Discurso durante a 31ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem aos 80 anos do grande poeta Thiago de Mello.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem aos 80 anos do grande poeta Thiago de Mello.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2006 - Página 10493
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, THIAGO DE MELLO, POETA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), LEITURA, OBRA LITERARIA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, compartilho do sentimento do Senador Arthur Virgílio. Claro que, como o Senador, não tive a honra de conhecer Thiago de Mello. Certamente nós, nordestinos - V. Exª, eu, o Senador José Agripino -, temos uma visão das águas diferente de um homem que viu tantas águas, como o Senador Arthur Virgílio. Quem vive na Amazônia, quem vive no Norte pode ter tem uma visão da água diferente da nossa. Talvez ninguém tenha cantado tanto as águas como o Thiago de Mello, naquela passagem linda, que diz: “Junta-se um rio a outros rios, juntos todos os rios fazem a sua luta”.

Mas, para prestar minha solidariedade - eu sabia a de cor, mas tenho medo de que o tempo tenha me feito esquecê-la -, como um tributo, quero ler uma poesia belíssima de Thiago de Mello - ele só errou o título, porque escreveu só Estatuto do Homem e tinha de ser Estatuto do Homem e da Mulher -, feita em abril de 1964, no Chile, época a que V. Exª fez referência. Estou emocionada, mas lerei uma das mais belas poesias:

Estatuto do Homem

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.

Agora vale a vida,

e de mãos dadas,

marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar

como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a se servida

antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha

sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,

qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo,

muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado

nem proibido,

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

(Thiago de Mello)

E eu acrescentaria: e o coração da mulher

Portanto, Senador Arthur Virgílio, desculpe-me a emoção, mas gostaria de compartilhar com V. Exª essa homenagem tão importante ao grande Thiago de Mello.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2006 - Página 10493