Discurso durante a 47ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a nova medida que combate o "caixa dois" das campanhas eleitorais.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Considerações sobre a nova medida que combate o "caixa dois" das campanhas eleitorais.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2006 - Página 13662
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, DEMOCRACIA, BRASIL, MOTIVO, GRAVIDADE, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, POLITICA NACIONAL, NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, CONFIANÇA, ELOGIO, PROVIDENCIA, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL, INSTRUÇÃO NORMATIVA, IMPEDIMENTO, IRREGULARIDADE, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, ELEIÇÕES, PRESTAÇÃO DE CONTAS, INTERNET, DEFESA, DEBATE, REFORMA POLITICA, CONGRESSO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Flexa Ribeiro, Srªs e Srs. Senadores, a democracia brasileira encontra-se em crise profunda. Reconhecer essa premissa, assimilar essa verdade inequívoca, é o primeiro passo para o aperfeiçoamento do nosso sistema democrático.

Desde o início da vigência da Constituição da República de 5 de outubro de 1988, não se tem notícia de um quadro político tão difícil, complexo e taciturno no Brasil. Nos últimos meses, sucessivos escândalos abalaram a crença do homem na democracia, na política, na ação coletiva, enfim, como instrumento de mudança social.

Mais do que nunca é imperativo renovarmos a nossa crença, a nossa fé inabalável na democracia. É imperioso renovarmos a nossa apaixonada certeza de que a maior virtude da democracia é a sua capacidade de reinvenção, de renascimento, de superação das crises e dos problemas que permeiam, desde sempre, a ação coletiva dos seres humanos, na difícil gestão de sua vida em comunidade.

No ambiente democrático, a crise é, antes de tudo, a parteira do novo. É a que faz nascer o novo. A democracia é a fagulha, a centelha, o pavio da evolução socioeconômica, objetivo maiúsculo do nosso permanente agir político. Dia após dia, ano após ano, século após século, a crise é o próprio convite à ação, um convite endereçado às mulheres e aos homens de boa-fé do nosso País.

Na qualidade de médico atuante, na condição de discípulo convicto da ciência do grego Hipócrates, permito-me uma singela metáfora biológica. Tal como a sensação de dor em um organismo adoentado, tal como as alterações físicas ocasionadas por alguma enfermidade no corpo do indivíduo, o impasse político revela às instituições e aos que se ocupam da política a necessidade de agir, a necessidade do tratamento e da cura pela atuação coletiva.

O Estado brasileiro e os seus servidores, cônscios do papel da democracia como garantidora das liberdades humanas, têm encontrado - afortunadamente - as respostas adequadas ao nosso tormentoso momento. Exemplo disso são os recentes esforços do Tribunal Superior Eleitoral e da Receita Federal no combate ao famigerado caixa dois, ao financiamento espúrio das campanhas eleitorais, uma praga comum nas democracias ocidentais.

Das boas medidas, tomadas recentemente, eu destacaria a Instrução Normativa Conjunta da Secretaria da Receita Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, de número 609, instrumento acompanhado pela Portaria Conjunta da Secretaria da Receita Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, de número 74, ambas editadas em 10 de janeiro de 2006.

Espero, sinceramente, que a medida conjunta inaugure uma nova fase no combate à prática do caixa dois. Pela nova medida, a partir das eleições de 2006, a prestação de contas dos candidatos deverá ser analisada não apenas pelo Poder Judiciário, mas também pela Receita Federal.

Até a última eleição, os candidatos prestavam contas somente ao TSE, posteriormente à disputa eleitoral. Tal situação enfraquecia o controle público dos gastos eleitorais, na medida em que o exame posterior das contas convertia o pleito em fato já consumado, consagrando, muitas vezes, candidaturas espúrias e até mesmo desonestas, em que malfeitores se ungiam pelas urnas, não raramente à custa da fraude e dos abusos do poder econômico.

Doravante, a prestação de contas ocorrerá quinzenalmente, ao longo da disputa eleitoral. Além dessa importante medida saneadora, os candidatos ver-se-ão obrigados a fornecer dados para a publicação dos seus gastos no sítio do TSE na Internet. Em caso de descumprimento do dever de publicação, os responsáveis poderão ter suas contas bancárias bloqueadas.

O ingresso da Receita Federal no esforço de moralização dos gastos de campanha resulta da necessidade de aprimoramento dos mecanismos de controle da Justiça Eleitoral, que ainda não possui a experiência e o conhecimento necessários para tarefa tão complexa. Trabalhando em conjunto, os dois órgãos facilitarão a varredura das contas dos partidos, das tesourarias de campanha e das empresas doadoras.

Pelas novas regras do jogo, todas as contribuições financeiras, sejam elas de pessoas jurídicas ou físicas, deverão constar nas declarações do Imposto de Renda, sob pena de abertura de uma auditoria especial da Receita aos que não cumprirem a norma.

Para imprimir maior transparência ao fluxo de recursos no interior dos partidos, a Receita Federal elaborou um novo formulário obrigatório, a ser preenchido por todo fornecedor de materiais de campanha ou pelos prestadores de serviços a candidatos e agremiações partidárias.

Outras medidas também foram implementadas, como a obrigatoriedade, por parte dos comitês financeiros dos partidos e dos candidatos a cargos eletivos, de se inscreverem no CNPJ, Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, para a abertura de contas bancárias para captação e movimentação de fundos da campanha eleitoral. A nova regra está contida no art. 1º da Instrução Normativa nº 609, editada, em conjunto, pela Secretaria da Receita Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Além de todas essas iniciativas, o STF também receberá denúncias de qualquer cidadão brasileiro para a investigação de possíveis irregularidades na arrecadação de fundos de campanha, desde que o denunciante identifique a si e ao postulante ao cargo político.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as medidas tomadas em conjunto pela Receita Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral, embora importantes, não bastam para resolver o problema do financiamento ilegal da campanha no Brasil.

Em que pese às boas intenções dos órgãos públicos, gostaria de relembrar que é papel desta Casa do Congresso Nacional proceder às reformas legislativas necessárias para que a disputa justa, equânime, juridicamente balizada - e marcada pela paridade de armas - possa, finalmente, se converter em regra no atual estágio da democracia brasileira.

A reforma política é vital para o futuro do nosso sistema e haverá de ser discutida para que tenhamos um sistema eleitoral que atraia para as tribunas da nossa ágora moderna - as casas legislativas de todo o Brasil - os melhores talentos, o cidadão honesto, participativo, vocacionado para a vida pública e para a construção do bem comum, do interesse público, do progresso social e da radicalização da democracia como forma de governo.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Pois não. Ouço, com muita honra, o aparte de V. Exª, Senador Alvaro Dias, do Estado do Paraná.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Augusto Botelho, o meu aparte tem o sentido de dizer que nem tudo está perdido na política do País exatamente porque temos políticos honrados como V. Exª, que representa um pequeno Estado, mas com muita dignidade, honradez, decência, e tem uma história de vida que o enobrece. Nós precisamos destacar esses valores da política porque o povo brasileiro está vivendo um momento de enorme indignação diante dos escândalos que se sucederam ao longo desses últimos três anos, infelicitando a política brasileira. As instituições públicas estão vivendo uma crise de identidade sem precedentes. Há um desencanto generalizado em relação às instituições públicas, aos partidos políticos, aos políticos de forma geral. Exatamente preocupado com esse desencanto que se generalizou é que V. Exª está na tribuna, com essa pregação pela moralização da atividade pública brasileira, propondo medidas que possam impedir a deflagração do processo de corrupção nas campanhas eleitorais, processo esse que é a origem da corrupção na Administração Pública. Assim, quero apenas acrescentar, Senador Augusto Botelho, diante da preocupação de V. Exª, que é essencial nesta campanha que principalmente os candidatos à Presidência da República assumam o compromisso, todos eles, inclusive a nossa querida Senadora Heloísa Helena, como candidata do P-SOL, que todos assumam o compromisso de liderar um projeto de reforma política que ofereça a este País um modelo compatível com as aspirações da nossa sociedade. Isso porque, se a reforma política tivesse ocorrido antes das demais reformas, certamente todas teriam um resultado muito mais rápido e significativo. Não teríamos esse fracasso em matéria de reformas no Brasil. Que reforma prosperou? Que reforma foi bem-sucedida? A da Previdência? Um desastre. A tributária? Desastre maior. Enfim, Senador Augusto Botelho, temos que começar de novo, começar da estaca zero com a reforma política.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado, Excelência. A experiência de V. Exª resume de forma clara, realmente, o que estamos tentando fazer. Acredito também que tem de haver uma mudança radical neste País. Eu sempre me orgulhei de ser médico. Há muito que sou médico, desde 1972, há trinta e poucos anos. Mas, em algumas horas, confesso, fiquei meio envergonhado por estar exercendo o cargo de Senador e acontecerem coisas como essas que aconteceram no País.

A política, em suma, deve recuperar o seu antigo encantamento ante os olhos do povo brasileiro. Esse objetivo somente se tornará viável na medida em que o sistema político se renovar. A elevada tarefa é nossa, antes de tudo.

Ao deixar registrado o meu apoio à iniciativa conjunta da Receita Federal e do Superior Tribunal Eleitoral no controle dos gastos de campanha, gostaria de exortar os meus Pares a seguirem na mesma linha. Trabalhemos juntos pela radicalização da nossa democracia, pelo fim do malfadado caixa dois, pela neutralização de toda manobra eleitoral espúria em nosso sistema eleitoral. Trabalhemos o quanto antes, e em sintonia fina, pela causa democrática brasileira: para que a democracia deite raízes na consciência coletiva, pois esse admirável regime - desde a Grécia de Péricles até os nossos dias -, converteu-se na melhor ferramenta para o progresso da sociedade e para acabar com a vergonhosa desigualdade social entre os povos, entre os ricos e os mais pobres.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente Flexa Ribeiro.

Muito obrigado pela sua tolerância, gentil e cordial.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2006 - Página 13662