Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Em defesa da Senadora Ideli Salvatti, que não pode permanecer no Plenário para responder às críticas a seu pronunciamento. Lembrança do massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, quando trabalhadores rurais foram executados pela polícia do Estado do Pará.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Em defesa da Senadora Ideli Salvatti, que não pode permanecer no Plenário para responder às críticas a seu pronunciamento. Lembrança do massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, quando trabalhadores rurais foram executados pela polícia do Estado do Pará.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2006 - Página 11882
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • DEFESA, CONDUTA, IDELI SALVATTI, SENADOR, IMPOSSIBILIDADE, COMPARECIMENTO, PLENARIO, REPLICA, CRITICA, DISCURSO, AUTORIA, CONGRESSISTA.
  • COMENTARIO, ANIVERSARIO, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), AUTORIA, POLICIA MILITAR.
  • DETALHAMENTO, CIRCUNSTANCIAS, OCORRENCIA, GENOCIDIO, REPUDIO, TENTATIVA, POLICIA MILITAR, LEGITIMAÇÃO, VIOLENCIA, CRITICA, IMPUNIDADE, AUTOR, CRIME.
  • EXPECTATIVA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), APROVAÇÃO, SENADO, POSSIBILIDADE, REGULARIZAÇÃO, POSSE, TERRAS, REDUÇÃO, CONFLITO, ZONA RURAL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mulheres, funcionários e todos aqueles que nos assistem e que nos ouvem também, por muitas vezes, senti-me tentada a entrar no debate da conjuntura.

Farei apenas um registro com relação à Senadora Ideli Salvatti, Líder do meu Partido, pois acho que ela foi extremamente injustiçada aqui. A Senadora estava preocupada e poderia nem falar, porque perderia o vôo - fez check in antecipado - e teve de sair literalmente correndo. S. Exª não é uma mulher de fugir de debate algum, e todos sabem disso. No entanto, às vezes, tentam repetir algumas coisas para que elas se transformem em verdade.

Não poderia deixar de vir, porque não sei se segunda-feira, dia 17 de abril, estarei aqui ou lá no meu Estado. Não poderia deixar de falar sobre uma tragédia que aconteceu há dez anos - no dia 17 de abril completará dez anos. Refiro-me ao massacre de Eldorado dos Carajás. Quero dizer que esse dia não se apagará da memória de muitos de nós, especialmente de nós, paraenses.

            A Polícia Militar, no dia 17 de abril, dez anos atrás, praticou o maior massacre fundiário da história da República do Brasil. Foram mais de 80 pessoas feridas: 69 sem-terra, 12 policiais militares e 19 mortos. Houve 19 assassinatos. Foi uma grande confusão. Lembro que havia acusações, supostas testemunhas, muitas mentiras, muitos desmentidos...

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Tudo bem. Concederei a V. Exª um breve aparte, porque Eldorado dos Carajás é uma lembrança triste, trágica e muito forte, especialmente para mim.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senadora Ana Júlia Carepa, lamento interrompê-la. Eu estava atendendo a uma ligação. Considero justa sua solidariedade à sua Colega - não foi para mim surpresa. No entanto, peço que sua solidariedade seja justa. Eu fui acusado, eu não provoquei...

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/ PT - PA) - Desculpe, eu não vi V. Exª ser acusado.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Eu não provoquei a Líder, que me incitou fazendo insinuações a respeito de pronunciamento que fiz aqui na semana passada com relação ao comportamento do Relator em determinado episódio. Se ela sabia que estava com o horário limitado... É uma praxe nesta Casa - e esta é uma Casa que prima muito pela ética e pelo respeito ao companheiro - não se falar do Colega na sua ausência; não se provoca e sai. Se não podia, poupasse, guardando sua manifestação para segunda-feira ou terça-feira. Agora, não é justo fazer acusações e não ficar aqui para sustentá-las. E quero também pedir a justiça de V. Exª, pois não é a primeira vez que isso acontece. Faço apenas este registro, para que não fique nenhuma dúvida sobre esta questão. Muito obrigado.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador Heráclito Fortes.

Quero dizer que eu estava aqui, mas não ouvi nenhuma acusação. Pode ser que, como V. Exª está dizendo, eu não tenha percebido alguma coisa. Mas não vou deixar de defender a Senadora Ideli Salvatti, porque não foi só V. Exª quem falou, embora eu nem estivesse me referindo a V. Exª, mas a outros Senadores que subiram à tribuna e falaram sobre a Senadora.

Esse é um debate que pode continuar na segunda-feira ou na terça-feira, com a presença de todos, para que as pessoas possam se defender, mas gostaria de ter o direito de falar sobre Eldorado do Carajás.

Quero lembrar, sim, este trágico e triste episódio que foi Eldorado do Carajás. Eu vivi esse momento. Por coincidência, eu estava no segundo ano de meu primeiro mandato de Deputada Federal. Eu passava pelo corredor onde ficava meu gabinete no Anexo IV, quando me ligaram avisando o que havia ocorrido. Voltei ao plenário da Câmara dos Deputados para falar sobre o episódio: várias pessoas haviam morrido, e, até aquele momento, não sabíamos quantas; tinham usado de uma violência absurda contra os trabalhadores sem-terra.

No dia 10 de abril, 1,5 mil famílias haviam começado uma caminhada, a Caminhada pela Reforma Agrária. Um dia antes do massacre, às 15 horas, as famílias tinham montado um acampamento no quilômetro 96 da PA - 150, na chamada “curva do s”.

Os trabalhadores haviam interditado a estrada e negociavam com o Governo do Estado, exigindo, inclusive, alimentos. Estavam, há mais de um ano, aguardando uma solução da Justiça, inclusive sobre a situação da Fazenda Macaxeira. A Polícia Militar acompanhava a marcha. Esses trabalhadores ficaram literalmente encurralados. Uma tropa veio de Marabá, comandada pelo Coronel Mário Colares Pantoja; e outra, de Parauapebas, comandada pelo Major Oliveira.

Estudei o assunto. Cheguei a ir ao programa do Jô Soares, que, à época, não era feito na Rede Globo, para falar sobre Eldorado. Conheço a história. Depois que o processo saiu da esfera da Justiça Militar, tivemos mais acesso a ele. E pudemos ver a cena a que o Brasil inteiro e o mundo assistiram em que parecia que a Polícia reagia ao ataque dos sem-terra. Se fosse isso já seria um absurdo, porque só morreu gente de um lado, porque só morreram trabalhadores sem-terra, Senador Paulo Paim. Foram dezenove mortos. V. Exª era Deputado, à época, como eu.

Portanto, foi com tristeza e com apreensão que voltei para o plenário da Câmara do Deputados para anunciar que havia acontecido um massacre.

Posteriormente, soubemos da história, que apareceu na televisão, na imprensa. Fiz parte de uma comissão de Deputados e de Senadores que foi ao Pará. Fomos ao local, vimos os corpos, numa cena que jamais esquecerei na minha vida, numa cena macabra, terrível, de 19 pessoas mortas, assassinadas.

Foi um ato de covardia e, infelizmente, de impunidade, porque, dez anos depois, ninguém sequer está preso! Quase disseram que os sem-terra se suicidaram, só faltaram dizer isso no julgamento! O Governador Almir Gabriel, do PSDB, e o Secretário de Segurança não foram sequer indiciados pelo Ministério Público Estadual. Infelizmente, foram exatamente o Governador e o Secretário que deram a ordem: “Desobstrua, a qualquer custo!”. Eles estavam negociando, interromperam a negociação.

E, como eu dizia, aquela cena divulgada para o País inteiro em que os sem-terra avançavam com paus, com terçados - havia um revólver -, parecia um ataque. Mas vi o filme inteiro, e não era um ataque: era o segundo momento do massacre, era uma defesa.

E bastava ver todo o filme - o cinegrafista estava do outro lado, onde estavam as tropas de Parauapebas, comandadas pelo Major Oliveira -, para constatar que a tropa de Marabá, formada por policiais armados e protegidos, desceu do ônibus atirando. E já havia Polícia. Percebe-se que o cinegrafista sai correndo quando ouve os tiros. Ouve-se o barulho, e pode-se ver a fumaça das metralhadoras.

Naquele momento, os trabalhadores sem-terra tentaram resgatar o corpo do primeiro assassinado, um sem-terra conhecido como Mudinho. Ele foi o primeiro assassinado exatamente porque era surdo-mudo. Ele não ouviu que os policiais já haviam descido do ônibus atirando. Os policiais pararam o ônibus atrás de um caminhão, que eles tinham colocado como barreira, e ele não ouviu. Ele tinha descido do caminhão, os policiais desceram do ônibus atirando, e ele foi o primeiro a tombar, foi o primeiro a ser assassinado. Os sem-terra foram tentar resgatar o corpo de Mudinho.

Esse foi um fato trágico na história do Brasil. Gostaria que nunca tivesse ocorrido, que nunca precisássemos lembrar dele, mas é preciso mostrar a verdade, porque muitos dizem que a Polícia matou em legítima defesa. Não é verdade! A Polícia chegou atacando, atirando, matando, assassinando!

É um exemplo triste e doloroso da falta de noção de alguns governantes sobre o que é democracia, sobre o que são direitos, sobre o que é a vida de um ser humano. E é para que não vivamos mais esses momentos que vamos relembrar, sim, Eldorado dos Carajás, esse triste massacre.

Eu falei da impunidade. Infelizmente, os únicos dois condenados, Coronel Pantoja e Major Oliveira, estão cumprindo pena em liberdade.

O meu Estado ainda tem muitos passos a dar em busca da paz no campo, mas tem dado passos importantes. Há pelo menos dezessete anos, neste País, Senador Paulo Paim, não se fazia regularização fundiária. E no Pará também isso se verificava. O Estado é campeão de morte e de violência no campo, campeão de trabalho escravo, mas ali hoje se faz um processo de regularização fundiária.

A Medida Provisória do Bem, que nós, Senadores e Deputados Federais, aprovamos, traz no seu bojo a possibilidade de que milhares e milhares de famílias possam, enfim, ter seu título de terra; pelo menos aqueles que têm até 500 hectares. Na verdade, essa medida atingirá quase 90% dos que têm propriedade na Amazônia, ou seja, a grande maioria dos agricultores.

Aproveito para desejar uma feliz Páscoa a todos os Senadores, Deputados, funcionários, em especial ao povo do meu Estado, e àquelas pessoas que tombaram em Eldorado dos Carajás, aos defensores dos direitos humanos e outras lideranças que continuaram tombando, mortos, assassinados inclusive pelo aparato de Estado, ou seja, pela Polícia. Infelizmente, há uma relação promíscua entre setores do Estado e o latifúndio assassino. Não são todos os latifúndios - façamos justiça - mas há um setor do latifúndio que faz parte do consórcio da morte, que financia a violência.

Desculpem-me se falo com emoção, mas é impossível, para mim, não falar com emoção de um fato que ocorreu no meu Estado e cujas conseqüências eu tenho vivido em relação ao que significa a violência contra os trabalhadores.

Hoje é fácil criticar o MST. Não que eu concorde com todas as ações, de algumas eu discordo, mas, quando se analisa o histórico, o número de mortes e assassinatos de trabalhadores rurais, de defensores dos direitos humanos, verifica-se o quanto, infelizmente, essa balança pesa contra os trabalhadores e sempre a favor dos poderosos.

            Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que, com certeza, ainda temos muitos passos a dar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Prometo concluir neste minuto, Sr. Presidente.

Dos 18 mil trabalhadores resgatados do trabalho análogo ao trabalho escravo no Brasil, desde a criação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho, em 1995, há mais de 10 anos, 12 mil, dois terços, foram libertados no atual Governo, o que mostra, sim, o compromisso deste Governo com a regularização fundiária, a ampliação de recursos e a assistência técnica. 

Enfim, não dá para consertar toda herança maldita em pouco tempo, mas estamos dando passos firmes para que o episódio de Eldorado dos Carajás não se repita e que ele fique na nossa memória como um exemplo triste, e que, neste momento de Páscoa, de renascimento, renasça também em nosso coração a esperança de viver um País melhor.

Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senadora Ana Júlia Carepa, futura Governadora do Estado do Pará, esta Presidência gostaria muito...

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Fora do microfone.) - Agora não.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Então, no momento adequado.

Gostaria de registrar toda solidariedade da Mesa do Senado ao seu pronunciamento, para que fatos como esse não voltem a acontecer no nosso País.

            O massacre de Eldorado dos Carajás, em que dezenove agricultores foram covardemente assassinados, faz com que o pronunciamento de V. Exª repercuta em todo o País. Massacre de Eldorado dos Carajás, nunca mais!

            Parabéns a V. Exª.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2006 - Página 11882