Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre matéria do jornal Correio Braziliense do último domingo, que traz dados alarmantes sobre a situação das crianças e adolescentes no Brasil.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre matéria do jornal Correio Braziliense do último domingo, que traz dados alarmantes sobre a situação das crianças e adolescentes no Brasil.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2006 - Página 13205
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SITUAÇÃO SOCIAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ABANDONO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, DESCUMPRIMENTO, LEI ORGANICA DA ASSISTENCIA SOCIAL (LOAS), PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, SEGURANÇA, SAUDE.
  • SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROTEÇÃO, CRIANÇA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, TRAFICO, DROGA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal Correio Braziliense de domingo trouxe uma matéria muito importante. Este tema já foi tratado várias vezes nesta Casa. A Senadora Patrícia Saboya Gomes várias vezes debateu o tema da criança; muitos de nós já o discutimos várias vezes, como o Senador Cristovam Buarque. Todos os Senadores da Casa já tiveram a oportunidade de tratar desse tema várias vezes e eu também. Refiro-me ao retrato, aos dados oficiais do IBGE ou da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) ou do último Censo que foi feito; enfim, às frias estatísticas oficiais que mostram histórias de vidas que estão sendo destruídas, especialmente em relação às nossas crianças e à nossa juventude.

Senador Romeu Tuma, conheço a sensibilidade de V. Exª. Em alguns momentos, a mídia nacional, os corações, as mentes dos brasileiros e o Parlamento, às vezes, preocupam-se mais com a situação da criança e do adolescente quando um fato muito grave aparece nos meios de comunicação; quando uma criança de oito anos de idade, num vídeo chamado Falcão, dá uma declaração que, quando crescer, quer ser bandido; ou quando fotos mostram uma menininha pobre vendendo o corpo por R$1,99; ou quando um menininho de seis anos de idade é usado como “olheiro” do narcotráfico. E a mecânica da vida às vezes se encarrega de fazer as pessoas esquecerem, porque outros fatos vão sendo ditos, outros fatos vão sendo apresentados nos meios de comunicação, e milhares de crianças que são abandonadas, discriminadas, vulneráveis, excluídas e invisíveis acabam não sendo parte do discurso ou das preocupações oficiais.

E a matéria mostra dados oficiais do IBGE de todo o Brasil. Infelizmente, mostra que, na minha querida Alagoas, estão justamente os piores indicadores sociais, os piores índices de crianças pobres em famílias pobres.

Mas o difícil mesmo para eu aceitar é que o Governo Federal, o Governo Estadual, os executivos, Senador Pedro Simon, ou qualquer um de nós pode entrar na Internet e analisar as frias estatísticas oficiais do Censo, do Programa Nacional de Amostragem Domiciliar, do perfil das crianças e jovens do Brasil. E podemos ver, claramente, onde mora cada criança e jovem brasileiro. Isso é o pior.

Não é uma estatística grosseira, superficial, que diz que 20% das crianças brasileiras não têm acesso a isso ou que 72% das crianças brasileiras não têm acesso à creche, nunca viram uma creche. Não é só isso. O Governo Federal sabe onde mora cada criança e cada jovem do Brasil. Sabe não apenas o Estado onde mora, mas o Estado, a cidade, o bairro, a rua e o número da casa em que ele mora. Isso é o pior! O Governo brasileiro sabe qual é o número da casa, a rua, o bairro, a cidade e o Estado de cada uma dessas crianças e de cada um dos jovens brasileiros que estão excluídos, invisíveis, vulneráveis e impossibilitados de viver a infância. São crianças de zero a seis anos que estão impossibilitadas de viver a infância, de brincar e de crescer. Tornam-se adultos brutalizados, iniciados na sexualidade ou nas drogas antes de viver a sua infância.

O mais grave é que justamente nessa faixa etária... - e aí existem vários pesquisadores no Brasil e no mundo, inclusive o próprio Deputado Osmar Terra, com quem eu não tenho qualquer identidade ideológica ou programática. S. Exª é do Rio Grande do Sul, Estado do meu querido Senador Pedro Simon, e tem estudos e mais estudos sobre isso. No mundo todo, todos os cientistas sabem que as conexões neurológicas que potencializam a inteligência ocorrem na faixa etária de zero a três anos. Todos os estudos mostram que o crescimento do córtex cerebral, que potencializa a inteligência, se dá nessa faixa etária, até dez anos. Às vezes, em uma ou outra criança pobre brasileira, a pobreza não consegue destruir todas as conexões neurológicas. Em alguns casos, até potencializam a inteligência mais à frente.

Então, Senador Romeu Tuma, o Brasil, pela irresponsabilidade do Governo Federal, que, além de chafurdar na pocilga da corrupção de forma desvairada e impune, abandona as suas crianças e jovens mesmo sabendo qual é o número da casa, a rua, o bairro, a cidade e o Estado onde mora cada uma das crianças brasileiras excluídas, vulneráveis, invisíveis. É um Governo desmoralizado porque não consegue salvar uma geração.

V. Exªs já imaginaram, Senadores Romeu Tuma e João Batista Motta, o quanto seria importante para o País se a maioria de suas crianças pobres, em vez de estarem nas ruas vendendo o corpo por R$1,99 ou sendo arrastadas pelo narcotráfico, pudesse potencializar suas inteligências de forma a poderem se tornar brilhantes cientistas reconhecidos por todo mundo? Mas o Brasil não faz isso. A única ação do Governo brasileiro é a política da Bolsa-Escola. Quero dizer, a propósito, que não sou contra a Bolsa-Escola, até porque se um professor universitário tem direito a uma bolsa para fazer doutorado e um estudante universitário pode ter direito a uma bolsa para iniciação científica, por que o pobre não pode ter algo semelhante? Pode!

O pobre não pode é ser condenado a ser pobre e miserável para que o Estado brasileiro o veja. A menininha pobre tem de engravidar, porque, se engravidar, tem um menininho e, tendo o menininho, vai poder se cadastrar para receber o Bolsa-Família, e o Estado brasileiro a verá. A menina pobre, o jovem pobre e a família pobre não podem arranjar um emprego, porque, se arrumarem um emprego, mesmo sem estabilidade ou condições dignas de futuro, deixam de preencher os requisitos para receber a Bolsa-Família ou qualquer desses instrumentos de política compensatória. Então, o pobre brasileiro é condenado ao destino e à fatalidade de continuar pobre para poder ser visto pela estrutura do Governo Federal.

Se alternativas não houvesse, seria até compreensível. Acontece, porém, que existem milhares de propostas concretas. A Lei Orgânica da Assistência Social, como sabe V. Exª, Senador Flávio Arns, é a mais bela declaração de amor aos pobres, oprimidos, marginalizados, moradores de rua, crianças pobres, favelados, deficientes, quem quer que seja, mas infelizmente o Governo não a cumpre.

Governo imoral, indecente e incapaz: no ano passado, só de juros da dívida para encher a pança dos banqueiros, pagou dez vezes mais do que investiu em educação. Não estou nem falando em saneamento básico, porque seria ainda mais escandaloso, já que pagou, a título de juros da dívida, 760 vezes mais do que investiu em saneamento ou o equivalente a 72 vezes o que investiu em segurança, dez vezes o que investiu em saúde, oito vezes mais do que investiu em toda a área de educação, toda: infantil, com creche e pré-escola; ensino fundamental; ensino médio; ensino de jovens e adultos; ensino profissionalizante; ensino superior e ciência e tecnologia. Pagou oito vezes mais para encher a pança dos parasitas sem pátria, gigolôs do capital financeiro que investem uma dinheirama suja nos momentos eleitorais e acabam inviabilizando aquilo que pode ser o futuro de uma nação, que é o acesso ao conhecimento - é verdade que a educação não necessariamente muda o mundo, mas muda as pessoas; e as pessoas podem mudar o mundo.

Fica aqui, mais uma vez, o nosso protesto. Alternativas não faltam. É só o Estado brasileiro estabelecê-las. O Estado brasileiro não sabe onde está cada uma de suas crianças e de seus jovens? O que tem de fazer? Dar-lhes cultura, lazer, educação, informação. O Estado brasileiro tem de adotar suas crianças e seus jovens antes que o crime organizado, o narcotráfico e a prostituição o façam. Alternativas concretas há, é só cumprir a Lei Orgânica da Assistência Social. Infelizmente, privilegia-se o vergonhoso balcão de negócios sujos onde mercadorias parlamentares se vendem conforme as conveniências dos corruptos do Palácio do Planalto, mas a alternativa concreta, ágil e eficaz que se apresenta sob a forma da Lei Orgânica da Assistência Social fica solta ao vento porque não tem política pública para viabilizá-la.

Concedo um aparte ao Senador Romeu Tuma com muito prazer.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Desculpe-me por interrompê-la, Senadora Heloísa Helena, mas preciso somar algumas palavras às suas. Temos o prazer de ouvi-la por aquilo que V. Exª apresenta, mantendo-se nos limites da verdade, com repulsa e indignação. Há assuntos, Senador Efraim Morais, que mexem com a alma da gente. V. Exª falou que nem 10% do que foi gasto com juros foram empregados em segurança. Estive em uma reunião com líderes empresariais que estão desesperados diante da onda de desemprego que virá em decorrência das dificuldades daqueles que exportam - não vou entrar no mérito da desvalorização do dólar porque o povo não sabe nem a cor que o dólar tem. A onda de desemprego será tão grande que não haverá espaço para realocar essas pessoas que, dentro de alguns meses, perderão seus empregos em função da paralisação da atividade exportadora. O presidente do Ibope estava nessa reunião e deu uma declaração muito triste - acho que não chorei porque Deus me deixou mais revoltado do que angustiado. Perguntaram-lhe como o morador do Rio de Janeiro via a questão da segurança nas pesquisas que ele promove. Ele disse assim: “Não, a população não tem mais nenhum interesse em discutir a segurança”. Perguntaram: “É assim porque a segurança melhorou?” Ele respondeu: “Não, porque não há mais solução”. Cada um procura se defender como pode, mas o pobre não, Senadora; o pobre não tem condição de contratar ninguém para ter uma segurança pessoal; ele conta com o Estado. E essa inércia do Estado significa a derrota para o crime organizado, que, como vimos em matéria recente, utiliza crianças de maneira revoltante - e um policial achou que tinha de processar o autor da matéria! Essa questão é realmente muito confusa. V. Exª fala para o povo, mas algumas autoridades falam para as massas. Como a massa é disforme, a linguagem deles é para dar-lhe os contornos que consideram importantes. V. Exª, não; V. Exª fala para o coração e para a alma dos brasileiros que estão sofrendo.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço a delicadeza e a generosidade das palavras de V. Exª, Senador Romeu Tuma, e, mais uma vez, faço um apelo em defesa das milhares de crianças brasileiras que são abandonadas, discriminadas, vulneráveis, excluídas, tornadas invisíveis, impedidas de viver as suas infâncias, de poder crescer e de poder brincar e que acabam se tornando adultos brutalizados, iniciados sexualmente de maneira precoce e iniciados indevidamente no narcotráfico antes de terem a oportunidade de serem crianças: que o Estado brasileiro possa olhar para cada uma delas, já que sabe exatamente onde cada uma delas mora. Que se afaste a fatalidade e a condenação do destino das meninas pobres - hoje é o quartinho da empregada ou vender o corpo por um prato de comida - e dos meninos pobres, que é ser arrastado para o narcotráfico ou para a marginalidade como último refúgio.

Era só isso, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2006 - Página 13205