Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao poeta Thiago de Mello, que completou 80 anos no último dia 31 de março.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao poeta Thiago de Mello, que completou 80 anos no último dia 31 de março.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2006 - Página 12875
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, THIAGO DE MELLO, POETA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ELOGIO, OBRA ARTISTICA, VIDA PUBLICA, ENGAJAMENTO, POLITICA, LIBERDADE, DEFESA, MEIO AMBIENTE, LEITURA, TRECHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 31 de março, completou 80 anos o poeta Thiago de Mello. faço questão, hoje, de deixar aqui registrada minha homenagem a esse grande amazonense, cuja obra deve ser motivo de orgulho para todos nós, brasileiros.

Nascido no Amazonas, foi, no entanto, no Rio de Janeiro, para onde havia ido estudar medicina, que estreou como poeta. Seu primeiro poema publicado, “Temo por meus olhos”, aparecido em 1950 no suplemento literário do Correio da Manhã, já denunciava sua grande vocação e traçava a direção da obra que se seguiria:

Temo por meus olhos

diante das puras vestes.

E no entretanto, desejo.

Temor que sugere o epílogo

de ser cântaro partido

ao lado de fonte pródiga.

A não contemplar, prefiro

definitiva cegueira.

Não como os homens cegos,

mas como os pés das crianças

que são cegos, caminhando.

“Como os pés das crianças”, Thiago de Mello abriu seu caminho na vida, desistindo da medicina e abraçando corajosamente a poesia.

Do Rio de Janeiro, onde dirigiu o Departamento Cultural da Prefeitura, no efervescente final dos anos 50, Thiago de Mello seguiu para o exterior. Foi adido cultural na Bolívia, no Peru e no Chile, onde estava em 1964, no momento do golpe militar no Brasil. Foi afastado de seu cargo por acolher refugiados políticos e acabou, ele próprio, preso. Em 1965, retornou ao Chile, onde conviveu com o grande poeta Pablo Neruda e continuou seu ativismo político.

            Essa preocupação política e esse engajamento transparecem também em sua obra poética. Em 1965, publica Faz escuro, mas eu canto, assumindo claramente a guinada política de sua obra. Mas ao invés de cair na tentação fácil de “politizar” ingenuamente sua poesia, o poeta alcança “poetizar” a política, ao lançar um olhar profundamente humanista para as questões políticas e sociais, em movimento tão necessário naqueles sombrios anos de chumbo da ditadura militar.

Esse humanismo fundamental transparece indelevelmente em alguns de seus poemas mais famosos. Faço questão, Sr. Presidente, de lembrar aqui alguns versos do magnífico Os Estatutos do Homem, a que o poeta deu, irônica e poeticamente, o subtítulo Ato Institucional Permanente:

Artigo I:

Fica decretado que agora vale a verdade,

agora vale a vida,

e de mãos dadas,

marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo IV:

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

Como a palmeira confia no vento,

Como o vento confia no ar,

Como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo Único:

O homem confiará no homem

Como um menino confia em outro.

Artigo V:

Fica decretado que os homens

Estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

A couraça do silêncio

Nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

Com seu olhar limpo

Porque a verdade passará a ser servida

Antes da sobremesa.

(...)

Artigo Final:

Fica proibido o uso da palavra liberdade,

A qual será suprimida dos dicionários

E do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

A liberdade será algo vivo e transparente

Como um fogo ou um rio,

E a sua morada será sempre

O coração do homem.

Esse apelo à transparência, ao amor à verdade e à liberdade, escrito por Thiago de Mello em Santiago do Chile em abril de 1964, retém hoje, quando vivemos tempos muito diferentes, toda a sua eloqüência e força - marca inequívoca de uma grande obra poética.

Hoje, aos 80 anos, após perambular pelo mundo, Thiago de Mello está de volta ao Paraná do Ramos, à cidade de Barreirinha, no Amazonas. Amazonense de alma universal, hoje é um dos defensores mais eloqüentes da floresta - que, de resto, o poeta sempre carregou consigo, como deixa claro em muitos de seus poemas, como o belo “O Animal da Floresta”, em que evoca “as águas densas que me deram raça e cantam nas raízes do meu ser”.

Enfim, deixo aqui meus parabéns ao grande Thiago de Mello, motivo de orgulho para todos nós. Parabéns - e obrigado, poeta, por compartilhar conosco sua inspiração.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Modelo1 4/25/243:49



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2006 - Página 12875