Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificação a requerimento solicitando autorização para ausentar-se do país, a fim de participar do congresso da Unesco em comemoração do Dia da Liberdade de Imprensa, em Colombo, Sri Lanka.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. IMPRENSA. POLITICA SOCIAL.:
  • Justificação a requerimento solicitando autorização para ausentar-se do país, a fim de participar do congresso da Unesco em comemoração do Dia da Liberdade de Imprensa, em Colombo, Sri Lanka.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2006 - Página 13641
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. IMPRENSA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONGRESSO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), DEBATE, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SRI LANKA.
  • ANALISE, DIREITO A INFORMAÇÃO, PARTE, CIDADANIA, REGISTRO, HISTORIA, LIBERDADE DE IMPRENSA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, LUTA, DITADURA, ESTADO NOVO, REGIME MILITAR, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, AVALIAÇÃO, FUNÇÃO, IMPRENSA, ATUALIDADE, DEFESA, AÇÃO COMUNITARIA.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, ESTUDO, FOME, MUNDO, VINCULAÇÃO, AUTORITARISMO, GOVERNO, CENSURA, INFORMAÇÃO.
  • INDICAÇÃO, FILME, DEBATE, PROBLEMA, RESTRIÇÃO, EMIGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VIOLENCIA, FRONTEIRA, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, IGUALDADE, DIREITOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Romeu Tuma, Senadora Heloísa Helena, estou encaminhando à Mesa um requerimento pelo qual solicito, nos termos regimentais, seja autorizada a minha ausência do País entre 28 de abril e 3 de maio do corrente, uma vez que tive a honra de ser convidado para participar, em Colombo, no Sri Lanka, do congresso da Unesco nas comemorações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, evento que este ano terá como tema principal “A Mídia e Erradicação da Pobreza”. A Unesco é a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Neste requerimento, registro a sessão para a qual fui convidado a falar sobre a força potencial da liberdade de expressão e sua relação com a erradicação da pobreza.

O direito à informação e à comunicação é um dos fundamentos do estado de Direito. É ele que faz a relação dialética entre os fatos - e seus agentes - e a notícia de imprensa, propiciando que outras pessoas, ao tomarem conhecimento desses acontecimentos, façam uma reflexão sobre eles e provoquem outros fatos, outros pensamentos e atitudes que devem gerar outras notícias, e assim sucessivamente.

É esse direito fundamental que movimenta qualquer setor da sociedade, fazendo com que novas idéias apareçam e sejam disseminadas pelo menos para conhecimento de todos. O aprofundamento delas virá de estudos e reflexões mais prolongadas que devem, eles também, ser veiculados para o aumento e a qualidade da informação.

Uma sociedade bem informada sabe principalmente dos seus direitos. A informação é parte da cidadania. O estudo da liberdade de imprensa, no mundo e no Brasil, mostra que, quanto mais impositivo e autoritário for um sistema de governo, mais ele tentará suprimir a liberdade de imprensa e pensamento - e consegue suprimi-la de fato, na maioria das vezes, usando a força e a intimidação. Não há ditador que resista à censura dos jornais e dos demais meios de comunicação, atingindo também a arte - como o cinema e o teatro - e, ainda pior, a própria educação. É próprio das ditaduras, como foi dos reinados absolutos, pensar que manter a população na ignorância será manter poderes e privilégios.

Quando a corte portuguesa se transferiu para o Brasil, em 1808, tomou sua primeira providência imperial: proibiu a impressão de jornais no nosso território. Isso explica que o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, tenha nascido em Londres, em 1808, fundado por Hipólito José da Costa. Em 1960, na inauguração de Brasília, a empresa Diários Associados comprou o título do jornal, e o Correio passou a circular na Capital, mantendo o “z” no qualificativo Braziliense, como símbolo da importância da liberdade de imprensa.

Hoje a liberdade de imprensa, difusão e informação está garantida na Constituição de 1988. Mas quem viveu os tempos de Estado Novo - de 1937 a 1945 - ou a ditadura de 1964 a 1985, sabe que a liberdade de fazer circular idéias e acontecimentos foi uma conquista do povo brasileiro. Centenas de jornalistas foram presos por informar alguma verdade que incomodava as autoridades - na conta da ditadura militar, podem-se colocar 16 mortos, como informou a revista Imprensa, entre eles Joaquim Câmara Ferreira, Pedro Pomar, Vladimir Herzog, para citar apenas três da maior importância para a história brasileira. Todos, sem exceção, defendiam maior justiça social.

Mas o que liga a liberdade de imprensa - ou a ausência dela - à questão da pobreza? Ora, se todos estiverem informados das ações dos governos, das empresas - do mercado, diríamos hoje -, das idéias que circulam nas universidades, dos progressos da ciência e da tecnologia, das instituições como a Polícia, o Ministério Público e a Justiça, se todos souberem e formarem uma opinião a respeito do universo em que vivem, com certeza, chegarão à conclusão de que o homem merece um pouco mais do que tem recebido. E que é forçoso e necessário que a sociedade seja mais justa e igualitária para todos.

Foram as idéias veiculadas nos panfletos e tablóides, muitas vezes clandestinos, do final do século XIX que deram força aos movimentos abolicionista e republicano. Movimentos saídos da própria elite “ilustrada”, dos filhos das grandes famílias que podiam estudar em Coimbra ou freqüentar faculdades como a de Direito do Largo São Francisco. Mas o que aconteceria, se, antes disso, todos os escravos soubessem ler e pudessem veicular suas notícias? Quem tem a escravidão como sistema de trabalho tão forte em sua história como nós sabe que seriam idéias incompatíveis.

O mesmo ocorreu com as mulheres, que só puderam ter acesso pleno à leitura no século XX. Foi por conhecer, através da imprensa, sistemas eleitorais democráticos que elas saíram às ruas no Brasil e em outros países, num movimento conhecido como sufragista. E, embora parte da imprensa fizesse piadas com a posição das mulheres, a grande maioria apoiou o direito ao voto feminino, base da igualdade e da cidadania entre homens e mulheres.

Mas há outro capítulo. É que, da maneira como se constituíram, os veículos de grande leitura e audiência acabam nas mãos de empresas comerciais - que defendem, naturalmente, a veiculação do maior número de notícias sem censura alguma, já que depende dessa liberdade para apresentar a sua produção. E a imprensa brasileira mostrou que não aceita cerceamentos de parte alguma. Sempre nos lembramos das receitas de bolo do Jornal da Tarde, de Os Lusíadas, de Camões, publicadas no lugar de notícias censuradas pelo jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo. Mas não podemos esquecer do papel que hoje pode exercer a comunicação comunitária com jornais, rádios e TVs, levando a informação dirigida a quem tem interesse por ela. É importante que pensemos na forma de se estabelecer maior liberdade para as rádios comunitárias e para os jornais comunitários.

Será cada vez mais saudável para a sociedade que todos possam exercer o direito à comunicação. Enviar suas idéias, esclarecer as leis e os direitos, receber novas propostas de informação, publicar e interagir com determinados meios e comunidades, principalmente num país como o Brasil, com tanta desigualdade geográfica, cultural e social. Penso que a circulação e o trânsito das idéias entre todos, leve, sim, à maior igualdade social. Quando cada um conhece o seu direito, a luta no campo das idéias é natural. Neste momento em que se fala em desenvolvimento sustentável como saída para os países e comunidades pobres, é preciso que todos tenham acesso aos direitos básicos, principalmente à educação para poder exigir transparência e interação através da comunicação entre o poder governamental e a população. A conquista de uma sociedade mais justa depende, obviamente, da ampliação da liberdade de opinião e da liberdade de imprensa.

Quero assinalar, Sr. Presidente, que o Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen veio ao Brasil, no programa Roda Viva, e quando ali perguntado, por Mônica Teixeira e demais jornalistas, sobre desenvolvimento como liberdade e como é que a liberdade de expressão, a democracia, evitam, em grande parte, a fome, os graves momentos de fome, ele deu um depoimento muito importante, Senadora Heloísa Helena. Vou aqui ler um trecho daquilo que é o ensinamento de Amartya Sen sobre como é que mais liberdade e mais democracia podem contribuir para que não haja episódios de fome:

Não houve fome na Índia ou em Bangladesh nos anos 80, como aconteceu na Etiópia. A última fome na Índia foi em 1943, antes da independência. A única fome subcontinental no sul da Ásia ocorreu em Bangladesh, em 1974, logo depois da independência de Bangladesh. Acho que os principais estudos não foram de uma fome em particular. Estudei de 20 a 30 fomes no mundo todo. A primeira fome que estudei foi a de Bengala, em 1943. Três milhões de pessoas morreram. Eu a testemunhei, quando criança. Eu tinha 9 anos, morava em Bengala, na época. Um dos motivos para o problema me interessar, mesmo quando criança, foi a crença geral de que o suprimento total de comida não foi ruim naquele ano, não houve nenhuma catástrofe. Então, houve duas questões. Uma questão era de como a fome ocorreu; a segunda é que o governo não era muito simpático a nós, ainda fazíamos parte do domínio colonial do império britânico. Lidávamos com Winston Churchill, que não era muito simpático às questões relativas ao bem-estar indiano. Mas a segunda questão era até que ponto o governo se mantivera apenas insensível, ou se tinha sido enganado pelas estatísticas de alimentos. A segunda resposta é fácil. Em geral, o Governo tinha boas estatísticas. E eles estavam certos em achar que a situação dos alimentos não estava ruim naquele ano. Não foi uma conspiração colonial, foi uma leitura objetiva. Mas o que deu errado foi a crença de que a fome era relacionada ao suprimento total de comida, primariamente, e não a outras coisas. O erro foi na compreensão das causas da fome, e não nas estatísticas de alimentos. O que me leva à primeira questão. Por que a fome ocorre? Qual a característica da fome, seja na Índia, na China, em Bangladesh, no passado, ou hoje na África, na Coréia do Norte ou em qualquer lugar, no Camboja, antes? Basicamente, vemos grupos inteiros de pessoas que não têm meios econômicos para comprar comida. Isso pode ser ligado ao fracasso na agricultura. Muita gente obtém sua renda a partir da agricultura. E não precisa ser produção de alimentos, pode ser de matérias-primas ou de outra coisa qualquer. Mas pode ocorrer por outros motivos. Desemprego pode ser um motivo. Mesmo com uma inundação, ou uma seca, que afete a colheita apenas um pouco, só muito mais tarde pode haver fome imediata, pois a subsistência de muita gente, o salário, depende de se conseguir um emprego. E se eles não têm emprego passam fome. Acho que é preciso mudar o foco de atenção dos estudos da fome na direção da capacidade das pessoas de comprar comida. Estabelecer um controle sobre a comida, em vez de apenas olhar as estatísticas mecânicas dos suprimentos de alimentos.

(...)

...mas acho que o problema é maior que isso. Esse tipo de fome desapareceu do subcontinente - na Índia, no Paquistão, em Bangladesh, não há fome. Em Bangladesh a última foi em 1974. Antes do restabelecimento do regime democrático. A fome normalmente não ocorre em países democráticos, e posso discutir os motivos disso. O motivo básico é muito simples. O governo, em um país democrático, tem um grande incentivo para evitar a fome, porque não se ganha eleição após uma fome, e ninguém quer ser criticado pela oposição e pela imprensa. A fome desapareceu por esse motivo, e a fome continua, como no passado, em países com regimes autoritários. Pode ser A Coréia do Norte, a Etiópia, o Sudão. É onde ela continua. E as experiências recentes, nas últimas décadas, foram principalmente na África. Mais uma vez, ligadas a ditaduras militares. E, no passado, a fome na China, de 1959/61, na qual morreram 30 milhões de pessoas. A maior fome registrada na história. Também ligada ao autoritarismo. Não se pode ficar imune à fome só porque o mundo é rico. É preciso um governo responsável. O governo é extremamente importante.

Quero salientar, Senadora Heloísa Helena, como Amartya Sen procura desenvolver a idéia da relevância da liberdade para que as pessoas possam se expressar e dizer aos governantes, aos prefeitos, aos vereadores, aos governadores, aos senadores, aos deputados, que não é possível continuar uma situação em que pessoas sejam impedidas de se alimentarem.

Gostaria, Senadora Heloísa Helena, de fazer uma recomendação a V. Exª, ao Senador Romeu Tuma e a todos os que estejam nos ouvindo. Eu assisti a um filme, há poucos dias, chamado “Três Enterros”, de Tommy Lee Jones. É um dos melhores que já vi. Ele mostra a situação de violência que ocorre com os imigrantes mexicanos, ou os sem-documentos mexicanos, na fronteira com os Estados Unidos, que, infelizmente, colocaram um muro para dificultar a imigração. Há até pessoas atirando em outras somente porque elas querem atravessar a fronteira do México e entrar nos Estados Unidos.

Ontem, a Embaixadora Cecília Souto me descreveu um movimento incrível que está se desenvolvendo nos Estados Unidos sobre a consciência dos hispano-americanos nas Américas. A Embaixadora também me falou de um filme denominado “Um Dia sem os Mexicanos”, a que não assisti - V. Exª assistiu a esse filme? -, que mostrou o que aconteceria em Los Angeles se, de repente, os hispano-americanos, os mexicanos, desaparecessem: todos os serviços feitos pelos hispano-americanos parariam, e a cidade entraria em colapso.

Esse filme acabou motivando um movimento de consciência e de interação. Os hispano-americanos acabaram dialogando com os chamados DJs, os Disc Jockeys, que, sobretudo, dialogam com a população jovem nos Estados Unidos, para que falassem da possibilidade de saírem às ruas para dizer ao Congresso e às autoridades norte-americanas que é preciso que os sem-documentos, os hispano-americanos, venham a ter direitos à cidadania, à educação de seus filhos, ao atendimento à saúde e aos serviços públicos em geral. Começaram a sair às ruas dezenas de milhares de pessoas.

Com base nesse movimento, no próximo dia 1º de maio, segunda-feira, os hispano-americanos farão uma manifestação, um protesto. Inclusive, convidaram os brasileiros que vivem em Boston e em outras áreas, que são dezenas de milhares, para participarem desse movimento. Após refletir, os brasileiros resolveram se solidarizar com os manifestantes. Trata-se, portanto, de mais um movimento resultante da interação e da liberdade de informação e de imprensa.

É muito interessante ver que, nos meios de comunicação, há esse caminho. Quem sabe possamos, quando tivermos boas causas e boas idéias, fazer o mesmo: transmitir aos DJs, que lidam com os jovens, a idéia de lutar por alguns direitos, pois, graças a isso, centenas de milhares de hispano-americanos vão sair às ruas outra vez, no dia 1º de maio - nos Estados Unidos o Labor Day é em setembro -, a fim de mostrar o que aconteceria com a economia norte-americana se eles não estivessem trabalhando e para que também o Congresso norte-americano se conscientize da importância de reconhecer o direito dos hispano-americanos à liberdade e aos direitos sociais que as leis americanas garantem aos cidadãos norte-americanos. Por que não estendê-los aos hispano-americanos que ali contribuem para a geração de riquezas? Quem sabe possamos um dia, do Alasca à Patagônia, ver as pessoas circulando livremente e desfrutando de direitos iguais.

Muito obrigado.

 


Modelo1 4/25/244:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2006 - Página 13641