Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o significado da Páscoa, festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. (como Líder)

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
RELIGIÃO.:
  • Reflexão sobre o significado da Páscoa, festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. (como Líder)
Aparteantes
Amir Lando, Mão Santa, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2006 - Página 11860
Assunto
Outros > RELIGIÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, FESTA, FERIADO RELIGIOSO, DOUTRINA, IGREJA, EPOCA, VALORIZAÇÃO, VIDA, SOLIDARIEDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

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A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - De fato, como inscrita, a mim caberiam 20 minutos, mas flexibilizarei para garantir que todos falem.

Sr. Presidente, de fato, não vou tratar dos assuntos que, de alguma forma, rechearam a pauta de debate durante esses dias, embora acaba tratando deles também. Vou falar sobre a Páscoa, a Semana Santa, sobre os gestos extremamente importantes da vida de um homem muito especial, tenho certeza, não apenas para os cristãos, mas para todos aqueles que, de alguma forma, vinculam-se à espiritualidade, sejam budistas, sejam muçulmanos, sejam vinculados a religiões afro-descendentes. Tenho certeza de que não apenas os cristãos conseguem identificar a figura belíssima, movida pela coragem, pela humildade, pela esperança, pela combatividade, como foi e como acaba sendo exemplo freqüente na vida de todos nós, que é Jesus Cristo. E esta semana tratamos sobre Ele.

Eu sempre digo que todas as vezes que fazemos a leitura do Evangelho ou da história da Bíblia, de uma forma geral, é sempre importante buscarmos também a comparação com os momentos presentes, com a realidade concreta. E o Domingo de Ramos é uma parte muito bonita, cheia de aclamação. Lá vinha Jesus entrando na cidade. Até aquele momento, o povo estava todo com Ele, aclamando-o, dando júbilo, abraçando-o como Filho de Deus. A partir do momento que a estrutura do poder - do poder político, do poder econômico, do que representava o poder à época -, que era Pilatos, entra em cena, e entra em cena de uma forma mais covarde do que Judas...

Por quê, Senador Mão Santa? Claro que a história de Jesus Cristo é de combatividade permanente. Imagine chegar Jesus Cristo frente aos fariseus, aos escribas, aos sicofantas, aos homens que se achavam representantes únicos de Deus e que eram os grandes interpretadores das leis, e dizer: “As crianças, as meretrizes estarão primeiro do que vocês no reino de Deus”. Imagine a confusão! Imagine a confusão entrar no templo, Senador Pedro Simon, e sair com o chicote, batendo nos vendilhões do templo, com um monte de crianças. Fico imaginando aquele monte de menininhos e menininhas aos gritos, como criança gosta de fazer.

Este mesmo Jesus foi exemplo de tantas cenas de humildade belíssimas, inclusive a que se celebra e se compartilha amanhã, que é o Lava-pés. Olha que coisa linda! Ele, o Filho de Deus, humildemente, vai lavar os pés dos seus discípulos. Imagine o que é Ele estar na casa de uma personalidade superpoderosa e aceitar, sob pena de saber o castigo que teria e o que poderia acontecer, que uma pobre moça das ruas chegasse e, com as lágrimas, lavasse os seus pés; com os longos cabelos, enxugasse os seus pés; e, com o ungüento que ela usava para atividades tão distintas, perfumasse os pés de Jesus. Imagine o significado disso à época! Não foi uma coisa qualquer o que aconteceu.

E, depois, Ele vai para o julgamento. E Ele também mostra o quanto o Filho de Deus trazia toda a fragilidade de homem que Ele não escondeu. Aquela cena belíssima do Monte das Oliveiras em que Ele, tão desesperado estava, suou suor de sangue - olhe que desespero! -, e Ele, Filho de Deus, disse: “Pai, acaso seja da Tua vontade, afasta de mim esse cálice, tira de mim essa tarefa”. E depois foi para o julgamento.

Volto a dizer que Pilatos ainda foi pior do que Judas, porque Judas traiu pelo dinheiro; recebeu dinheiro para entregá-Lo. Ele não sabia que iam matar Jesus. Quando viu que Jesus estava sendo tão massacrado, tão agredido, o que foi que Judas fez? Correu ao templo e jogou o dinheiro; devolveu o dinheiro para os senhores do templo, os sacerdotes, os poderosos. Portanto, ele abriu mão do dinheiro. Ficou tão sofrido e enlouquecido que se suicidou. Portanto, pagou com a própria vida. Ele mesmo fez isso, Pilatos não. Pilatos trocou Jesus não pelo dinheiro, que devolveu; trocou Jesus pelo poder. Foi por isto que Pilatos o traiu: pelo poder. Ele sabia que, se dissesse não, iria enfrentar a rebeldia do povo, que iria dizer a Herodes e, portanto, ele poderia perder o cargo. Ou seja, ele trocou a vida de alguém que ele sabia antecipadamente que era inocente, jogou-o para condenação, pelo poder. Porque, senão, a rebeldia do povo, dos sacerdotes, levaria a questão ao imperador e haveria a possibilidade de ele perder o cargo, o prestígio, o poder.

E este mesmo Jesus - este danadinho! -, este Jesus é realmente uma história belíssima, maravilhosa. Imaginem o enfrentamento que Ele sofreu. Quando Ele chega ao local da condenação, os soldados pegaram os galhos da roseira mais cheia de espinhos e lhes perguntaram: “Ah! Tu és Rei? Então, cuspo-te a cara para te humilhar. Cadê o teu Pai que não te salva? Tu és reis, terás uma coroa”. Qual é a coroa? Da roseira mais cheia de espinhos fizeram uma coroa para humilhá-lo como rei. Do mesmo jeito que, em cima da cruz, onde o crucificaram, disseram: “Eis aqui o filho de Deus”. E Lá, naquele momento, também tão sofrido, Ele sabia da missão porque, no Monte das Oliveiras, quando suou suor de sangue, disse: “Meu Pai, se possível, me afaste esse cálice” e, depois disse: “Se não é da tua vontade, deixe a tarefa para eu cumprir”. E quando Ele estava crucificado, depois de ter sido humilhado, ter passado por situações tão diversas, Ele, lá na cruz ainda faz o último gesto tão humano: “Elohim, Elohim, porque me abandonaste?” “Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” E é ali também que Ele dá o mais belo exemplo. Eu, às vezes, falo muito aqui sobre o tratamento diferenciado que Jesus deu ao ladrão rico e ao ladrão pobre. Ao ladrão rico, que era Zaqueu, mandou devolver quatro vezes o roubado para poder ser perdoado, enquanto que a primeira pessoa que Ele levou para o Reino do Pai, do seu Pai, foi o mais pobrezinho, o ladrãozinho mais pobrezinho que nada tinha a devolver e que estava crucificado com ele, Dimas. Foi a primeira pessoa. Não foi a nenhuma outra. Foi justamente Dimas a primeira pessoa a quem Ele disse: “Estarás comigo hoje no Reino do meu Pai”.

Então, eu acho que nesses momentos em que nós celebramos é que nós fazemos uma retrospectiva muito importante, que vai das celebrações de Domingo de Ramos, o encantamento do Domingo de Ramos e tantas outras coisas mais.

Antes de terminar, eu concedo um aparte ao Senador Mão Santa. Não sei se o Senador Pedro Simon deseja usar a palavra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloisa Helena, eu e todo o País estamos atentamente a ouvi-la. V. Exª me permita: vendo a coragem de V. Exª, dissertando sobre a fraqueza de Pilatos, maior... Fraqueza não. Interesse, ambição, covardia maior do que a de Judas, vendo a coragem de V. Exª, vendo a coragem, a pureza, queria lembrar a mulherzinha de Pilatos. A Adalgizinha dele chegou e disse: olha, o homem é bom, você está sendo fraco, não faça isso. Verônica que venceu os militares, enxugou o rosto de Cristo. As três mulheres estavam lá: as Marias. E as outras que foram no túmulo e disseram para o mundo que Ele ressuscitou. Se fosse homem talvez ninguém tivesse acreditado, porque ou estava bêbado ou mentindo. Estou orgulhoso. Dizem que estamos com uma história velha. Não. É uma história atual. É como o Pai Nosso - não é velho! - é como a Ave Maria. Vi uma história recente ontem, uma mulher que se tornou Presidenta - segundo Aurélio Buarque, é presidenta mesmo - do Chile. Estou orgulhoso. Sou mais Heloisa Helena. Ela estava aqui ontem nesta tribuna. Ela é médica, é da ciência da saúde, é pediatra. V. Exª é enfermeira, aquela para a qual nunca se prestou uma homenagem, um desfile, mas de quem se lembra na hora do sofrimento e da dor. Entendo que este País está com muita dor e muito sofrimento e poderá lembrar o nome de V. Exª para ser a primeira presidenta deste País.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Obrigada, Senador Mão Santa, obrigada de coração. Sei que as palavras de V. Exª correspondem à generosidade da sua vida e do seu coração.

Concedo um aparte ao Senador Sibá.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Heloisa, é mais para elogiar V. Exª pela forma com que vem à tribuna hoje, destoando do cotidiano pelo assunto que traz a esta Casa na antevéspera da Páscoa, na Semana Santa, que, em tempos anteriores, praticamente se comemorava a semana inteira e que agora está reduzida à quinta, à sexta-feira e ao grande domingo, que é o da Ressurreição. Faz V. Exª uma retrospectiva da vida desse Líder Cristão cujos ensinamentos cristãos orientam praticamente 50% da população do Planeta. Fico aqui imaginando que temos até uma dívida conosco mesmo. Quem sabe pudéssemos, nós os que comungamos dessa fé católica ou da fé cristã em geral, talvez dedicar um momento do dia de hoje para uma oração! Quem sabe?! Independentemente do que temos para resolver depois, na semana que vem, entendemos que, acima dessas coisas, há uma responsabilidade muito maior. E o pronunciamento de V. Exª traz esse desafio para que nos lembremos de que, independentemente dos nossos acertos e desacertos, concordâncias e discordâncias, nós temos algo muito maior para pensar e construir em torno do bem estar da sociedade e é claro também da espiritualidade de cada um. Portanto, faço esse breve elogio ao pronunciamento com que V. Exª nos brinda nesta tarde da antevéspera de Páscoa.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço de coração a V. Exª, Senador Sibá Machado, e concedo um aparte ao Senador Amir Lando.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senadora Heloísa Helena, a oração de V. Exª hoje é perfeita e não caberia aparte. Por isso ouvi com muita atenção.

(Problema com o som.)

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Acho que é melhor outro microfone, Senador Amir Lando.

            O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Faz jus exatamente ao que eu falava. A oração de V. Exª é perfeita e acabada e não caberia um aparte tão singelo quanto o meu. De qualquer maneira eu não poderia deixar de agregar a essa reflexão daqueles que têm um credo e professam uma religião, sobretudo aquela prevista no Evangelho. Não há dúvidas de que a reflexão que se faz dessa missão de Cristo, do Deus que se fez homem, é uma reflexão de humildade, de um Deus que assume a forma humana, que dá dignidade divina ao ser humano. Michelangelo, na Capela Sistina, fez uma pintura em que Adão se aproxima, cara a cara, vis-à-vis, de Deus e praticamente toca com o polegar na Divindade. É o momento supremo desta visão que se tem em que o homem assume a condição divina e Deus, a condição humana. É exatamente esse o papel de humildade que todos nós devemos recolher neste momento de reflexão, na Páscoa, que é o momento de transição da vida terrena para a vida eterna. É exatamente nessa ressurreição que poderíamos fazer ressurgir um Brasil à imagem e semelhança dos ensinamentos de igualdade diante de Deus e diante da Lei, porque este é um ponto elevado em que todos somos iguais. Exatamente, como ressurgir na paz, na harmonia, através desse ato de humildade e até de humilhação? Porque, como V. Exª citou, o lava-pés é o momento em que a autoridade maior da Igreja desce à condição de qualquer homem mais comum. Aí está, mais uma vez, uma afirmação dessa igualdade. É esta a grandeza dos ensinamentos: todos merecem esse padrão que nasce, morre e ressuscita para outra vida. É exatamente essa visão escatológica que a Igreja oferece. E Gabriel fala que a fé é um salto no escuro, mas é exatamente esse salto em que cada um se coloca diante do cosmo e dessa visão teológica. É um momento em que poderíamos reconciliar os interesses, às vezes mesquinhos, que pairam e dominam a política para construir a nação de todos nós, a nação da igualdade, da fraternidade, da dignidade humana, em que o homem está no centro e Deus acima de todos. Muito obrigado.

 A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Amir Lando.

Mais uma vez, para deixar registrado, claro que não estamos, ao prestar o tributo à história de luta, humildade e perseverança de Jesus, não estamos a reivindicar, como cristãos, de forma vaidosa ou soberba, os donos da verdade absoluta. Claro que não estamos a fazê-lo. Senador Amir Lando, digo sempre que - inclusive, conheço-os - tenho amigos ateus ou agnósticos que, com certeza, são capazes de gestos de solidariedade bem maiores do que muitos daqueles que, tais e quais hipócritas e fariseus, sentam, às vezes, no primeiro lugar do banco da igreja para fazer de conta que são ungidos por Deus. Do mesmo jeito, em relação a todas as outras tradições. Acho que há um único Deus. Seja o de Abraão, o de Moisés, o de Buda, o de Maomé, o de Jesus Cristo, há um único. E cada um se inspira na vida de um desses profetas. 

Só para concluir, mais uma vez quero dizer dessa história de tantos momentos maravilhosos. Nela, ao mesmo tempo, há a humildade porque Jesus teve gestos de humildade os mais belos e de enfrentamento às normas, às tradições, aos rituais cínicos, hipócritas e mentirosos quando impediu o apedrejamento de Maria e quando curou no sábado dentro do templo. Não que estivesse a dizer que não seguia nenhum dos rituais porque Ele, como judeu, também os fazia, mas só para dizer que, entre o ritual e o amor em plenitude, o amor em plenitude tem que estar à frente. Por isso Ele foi capaz de, ao mesmo tempo em que tinha uma pobre mulher do povo, que vendia o corpo por um prato de comida e lavou com suas lágrimas os pés de Jesus, enxugou-os com seus longos cabelos e os perfumou, Jesus também fez isso com os seus apóstolos no lava-pés, que, nos rituais da Igreja, é amanhã. Esse mesmo homem que foi tão humano pelo medo, que foi tão humano no Monte das Oliveiras, suando suor de sangue e pedindo “Pai, afasta de mim este cálice”, esse homem que foi tão humano que, no auge do medo e do temor, já crucificado, gritou “Elohim, Elohim, Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, esse mesmo homem que deu demonstrações de coragem, de valentia e de humildade é o homem a quem, de alguma forma, a gente presta homenagem ao celebrar a paz, a coragem, a esperança, a humildade de toda a Semana Santa, não apenas do Domingo de Ramos, mas de todos os enfrentamentos anteriores até a ressurreição.

Que todos, neste período de Páscoa, lembremos todas essas histórias belíssimas que não foram apenas contadas, porque não eram apenas contadas, não eram apenas palavras. Como Jesus disse: “Ouçam as palavras deles, mas não copiem o que fazem, porque não sabem”. Falavam, falavam, mas não faziam. É uma história de dedicação, de humildade, de opção pelos pobres, pelos excluídos, pelos marginalizados e por tantos outros.

O Senador Mão Santa lembrava-se de quando estava Jesus com André e Pedro - Pedro, coitado, O negou várias vezes, mas depois se recompôs. Pedro e André estavam caladinhos do lado d’Ele quando uma mulherzinha do povo que nem nome tinha enfrentou todo o mundo ao vê-lO se arrastar com a cruz. Uma mulherzinha simplória, do povo, enfrentou tudo para dar água a Jesus. Essa não é uma história, mas um exemplo. Que esse exemplo faça parte da nossa reflexão cotidiana. A ressurreição não foi apenas da carne, do corpo - aquele momento belíssimo. A ressurreição significa, acima de tudo, o renascimento. Que possamos celebrar todos os dias o renascimento em solidariedade, em coragem e em esperança.

E repetindo Santo Agostinho, meu querido Senador Pedro Simon, ele dizia que a esperança tem duas filhinhas lindas: uma é a indignação e a outra é a coragem. Indignação de nunca aceitar a injustiça; e a coragem de mover montanha, se preciso for, para modificar.

Então, uma feliz Páscoa para todos os funcionários, não apenas do meu gabinete, mas a todas as Senadoras e Senadores e a todos que nos acompanham, fazendo a fiscalização extremamente importante do Parlamento, a todos que estão aqui presentes, aqueles que estão nos fiscalizando, ouvindo, ou vendo a TV Senado e a Rádio Senado, que celebremos a Páscoa, com os ovos de Páscoa também, não há nenhum problema, a partilha, o coelhinho da Páscoa, o chocolatezinho, mas não referenciado unicamente no comércio, mas referenciados na partilha, na troca, na solidariedade, que isso realmente é que deve mover mentes e corações no nosso Brasil.

Obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2006 - Página 11860