Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários aos artigos "As razões de Morales" e "O fracasso (da memória)".

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários aos artigos "As razões de Morales" e "O fracasso (da memória)".
Aparteantes
Flexa Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2006 - Página 14624
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, RENAN CALHEIROS, SENADOR, SUBSTITUIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONGRATULAÇÕES, ATUAÇÃO, TIÃO VIANA, CONGRESSISTA, PRESIDENCIA, SENADO.
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, NOTICIARIO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ANALISE, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, NACIONALIZAÇÃO, PETROLEO, GAS NATURAL.
  • ESCLARECIMENTOS, CONTRATO, INVESTIMENTO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, INICIATIVA, GESTÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • IMPORTANCIA, ESTABILIDADE, DEMOCRACIA, CONSOLIDAÇÃO, RELACIONAMENTO, UNIÃO, PAIS, AMERICA DO SUL, OBJETIVO, DEFESA, INTERESSE, CONTINENTE, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, PRESIDENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ENTIDADE, EMPRESARIO, REGIÃO SUL, DEFESA, PROVIDENCIA, EMPRESA ESTATAL, REFORÇO, EXTRAÇÃO, PRODUÇÃO, GAS, BRASIL, OBJETIVO, REDUÇÃO, IMPORTAÇÃO, COMBUSTIVEL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero me associar à saudação ao Presidente do Brasil, Renan Calheiros, no dia de hoje. Depois, saudarei também o querido Senador Tião Viana, que, com a saída do Presidente do Senado para assumir a Presidência da República, assume a tarefa de presidir o Senado e o Congresso.

Peço à Mesa que sejam considerados lidos na íntegra dois artigos publicados nos jornais de hoje: “As razões de Morales”, de Luís Nassif, e “O fracasso (da memória)”, de Clóvis Rossi. Os dois artigos apresentam elementos extremamente importantes e relevantes para o debate que travamos, desde o início da semana, no Congresso Nacional.

Lerei alguns trechos e tecerei comentários, porque entendo que os dois artigos foram extremamente bem elaborados e têm ingredientes que aquecem o debate.

O artigo do Luís Nassif, “As razões de Morales”, começa exatamente assim:

Há um evidente exagero em julgar a política externa brasileira pelo episódio Evo Morales. A política externa brasileira não elegeu Morales e, provavelmente, facilitará nos próximos contatos com ele. Só daqui a 40 dias - quando terminarem as eleições para nova Constituinte, razão maior para os últimos atos de Morales -, se saberá com clareza o que ele quer e se a política externa brasileira em relação à Bolívia renderá frutos positivos ou não.

Em outro trecho, Luís Nassif comenta:

Morales venceu as eleições com 54% dos votos (...) Assim como em muitos países latino-americanos, não adianta ganhar eleição presidencial sem ter maioria no Parlamento. O nó de Morales consistia em, após ganhar a Presidência, conquistar a governabilidade.

Portanto, fez parte da plataforma eleitoral de Morales a nacionalização do gás e do petróleo, assim como a Assembléia Nacional Constituinte, que acontece agora, logo em seguida a esses atos. Portanto, não tem como desvincular. A plataforma de campanha está cumprindo eleições e há um processo eleitoral. Por isso, são perfeitas as questões abordadas por Luís Nassif.

Mais à frente, diz:

No plano da estratégia continental, o desenvolvimento econômico e social do continente e a estabilização política dependem mais do que nunca da integração econômica e física. E esse processo passa pelo desenvolvimento equilibrado entre todos os países. Não se trata de questão ideológica. É uma inevitabilidade, independentemente dos governos de plantão. É essa integração que criará zonas de desenvolvimento e permitirá montar metas continentais, da mesma maneira que na União Européia.

Tive até oportunidade de comentar que é muito cômodo para a Espanha, que tem investimentos na Bolívia, fazer um pronunciamento claro, contundente, contestando as ações de Evo Morales, porque está do outro lado do oceano, faz parte da União Européia, que não precisa ser fortalecida, porque forte já é, e a inter-relação entre Espanha e Bolívia não tem nada a ver. Agora, para nós, da América Latina, é de fundamental importância fortalecer esse bloco, porque não tem, num mundo globalizado como o nosso, como fazer enfrentamentos, a não ser se articulando em blocos. E, se isso não acontece, ficamos submissos, aí, sim, de joelhos, e tendo de engolir tudo o que os poderosos e os blocos organizados impõem.

Continua:

O decreto de expropriação prevê uma auditoria para garantir que o ganho das empresas permita um retorno do capital. A França já se dispôs a negociar com Morales. Por isso mesmo, seria bom esperar os próximos lances do jogo, antes de se propor a analisar o resultado de uma partida que mal começou.

E termina contundente:

Pode ser que se confirmem um Morales troglodita e uma diplomacia brasileira ingênua. Pode ser que não.

Portanto, Sr. Presidente, considero esses elementos do artigo do Luís Nassif extremamente relevantes para o debate. Aliás, tem-se dito que a política externa brasileira não pode ser ideológica. E ouço comentários de que tudo está sendo feito ideologicamente, que a política não ressalta os interesses. No entanto, no mesmo dia em que os meios de comunicação afirmam isso, retratam também nada mais, nada menos do que um pronunciamento da Srª Condoleezza Rice em que diz que o governo americano, o Governo Bush, não vai admitir governos demagógicos na América Latina. E vão fazer o quê? O que fizeram no Iraque? Vão invadir? É isso?

Todos sabemos dos interesses econômicos dos Estados Unidos e do seu interesse de manter a América Latina absolutamente dividida, sem articulação, sem se configurar num bloco articulado para defender seus interesses. E não me venham dizer isso, até porque tratam ideologicamente a política externa adotada pelo Presidente Lula. A política externa adotada pelos grandes conglomerados, como a União Européia e os Estados Unidos, não tem nenhum viés, passa desapercebida nessa questão? Somos todos inocentes aqui de imaginar que não há interesses em jogo nessa questão.

Na continuidade, o artigo do Clóvis Rossi traz outros elementos que considero absolutamente pertinentes e interessantes. O artigo intitulado “O fracasso (da memória)”, inicia assim:

Se eu lesse os jornais distraidamente, acabaria acreditando que toda a culpa pela nacionalização do gás boliviano é do Presidente Lula e de sua política externa. Tudo bem, cada um acredita no duende de sua preferência, mas, para os que preferem fatos, um modesto ajuda-memória: 1) a Petrobras se lançou ao gás boliviano no Governo Fernando Henrique Cardoso, não no Governo Lula. Logo, se culpa há (e, nesse caso, acho que não há), é do Governo anterior.

Eu também acho que não há. Foi correta a atitude de investir na Bolívia, de fazer essa integração para permitir que pontos estratégicos, como é a questão da energia, sejam compartilhados e realizados no máximo possível em conjunto entre os países que têm, e devem ter, interesses comuns no trato das relações internacionais. Todos nós estamos de acordo de que foi correto fazer.

Portando, há falta de memória e, muitas vezes, eu ouço aqui discursos contundentes como se tivesse sido errado termos ficado dependentes, como se a culpa da dependência fosse nossa. Não! Começou há mais de dez anos. E foi correto fazer, porque tinha de ser feito mesmo, tenho esse entendimento.

Clóvis Rossi continua, na refrescagem de memória:

Da mesma forma achar que Lula alinhou-se demais com Evo Morales e, antes com o venezuelano Hugo Chávez, é acreditar em duendes. O grande esforço da diplomacia brasileira foi na construção do que agora se chama de comunidade sul-americana das Nações (desde FHC, aliás, até antes, com o Presidente Sarney e depois Itamar).

Havia essa necessidade porque ela é estratégica. Volto a dizer, é estratégico fortalecer os laços da comunidade sul-americana. Está correto o Presidente Lula, como estão corretos os que o antecederam e tomaram iniciativas nesse sentido.

Segue:

Incluía Chávez, claro, mas incluía também Carlos Mesa, o antecessor de Evo, e Alexandro Toledo, o agora inimigo de Chávez.

Note-se que o melhor gesto do Governo Lula para com a Venezuela foi ajudar na criação de um grupo de amigos naquele país, ao lado dos Estados Unidos, entre outros. Foi logo no início do governo e ajudou a evitar uma guerra civil.

Quem defende a democracia sabe da importância da estabilidade democrática em um continente conturbado por golpes e mais golpes e derrubadas violentas e fora do aparato institucional.

Por último, ele apresenta um outro ingrediente que considerei também importante:

O Governo FHC deu apoio ao fracassado processo reeleitoral de Alberto Fujimori, personagem e processo muito mais deletérios para a democracia do que todas as bobagens e bravatas de Chávez. E ninguém falou nada.

Esses dois artigos trazem elementos bastante relevantes.

Tive a oportunidade, uma semana antes da deliberação do Presidente Evo Morales, de estar com os Presidentes das três Federações empresariais do Sul do País - do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina -, numa reunião com o Presidente da Petrobras, o Dr. José Sérgio Gabrielli, porque todos nós estávamos preocupados. A Petrobras vem tomando iniciativas no sentido de fortalecer a extração do gás brasileiro, um investimento programado para os próximos anos de US$18 bilhões, para fazer com que as bacias de Santos e de Campos possam garantir o aumento da produção e, assim, podermos ficar menos dependentes do gás boliviano. Há uma previsão de que, até 2010, no máximo, já tenhamos produzido, no Brasil, o equivalente àquilo que hoje temos contratado com a Bolívia, ou seja, os 30 milhões de metros cúbicos diários.

Outra coisa que inclusive tranqüilizou o setor empresarial do Sul do Brasil, que depende exclusivamente do gás boliviano neste momento, são providências que a Petrobras está adotando para que possamos ter alternativas, no máximo em um ano e meio ou dois anos, como a gaseificação do gás natural liquefeito. Serão adquiridos navios, que terão a capacidade de gaseificar, que terão a possibilidade de encostar em determinados portos estratégicos - no caso do Sul do País, será em Santa Catarina, como já está previsto. Esse navio gaseificador do GNL vai poder injetar no gasoduto já existente gás de outra fonte, que não o gás boliviano.

Portanto, é uma alternativa não imediata, que levará algo em torno de dois anos, que é viável e possível de ser realizada. A Petrobras já vem desenvolvendo isso, até para que possamos ter alternativas de não ficar absolutamente dependente do gás boliviano.

Gostaria de conceder um aparte ao Senador Flexa Ribeiro, mas não sei se o Presidente permitirá, porque o meu tempo já se esgotou. Se for possível, eu gostaria muito.

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Senador Flexa Ribeiro, por gentileza, um rápido aparte.

O Sr. Flexa Ribeiro (PSDB - PA. Com revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente. Senadora Ideli Salvatti, farei um aparte muito rápido, para dizer que concordo com V. Exª quando diz que a soberania da Bolívia não diz respeito a nós, brasileiros. Mas o que me causa estranheza é o Presidente do Brasil não defender os interesses do Brasil. A mídia tem dito que Sua Excelência foi para essa reunião, que está se desenvolvendo hoje, em condições já de fraqueza em relação à posição nacional. Então, é correto que o Presidente Evo Morales possa argüir a soberania da Bolívia para fazer a expropriação, a nacionalização, melhor dizendo, dos poços de petróleo, porque aqui também são nacionalizados. O que não se pode é expropriar propriedades brasileiras, de empresas brasileiras, como é a estatal Petrobras, e repetir o que fez em relação à mineração, à produção de ferro-gusa, que foi a primeira ação de governo. Estranha-me mais, Senadora Ideli Salvatti, estar nessa reunião o Presidente Hugo Chávez. Talvez seja causa e efeito o fato de ele, há umas três semanas, ter proposto a construção daquele gasoduto, a que a jornalista Miriam Leitão chamou de “pinelduto”, para trazer o gás da Venezuela até a Argentina, passando pelo Brasil. Em seguida, passou a apoiar ostensivamente, como está fazendo, a ação do Presidente Evo Morales. E ainda participa da reunião que deveria atender aos interesses apenas dos países envolvidos. Era essa a questão que queria fazer a V. Exª.

A SRª IDELI SALVATI (Bloco/PT - SC) - Sr. Presidente, fico admirada de ver que a declaração da Consoleezza Rice não provocou reação neste Plenário. Os interesses da América Latina devem ser defendidos e articulados pelos países latino-americanos. Essa integração é de fundamental importância, mas muita gente não advoga, não defende isso. Muita gente acha fundamental entrar na jogada dos que sempre primaram por dividir para reinar.

A posição do Brasil está absolutamente adequada e correta. O Presidente Lula negocia com as armas da democracia. A Petrobras tomou decisões fortíssimas, cortou investimentos, está buscando em todos os fóruns defender os interesses. Não houve expropriação, não houve! E, se isso vier a acontecer, tomaremos todas as medidas necessárias para garantir o bem-estar do País. Até porque, se houver expropriação, vai-se fazer o que com o gás? Somos os maiores compradores! Eles vão vender para quem? Não há como, em quatro, cinco, seis anos, mudar a situação; nem existe lugar para se colocar o gás. E não há como arrecadar, porque, se o maior comprador é o Brasil, vai-se arrecadar imposto?

(Interrupção do som.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - PR) - Vinte por cento do PIB brasileiro correspondem exatamente à participação da Petrobras na Bolívia.

Portanto, creio que se deve baixar o gás, tirar a temperatura, agir, defender os interesses, como muitos querem fazer. “Junto com a água do banho”, muitos querem “jogar fora a criança”. Isso não é do interesse do Brasil, do interesse da América Latina. E todos os que estão entrando na lógica do “dividir para reinar” têm de dizer a serviço de quem e sob o interesse de quem estão atuando.

Muito obrigada.

 

*********************************************************************************

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª. SENADORA IDELI SALVATTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

*********************************************************************************

Matérias referidas:

“As razões de Morales”, (Luís Nassif) e

“O fracasso (da memória)” (Folha de S. Paulo, 04/05/2006.)

 


Modelo1 6/18/249:27



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2006 - Página 14624