Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a origem histórica das CPIs, seu funcionamento, suas limitações e seu acompanhamento atento pela opinião pública.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Reflexão sobre a origem histórica das CPIs, seu funcionamento, suas limitações e seu acompanhamento atento pela opinião pública.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2006 - Página 11639
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • BALANÇO, FUNCIONAMENTO, HISTORIA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, CONGRESSO NACIONAL, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ACOMPANHAMENTO, OPINIÃO PUBLICA, IMPORTANCIA, FUNÇÃO, COMBATE, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, BENEFICIO, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ACUSAÇÃO, IMPUNIDADE, DENUNCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, RESPONSABILIDADE, LEGISLATIVO, INVESTIGAÇÃO, AUSENCIA, PUNIÇÃO, DEMORA, JUDICIARIO, RECLAMAÇÃO, ATUAÇÃO, MEMBROS, EXPOSIÇÃO, IMPRENSA, OBJETIVO, ELEIÇÕES.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

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O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o povo brasileiro tem acompanhado diariamente uma verdadeira avalanche de informações relatando o que se passa nas diversas Comissões Parlamentares de Inquérito instaladas no Senado, na Câmara ou, no caso das Comissões Mistas, no âmbito do Congresso Nacional. Embora essas Comissões já tenham alguma tradição na nossa atividade parlamentar, é certo que elas adquiriram mais efetividade e visibilidade desde que foi promulgada a Constituição de 1988. O interesse popular, entretanto, mostra-se mais aguçado quando as CPIs acontecem, como agora, no bojo de uma crise política.

A sociedade ainda acompanha os desdobramentos do término da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios. No âmbito do Congresso Nacional, encontra-se ainda em andamento a CPMI da Emigração Ilegal, enquanto a CPI da Compra de Votos, mais conhecida como CPI do Mensalão, encerrou-se sem a aprovação do relatório final - o relatório parcial, como se sabe, foi encaminhado à Presidência da Câmara dos Deputados.

Naquela Casa irmã, está em funcionamento a CPI do Tráfico de Armas, enquanto duas CPIs, a das privatizações e a do caso Waldomiro Diniz, aguardam instalação no Senado Federal.

No momento em que os resultados dessas comissões parlamentares começam a se delinear, sob o acompanhamento atento da opinião pública e a expectativa e tensão dos próprios Senadores e Deputados, é oportuno fazer uma reflexão sobre esse instituto, que tem suas origens históricas na experiência do Parlamento inglês e que foi introduzido na nossa legislação expressamente pela Constituição de 1946.

Antes de mais nada, cumpre dizer que as comissões de inquérito no âmbito parlamentar, ao lado de outros institutos, como a medida provisória, representam um dos instrumentos de promoção do equilíbrio na correlação de forças dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse mecanismo, conhecido nos países anglo-saxões como “freios e contrapesos”, entre nós, objetiva estabelecer o equilíbrio nas atribuições, responsabilidades e competências de cada Poder e também a forma como cada um pode intervir para evitar eventuais abusos de outros.

Trata-se, sem dúvida, de um tema complexo, eis que, ainda hoje, e não obstante os dispositivos de ordem constitucional e infraconstitucional, o Poder Judiciário é freqüentemente chamado a dirimir dúvidas sobre a natureza e, principalmente, sobre os poderes da CPIs. E ainda que o Judiciário decida com cautela, como tem acontecido, não há como agradar a “gregos e troianos”, o que explica eventuais descontentamentos dos Parlamentares em relação, supostamente, a uma intervenção excessiva daquele Poder.

A constituição de comissões de inquérito pelo Poder Legislativo, embora fizesse parte de nossas tradições políticas, seria explicitada somente na Constituição de 1946.

As Cartas de 1967 e 1969, embora mantivessem esse instrumento, sem maiores alterações, acabavam por inviabilizá-lo, pois proibia despesas com viagens para os membros das CPIs, dispositivo que, afinal, seria suprimido do texto constitucional em 1982.

A Constituição de 1988 seria um grande divisor de águas no que concerne ao funcionamento das comissões parlamentares de inquérito ao garantir que elas teriam “poderes de investigações próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos Regimentos das respectivas Casas”. Ainda assim, até hoje se discutem quais são esses poderes e quais são suas limitações, pois, se é certo que o Legislativo detém esse poder, também é certo que, sendo amplo, não é, contudo, ilimitado.

Sr. Presidente, as discussões a esse respeito parecem intermináveis. Porém, em tese, há um razoável consenso sobre a matéria, como se pode inferir da posição manifestada pelo Supremo Tribunal Federal, em emenda de acórdão no Habeas Corpus nº 71.039/RJ:

Às Câmaras Legislativas pertencem poderes investigatórios, bem como os meio instrumentais destinados a torná-los efetivos. Por uma questão de funcionalidade, elas os exercem por intermédio de comissões parlamentares de inquérito, que fazem as suas vezes. Mesmo quando as comissões parlamentares de inquérito não eram sequer mencionadas na Constituição, estavam elas armadas de poderes congressuais, porque sempre se entendeu que o poder de investigar era inerente ao poder de legislar e de fiscalizar, e sem ele o Poder Legislativo estaria defectivo para o exercício de suas atribuições.

            O que se percebe, Srªs e Srs. Senadores, é que a experiência acumulada com sucessivas instalações de CPIs, típicas, aliás, de um regime democrático, vem contribuindo para a melhor compreensão do seu papel na vida política, bem como de seu alcance e de suas limitações. Mas é notório que estamos longe ainda de um entendimento mais abrangente e, sobretudo, mais preciso.

A opinião pública, muitas vezes alheia a questões dessa natureza, incomoda-se por outras razões: basicamente, porque nem sempre vê os resultados que esperava de uma CPI, por inépcia de seus integrantes, por limitações a seu poder de investigar, por descontinuidade da investigação ou ausência de punições em outras instâncias, mas também por desconhecimento do seu papel e de sua finalidade.

Sendo as CPIs essenciais à consolidação do regime democrático e ao equilíbrio dos Poderes, é mister que nós, Parlamentares, aperfeiçoemos, cada vez mais, o funcionamento desses mecanismos, respeitosos às questões de ordem jurídica, mas atentos, também, ao clamor popular que reivindica resultados concretos.

O jornal Folha de S.Paulo, em janeiro do corrente, publicou ampla matéria sob o título: “Balanço de CPIs revela que punição é rara”. Cabe esclarecer que a CPI, por si, não pune ninguém, mas investiga atos suspeitos e, confirmando ilícitos, encaminha o resultado das apurações aos órgãos competentes. O título da reportagem, portanto, induz o leitor menos esclarecido a culpar a CPI pela ausência de punição, ainda que essa não tenha sido a intenção dos jornalistas.

De fato, Sr. Presidente, há uma grande confusão na opinião pública a respeito do funcionamento das CPIs e de eventuais punições a quem quer que seja, porquanto punir não é atribuição das comissões de inquérito. Entretanto, as ponderações da reportagem não devem ser desprezadas. O periódico analisou as CPIs de maior abrangência e impacto nos últimos anos e concluiu que os resultados poderiam ter mais efetividade.

“A análise de resultados produzidos por cinco importantes CPIs nos últimos quinze anos mostra que elas fizeram muito barulho na mídia, projetaram carreiras políticas, mas em poucos casos geraram punições como condenações e prisões dos investigados”, relata o periódico, após ouvir parlamentares, juízes e procuradores, tendo como objeto as CPIs do PC Farias, do Orçamento, dos Títulos Públicos, do Narcotráfico e do Banestado. “É consenso no meio político e jurídico que há um descompasso entre a investigação parlamentar e judicial”, aponta a reportagem, que também acrescenta: “A falta de conseqüências jurídicas para as acusações formuladas pelas CPIs é agravada pela lentidão da Justiça, onde, freqüentemente, os processos se arrastam até serem arquivados, porque os crimes prescrevem”.

O jornal também aponta algumas atitudes equivocadas no funcionamento das comissões, como os vazamentos de informações para a imprensa e, por outro lado, o predomínio de objetivos políticos ou eleitorais, em detrimento da formulação de provas mais robustas das irregularidades investigadas. 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no encerramento de uma CPMI, na qual a opinião pública se concentrou por quase um ano e diante de outras comissões recentemente concluídas ou por se encerrarem, esse instituto merece uma reflexão aprofundada de todos nós. É gratificante saber que as CPIs têm funcionado sem qualquer risco para a nossa vida democrática, ao mesmo tempo em que é preocupante saber que os resultados concretos desses inquéritos estão muito aquém da expectativa da população. Ao mergulharmos no exame dessas questões, devemos procurar formas de tornar as CPIs mais efetivas na comprovação dos atos ilícitos, para posterior exame pelo Ministério Público, mas devemos, principalmente, estabelecer condições para prevenir a ocorrência dessas irregularidades.

Sr. Presidente, encerrando, então, faço um breve relato do histórico desde 1946, para que a população brasileira possa entender como funcionam as CPIs e as suas limitações. O Congresso Nacional, que tem no seu berço o poder de instalar e de investigar, não tem o poder de punir. Toda a ação, todos os procedimentos, todas as investigações, quando concluídas, são encaminhadas ao Ministério Público. Por esse motivo, é preciso uma consciência histórica, Sr. Presidente, para que possamos compreender com perfeição os mecanismos e como funcionam as comissões parlamentares de inquérito. Essas comissões dão equilíbrio ao povo brasileiro.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2006 - Página 11639