Folha de S.Paulo ao João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do MST, em que procurei ressaltar a iniciativa do Movimento das Mulheres Camponesas e da Via Campesina de destruir as mudas de eucaliptos nas instalações do laboratório da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul. Então, transmiti a meus amigos do MST que seria sempre bom que resolvessem usar dos métodos da não-violência para conseguir ganhar muito maior apoio à justa causa da reforma agrária e da realização de justiça em nosso País.

Poucos dias depois, no dia 24 de março, Plínio de Arruda Sampaio escreveu-me a “Carta aberta ao Senador Eduardo Suplicy”, em que fala da longa amizade que temos e em que ressalta que somos ambos solidários do MST. Fala da invocação que fiz das ações de Gandhi e de Martin Luther King Jr. como exemplos de ações não-violentas que o MST deveria seguir. Diz ele:

No entanto, a ação das mulheres do MST, na Aracruz, se enquadra perfeitamente na tradição das lutas desses dois mártires dos oprimidos. O que elas praticaram foi um ato de desobediência civil - uma ação que desafia a lei, a medida ou a omissão injustas sem incitar agressão a pessoas.

Ressaltei que lá não houve agressão a pessoas. Em algumas ocasiões, tem havido agressões, inclusive a trabalhadores, mas ali houve agressão física ao que foi construído por alguns trabalhadores - talvez, o MST avalie que não deveriam ter ocorrido.

Por outro lado, Plínio de Arruda Sampaio fala de minha solidariedade à causa da reforma agrária. Inclusive, tive oportunidade de externar isso na minha visita, ontem, ao novo Ministro Guilherme Cassel, que substituiu o Ministro Miguel Rossetto, que se vinha desempenhando bem como Ministro do Desenvolvimento Agrário, e também hoje no diálogo que tive com Rolf Hackbart na Comissão de Agricultura.

Perguntei como está a execução das metas de reforma agrária, e o Ministro de Estado, Sr. Guilherme Cassel, informou-me que o Governo, certamente, até o final de 2006, irá assentar 400 mil novas famílias, conforme meta do Presidente Lula para este Governo. De 2003 a 2005, foram assentadas 245 mil famílias, e, em 2006, deverão assentar mais 155 mil famílias. Na carta que hoje me enviou, o Ministro Guilherme Cassel afirma ainda:

O cumprimento da meta dependerá basicamente de dois fatores: a suplementação dos recursos orçamentários para obtenção de terras (prevê-se 900 milhões e precisamos de mais 1 bilhão) e a atualização dos índices de produtividade que informam os processos de desapropriação de imóveis rurais para reforma agrária.

A atualização dos índices de produtividade é urgente e necessária, não apenas por se tratar de uma exigência legal e de um compromisso de Governo é condição para a continuidade da reforma agrária na região centro-sul do País.

Ainda hoje, Sr. Presidente, a companheira Senadora Ana Júlia Carepa e eu fizemos indagações ao Presidente do Incra, Rolf Hackbart, sobre o assunto. Inclusive, propusemos que, em breve, haja um convite ao Ministro da Agricultura, Roberto Rossetto, e ao próprio Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, para ambos nos darem as informações sobre a atualização dos índices de produtividade.

Ainda nesta semana, na Carta Capital, o Deputado Federal Antonio Delfim Netto, no seu artigo intitulado “O Grave Problema Agrícola”, apresenta uma tabela sobre o desempenho da agricultura de 1992/1993 para 2005/2006, mostrando que a produção agrícola, em milhões de toneladas, evoluiu de 68,25 milhões, em 1992/1993, numa área de 35,62 milhões de hectares, com um índice de produtividade de 1,92%, e, em 2005/2006, a safra agrícola resultou em 124,40 milhões de toneladas, numa área de 46,80 milhões de hectares, correspondendo a um índice de produtividade de 2,66%. Portanto, nos últimos 14 anos, de 1992/1993 para 2005/2006, houve um acréscimo de produtividade no setor agrícola brasileiro de 1,92% para 2,66%, um aumento da ordem 80%.

Ora, se a economia brasileira teve um acréscimo tão significativo de produtividade, é mais do que de bom senso que haja uma nova definição dos índices de produtividade.

Sr. Presidente, requeiro que sejam transcritos como parte de meu pronunciamento a carta do Ministro Guilherme Cassel, as informações que anexou para mim sobre a atualização dos índices de produtividade, os três artigos a que me referi - a minha carta ao MST, a resposta de Plínio de Arruda Sampaio e a carta que publiquei respondendo ao Plínio de Arruda Sampaio, ao próprio MST e ao Governo, em que menciono, conforme sugere Plínio de Arruda Sampaio, a importância de serem definidos rapidamente, pelo Governo, os novos índices de produtividade - e o artigo que citei.

Espero que o Ministro Roberto Rodrigues, tão entusiasta do progresso da agricultura brasileira, avalie que seja adequado e de bom senso a nova definição dos índices de produtividade, que estão definidos desde 1980, levando-se em consideração o Censo de 1975.

Obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Antropo(hip-hop)logia, artigo publicado na Folha de S.Paulo de 5 de abril de 2006;

- e-mail de Guilherme Cassel para o Senador Eduardo Suplicy, enviado em 5 de abril de 2006;

- Carta ao MST, do Senador Eduardo Suplicy, publicada na Folha de S.Paulo, de 17 de março de 2006;

- Carta aberta ao Senador Eduardo Suplicy, de Plínio de Arruda Sampaio, em 24 de março de 2006

- Diálogo com Plínio de Arruda Sampaio, do Senador Eduardo Suplicy, publicado no Jornal do Brasil, em 26 de março de 2006;

- O grave problema agrícola, de Delfim Neto, publicado na Carta Capital em 5 de abril de 2006;

- O vôo do falcão, de Eliane Brum e Marcos Serra, publicado na Época, de 3 de abril de 2006.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2006 - Página 11152