Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a decisão do Governo boliviano em nacionalizar o setor de gás e petróleo, manifestando sua preocupação com a completa omissão do Presidente Lula com os rumos da crise daquele país.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre a decisão do Governo boliviano em nacionalizar o setor de gás e petróleo, manifestando sua preocupação com a completa omissão do Presidente Lula com os rumos da crise daquele país.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Arthur Virgílio, Jefferson Peres, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2006 - Página 13922
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, PROGRAMA, TELEVISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, CRITICA, ATUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • QUESTIONAMENTO, DECISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, NACIONALIZAÇÃO, SETOR, GAS NATURAL, PETROLEO, TRANSFORMAÇÃO, SITUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CONTROLE, REFINARIA, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, PREÇO, PRODUTO.
  • ANALISE, INCAPACIDADE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), ITAMARATI (MRE), GOVERNO FEDERAL, AVALIAÇÃO, GRAVIDADE, CRISE, CRITICA, OMISSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, NECESSIDADE, PROJETO, NATUREZA POLITICA, UNIÃO, AMERICA DO SUL.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, desta tribuna, manifestei a preocupação diante da completa omissão do Presidente Lula com os rumos da crise boliviana. Entendia que a determinação do Presidente era insuficiente diante do agravamento de uma crise que se tornava cada vez mais visível.

O itinerário do contencioso Brasil x Bolívia apresentava sinais claros de um desfecho desastroso e iminente.

O Governo não pode alegar surpresa ante a decisão do Presidente Evo Morales de invadir com tropas do Exército as instalações da Petrobrás e anunciar a nacionalização da exploração do gás e do petróleo no país.

A entrevista concedida pelo Presidente da Bolívia ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, exibida na segunda-feira passada, foi um recado mais que direto: os interesses e investimentos brasileiros naquele país corriam riscos.

Naquela ocasião, o Presidente Evo Morales acusou a Petrobrás de roubo e saque ao povo boliviano.

As medidas impostas pelo “decreto supremo” do Presidente Evo Morales transformam a Petrobrás em mera prestadora de serviços.

A partir de agora, o Estado assumiu o controle acionário das duas refinarias da Petrobrás no país, sem falar no aumento imediato da tributação - de 50% para 82% do imposto sobre o gás.

Temos a impressão de que todas as instâncias do Governo estavam desconectadas da realidade do altiplano e das agruras anunciadas: seja o Ministério das Minas e Energia, a Petrobrás, os assessores do Presidente Lula e o próprio Itamaraty foram incapazes de dimensionar a gravidade da crise instalada e do risco imposto a investimentos da ordem de US$1,5 bilhão da Petrobrás.

Na eclosão da crise, com as refinarias invadidas por tropas federais, várias autoridades do Governo estavam fora do País. O Ministro das Relações Exteriores, o Embaixador Celso Amorim, se encontrava em Genebra; a Ministra Dilma Rousseff, em Washington; o Presidente da Petrobras, igualmente em viagem aos Estados Unidos.

O tema de Estado foi levado pelo Presidente da República à pauta de um encontro partidário. No Encontro Nacional do PT, o Presidente Lula declarou, sob aplausos da platéia: “Se não briguei com o Bush, como é que vou brigar com o Morales?”

A postura omissa do Presidente e, por conseguinte, do seu Governo na defesa dos interesses e investimentos brasileiros na Bolívia, pode ser debitada ao caráter messiânico da política externa da administração Lula .

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concedo um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª faz um excelente discurso. Eu queria apelar a V. Exª e, por seu intermédio, ao Presidente da Comissão de Relações Exteriores, no sentido de que não temos condições de votar, na quinta-feira, o nome de um embaixador para a Bolívia. Se houvesse um embaixador brasileiro na Bolívia, deveríamos mandar que ele viesse ao País. Apesar das divergências múltiplas que tenho com o Senador Saturnino Braga, tenho certeza de que S. Exª também pensa assim, porque, na realidade, a atitude do Brasil, votando na quinta-feira o nome de um embaixador para a Bolívia, enfraquece-nos politicamente, inclusive no que diz respeito à política com a própria Bolívia. E, aqui, no plenário, vai ser difícil essa indicação passar.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - É interessante a sugestão de V. Exª. Como o Relator da indicação do nome do novo embaixador da Bolívia é o Senador Arthur Virgílio, vamos ouvi-lo a respeito dessa sugestão do Senador Antonio Carlos Magalhães. Está presente também o Presidente da Comissão de Relações Exteriores, o Senador Roberto Saturnino Braga.

Concedo um aparte ao Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Alvaro Dias, acato inteiramente a sugestão dos Senadores Jefferson Péres e Antonio Carlos Magalhães. Não apresentarei o relatório na quinta-feira. Mantenho relações pessoais amistosas, corretas, com o Ministro Celso Amorim. Pretendo, hoje, conversar com S. Exª, para, juntos, vermos o que é melhor para o País neste momento. De início, minha idéia, que será cumprida, é a de não apresentar relatório qualquer na quinta-feira, mas de deixar para a próxima semana a escolha do Relator, a depender das tratativas e dos entendimentos com S. Exª o Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Ouço o Senador Jefferson Péres, também membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Alvaro Dias, parabéns pelo discurso e pela forma como aborda essa questão grave! Ouvi a feliz idéia do Senador Antonio Carlos Magalhães, encampada pelo Relator, Senador Arthur Virgílio. Senador Alvaro Dias, é da praxe diplomática que, quando um país tem suas relações afetadas unilateralmente por um gesto agressivo do outro, o mínimo que ele deve fazer é: ou chamar o seu embaixador para conversas ou não preencher o cargo que estiver vago enquanto a questão não for solucionada. Não estamos fazendo nenhum protesto infantil; está dentro da melhor tradição diplomática do Itamaraty fazer isso. Não devemos aprovar o nome do embaixador brasileiro enquanto essa questão não for devidamente aclarada.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Jefferson Péres, Senador Arthur Virgílio, Senador Antonio Carlos Magalhães, longe de ser uma atitude infantil ou imatura, ao contrário, trata-se de uma atitude de maturidade e de responsabilidade pública, diante do cenário em que nos encontramos, com um Presidente que recentemente instituiu conceitos jurídicos grotescos, que estabeleceu que contratos internacionais não devem ser respeitados e que a segurança jurídica é oferecida pelo Poder Executivo do país e não pelo Poder Judiciário. Enfim, conceitos jurídicos tresloucados, surpreendentes para quem assume a direção de um país como a Bolívia.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Alvaro Dias?

            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concedo um aparte ao Senador Roberto Saturnino, com prazer.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Alvaro Dias, na quinta-feira, depois de amanhã, estava na pauta a discussão da apreciação da indicação para a Embaixada da Bolívia, mas é óbvio que esses acontecimentos levam a uma indagação por parte da Comissão a respeito da oportunidade de se confirmar ou não essa indicação. No momento em que o Relator indicado, o Senador Arthur Virgílio, declara-se impossibilitado de dar o parecer, o Presidente não vai, nessas condições, indicar um Relator ad hoc. Trata-se de assunto grave, que merece um debate aprofundado, um debate detalhado da Comissão a respeito de todas as conseqüências do ato do Governo boliviano, ato este que a nós não deve surpreender, porque foi objeto de declarações inúmeras durante a campanha do candidato Sr. Evo Morales. O Presidente Evo Morales tão-somente cumpriu compromissos de campanha. A Bolívia é um país que tem soberania para tomar uma decisão dessa natureza. O que importa agora é saber como os investimentos brasileiros lá vão ser compensados por essa decisão. Esse é um assunto que, certamente, será objeto de muita discussão. Na própria Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e no plenário do Senado, podemos tomar também a nós essa discussão, mas o fato é uma realidade. Não há como discutir nem considerar que é um país inimigo por que nacionalizou investimentos brasileiros. Trata-se de um país que continua sendo amigo, mas que apenas tomou uma decisão que já era prevista pelos compromissos do Sr. Evo Morales durante a campanha. É preciso que, agora, haja todas as conseqüências que minimamente resguardem os interesses brasileiros. É nossa responsabilidade atuarmos sobre isso, como é também do Poder Executivo, obviamente.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Roberto Saturnino, é prudente a decisão de V. Exª de compartilhar da sugestão dos Senadores Antonio Carlos Magalhães, Jefferson Péres e Arthur Virgílio. O que nos surpreendeu não foi o gesto do Presidente boliviano, mas a omissão do Presidente Lula diante de tantas advertências, que não foram feitas pela Oposição no Brasil, mas pelo Presidente Evo Morales. Todos já imaginávamos que não seria outra a ação do Presidente boliviano. Por isso, imaginamos que o Presidente Lula se anteciparia. É claro que refletimos sobre a hipótese de o Presidente Lula se antecipar aos fatos. E Sua Excelência, como Presidente da República, com a autoridade de maior mandatário do nosso País, dirigir-se-ia ao Presidente boliviano para iniciar entendimentos que pudessem evitar essa dramática situação.

Mas o Presidente preferiu a omissão, preferiu manter sua atitude messiânica de política externa, ignorando fatos visíveis que se colocavam à frente do nosso País. É inadmissível, portanto, essa atitude omissa do Presidente Lula. Não restava a Sua Excelência outra alternativa senão, pessoalmente, iniciar entendimentos junto ao Presidente boliviano para evitar a conflagração que hoje há entre Brasil e Bolívia.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Alvaro Dias, V. Exª me concede um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concedo um aparte, com satisfação, ao Líder Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Sr. Senador Alvaro Dias, recebo um telefonema, Senador Jefferson Péres, de um experimentado Embaixador brasileiro, que me chamou a atenção para um fato relevante. Chamo a atenção também do Presidente da Comissão, Senador Roberto Saturnino Braga. O Brasil conta com Embaixador pleno na Bolívia, aliás um excelente diplomata, que é o Embaixador Antonino Gonçalves. Então, o Brasil hoje conta com o Embaixador naquele país. Esse gesto está feito, e creio que deve ser entendido como um gesto de se adiar uma semana enquanto se dialoga com o Chanceler. Mas me parece que o justo seria o Brasil chamar ao País, a Brasília, o Embaixador Antonino Gonçalves, deixando lá o encarregado de negócios ad interim. Deveríamos chamá-lo sine die, pelo tempo necessário, de modo a demonstrar sua contrariedade muito claramente para o Governo da Bolívia. Chama e fica o Encarregado de Negócios ad interim. Ou seja, hierarquicamente baixa o nível da interlocução entre os dois governos, enquanto aqui nós formulamos aquela que vem a ser a verdadeira política nacional. Então, não votaríamos esta semana o Embaixador e chamar-se-ia aqui - isto só o Presidente Lula pode fazer - o Embaixador Antonino Gonçalves, mostrando nitidamente à Bolívia a nossa contrariedade com o que está acontecendo por aquelas plagas.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª tem larga experiência na área diplomática e sabe muito bem que essas atitudes são indispensáveis neste momento. Há necessidade de uma reação do Presidente da República. Uma reação inteligente, competente e enérgica do Presidente Lula diante dos fatos.

Na verdade, Sr. Presidente, existem outras motivações por trás do engajamento do Presidente Lula e de seu colega Hugo Chávez no projeto de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações.

Vale ressaltar que a formulação de uma identidade Sul-Americana remonta ao Governo Itamar Franco, tendo sido uma iniciativa capitaneada pelo então Chanceler Fernando Henrique Cardoso.

O Presidente Lula é movido por um projeto geopolítico personalístico no qual ele pontificaria na América do Sul. Ao ensaiar a tentativa de protagonizar a versão repaginada dos ideais de Simón Bolívar, o Presidente se omitiu no curso da crise boliviana.

É no mínimo pouco crível que um emissário do Presidente Lula tenha ido a La Paz uma semana antes de a crise atingir o clímax - uma comitiva chefiada pelo segundo homem da hierarquia do Itamaraty, o Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores - e não tenha esboçado preocupação com o agravamento da situação.

Portanto, o Presidente Lula não deu o tratamento adequado à questão, minimizou-a. O Presidente Lula colocou num segundo plano a crise que era iminente. Se nós, à distância, percebíamos que medidas de força seriam tomadas unilateralmente pelo Presidente Evo Morales, como explicar que o Itamaraty e a nossa Embaixada em La Paz tenham sido surpreendidos pela virulência do pacote anunciado?

A inércia do Governo Lula diante dos acontecimentos no país vizinho nos parece ser justificada por um projeto geopolítico.

Aliás, recordamos que o lançamento da Comunidade Sul-Americana de Nações, ocorrido na cidade de Cuzco, no Peru, foi a mais melancólica tentativa de integração sul-americana. Registre-se que se tratou de iniciativa capitaneada pelo Presidente Lula.

Estou concluindo, Sr. Presidente: recordamo-nos de que os países com forte relacionamento comercial com os Estados Unidos, notadamente o Chile, a Colômbia e o México, à época foram unânimes em manifestar preocupação com uma “ideologização” do novo Bloco.

Em síntese: houve negligência, omissão, enfim, ausência de política externa para preservar os investimentos brasileiros na Bolívia. O pragmatismo da era Lula está a serviço dos projetos pessoais.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2006 - Página 13922