Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificação à requerimento de pesar pelo falecimento do professor e economista John Kenneth Galbraith, falecido no último sábado.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Justificação à requerimento de pesar pelo falecimento do professor e economista John Kenneth Galbraith, falecido no último sábado.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2006 - Página 14673
Assunto
Outros > HOMENAGEM. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO, HOMENAGEM POSTUMA, JOHN KENNETH GALBRAITH, ECONOMISTA, INTELECTUAL, PROFESSOR, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, ECONOMIA, MUNDO, RELEVANCIA, OBRA LITERARIA, APRESENTAÇÃO, PESAMES, FAMILIA.
  • IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO, IMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROTESTO, DEFESA, IGUALDADE, DIREITOS, ESTRANGEIRO, OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Magno Malta, campeão de boxe, eu fui uma vez no acampamento Paiol Grande. Acho que eu deveria ter... Foi numa das quatro ocasiões em que estive lá na fase que eu tinha de oito a doze anos de idade. Mas foi lá que eu aprendi com Higino Zumbano, tio de Éder Jofre, a gostar do boxe e aprender a técnica. Dos 15 aos 21 anos, eu treinei bastante e disputei o campeonato da Gazeta Esportiva. Mas não fui campeão. Fui derrotado na semifinal. Isso é normal no esporte. E exatamente por conhecer bem é que eu quero, mais uma vez, aqui cumprimentar o Popó, o nosso campeão mundial de boxe, que teve o apoio tão entusiástico e apropriado de V. Exª. Meus parabéns por sua iniciativa, como Senador, de acompanhar o Popó na extraordinária luta em que ele se tornou tetracampeão mundial de boxe. V. Exª tem todo o meu apoio nessa iniciativa.

Mas eu gostaria de apresentar hoje - e assim estou encaminhando à Mesa - um requerimento de homenagem e de pesar, para que seja encaminhado aos familiares de John Kenneth Galbraith, bem como à Universidade de Harvard, onde ele foi professor, o sentimento nosso do Senado Federal. Eu soube que o Senador Arthur Virgílio encaminhou para a Comissão de Assuntos Econômicos requerimento com o mesmo sentido. Mas eu gostaria, hoje, de falar sobre o legado de John Kenneth Galbraith.

No último sábado, faleceu, aos 97 anos, um dos mais importantes economistas contemporâneos: John Kenneth Galbraith. Era um economista exemplar. Embora tenha sido, de certa maneira, um seguidor e discípulo de Keynes, Galbraith foi muito além disso: ele deu uma contribuição própria e profunda a diversos ramos da economia. Era um intelectual criativo, capaz de abordar com riqueza e originalidade uma gama impressionante de temas econômicos, sociais e políticos. A sua vasta obra é testemunho dessa imensa capacidade de trabalho e criação.

Em A Era da Incerteza, um livro sobre a história do pensamento econômico, John Kenneth Galbraith, por exemplo, tem um capítulo dedicado a Karl Marx. Nesse capítulo, faz uma análise da contribuição de Karl Marx, da importância do Manifesto Comunista e dos volumes de O Capital (Das Kapital). Quando Karl Marx faz uma observação relativamente ao lema em uma crítica ao programa de Gotthard, Karl Marx menciona que, quando a sociedade estiver mais amadurecida, os seres humanos vão inscrever como lema de sua bandeira: “De cada um, de acordo com a sua capacidade; a cada um, de acordo com as suas necessidades”. Aí citei 18 palavras. Esse lema em inglês contém apenas 12 palavras: From each according to his capacity, to each according to his needs. Então menciona John Kenneth Galbraith que essas 12 palavras tiveram um efeito revolucionário maior ainda do que os volumes de O Capital.

Infelizmente economistas como Galbraith são cada vez mais raros. Boa parte da Economia que se faz nas universidades, inclusive no Brasil, converteu-se, há muito tempo, num ramo não muito nobre da matemática aplicada, como dizia Joan Robinson, economista keynesiana inglesa que era muito ligada a Galbraith. Nem sempre os economistas se dispõem, como Galbraith, a refletir sobre as limitações e riscos dessa abordagem sobre as questões econômicas.

Desde a segunda guerra, prevalece uma tendência à formalização no campo da Economia. A formalização tem as suas vantagens. Bem aplicada, pode organizar a compreensão dos problemas e proteger a economia de improvisações amadorísticas. Mas a economia acadêmica distanciou-se dos problemas reais. A preocupação com o rigor suplantou a preocupação com a relevância. “Rigor” entendido como a aplicação de técnicas quantitativas matemáticas ou econométricas cada vez mais sofisticadas. Galbraith insurgiu-se contra essa tendência e foi um dos líderes intelectuais de uma vertente institucionalista minoritária, porém expressiva, no pensamento acadêmico norte-americano, com importantes repercussões no resto do mundo, inclusive aqui no Brasil. São muitos os economistas brasileiros que aprenderam com Galbraith e seguem os seus passos de recomendações centrais.

Eu poderia citar economistas como Paulo Nogueira Batista Júnior, Fernando Cardim e tantos outros. Eu mesmo notei, nesses dias, que, em artigos que escrevi nos últimos vinte anos, tenho citado John Kenneth Galbraith pelo menos mais de vinte vezes, bem como muitas de suas obras.

Galbraith dizia com razão que, para ser relevante, o economista precisa levar em conta a questão do poder, não sendo possível isolar a análise e discussão dos grandes temas econômicos do que se passa no mundo da política e dos conflitos de interesse.

Num ensaio memorável de 1962, The Language of Economics, A Linguagem da Economia, ele apresentou as suas ressalvas e qualificações ao padrão predominante de teorizar e ensinar em economia. Sem ser dogmaticamente contrário ao uso da matemática e econometria, posição que seria obviamente absurda, Galbraith preocupava-se em frisar o lado negativo da formalização e das abstrações matemáticas quando utilizadas para analisar problemas humanos e sociais. Sempre que se volta para problemas reais e práticos, a análise econômica, escreveu Galbraith, “precisa levar em conta a informação de outras disciplinas e também a realidade política, não se prestando facilmente a tratamento altamente técnico e matemático”. Ele criticava, em especial, a tendência de certos economistas a simplesmente excluir da análise os fatores mais difíceis de abordar quantitativamente.

Considerado pela maioria dos seus colegas acadêmicos como um “economista literário”, Galbraith não teve grande influência no meio acadêmico. Não foi agraciado com o Prêmio Nobel. Mas a sua influência e repercussão no debate econômico mais amplo foram imensas. Talvez só um outro economista norte-americano da sua geração tenha tido impacto semelhante sobre a opinião pública e os meios políticos: o seu adversário intelectual e político, Milton Friedman.

Seria um erro, entretanto, pensar que Galbraith teria sido apenas uma “personalidade da mídia”, como afirmou, pejorativamente, um economista americano mais jovem, Paul Krugman, em livro publicado no início dos anos 90. Acadêmicos mais experientes expressaram outra avaliação. Mesmo um economista como Paul Samuelson, keynesiano como Galbraith, mas muito mais próximo do pensamento econômico tradicional e das práticas de ensino e pesquisas hegemônicas, reconhecia e admirava a singularidade de Galbraith. A sua frase, muito citada: “Ken Galbraith, como Thorstein Veblen, será lembrado e lido quando a maioria de nós, laureados com Prêmio Nobel, estiver enterrada em notas de rodapés nas estantes empoeiradas das bibliotecas”, é de 1991 - não foi escrita sob o impacto emocional da morte do colega.

A referência a Veblen é apropriada. A obra de Galbraith se inscreve na tradição dos grandes pensadores econômicos e sociais, como Keynes, Schumpeter, Marx e Smith. Ela não tem, possivelmente, o peso das contribuições desses pensadores clássicos, mas não há dúvida de que Galbraith figurará na história do pensamento econômico com Nicholas Kaldor, Joan Robinson, James Tobin e outros, como um dos autores centrais da segunda metade do século passado.

Os seus principais livros, na opinião do próprio autor, foram a trilogia: A Sociedade Afluente, de 1958, O Novo Estado Industrial, de 1967, e A Economia e o Objetivo Público, de 1973. Nesse livro de 1973, desenvolveu um tema de grande relevância até hoje, em especial para o nosso País: a profunda interpenetração entre as estruturas tecnoburocráticas do setor privado e do setor público. Senadora Heloísa Helena, Galbraith cunhou uma expressão para caracterizar esse fenômeno: “simbiose burocrática”. A tecnoestrutura das grandes empresas procuram influenciar sistematicamente as políticas públicas, provendo os técnicos e nomeando políticos que tomarão as decisões relevantes para o desenvolvimento das suas atividades privadas. Forma-se um quadro de crescente interação entre grupos privados e funcionários governamentais que acaba contaminando as políticas governamentais e colocando-as a serviço de interesses especiais e particulares.

Note, Senadora Heloísa Helena, se porventura um dia V. Exª for eleita Presidente, isso vai continuar a existir. E precisa um presidente, como o Presidente Lula, estar atento para essa possibilidade, que é um fato, um fenômeno da vida tanto das sociedades desenvolvidas como de países como o nosso em desenvolvimento.

Os quadros técnicos se movimentam das grandes empresas para o governo e vice-versa, configurando uma situação de captura das alavancas decisórias governamentais.

Como negar a profunda relevância dessa análise de Galbraith para discussão do quadro atual, inclusive no Brasil? No governo George Walker Bush, este fenômeno de “simbiose burocrática” parece ter alcançado níveis inéditos. Escrevendo durante o governo Clinton, o economista Jagdish Bhagwatti cunhou a expressão “complexo Wall Street-Washington”, Senador Magno Malta, para caracterizar e denunciar a subordinação das decisões governamentais nos Estados Unidos e a atuação das entidades multilaterais, como o FMI, às prioridades e interesses dos grandes grupos financeiros e internacionais.

No Brasil, a “simbiose burocrática” está presente em muitas áreas. O Banco Central é possivelmente o exemplo mais importante. Há uma relação verdadeiramente simbiótica entre a direção e mesmo parte do corpo técnico do Banco Central e os interesses financeiros privados. O fenômeno é antigo. Estamos, ao que parece, diante de um caso típico de captura do regulador pelos regulados. O Banco Central deveria ser a autoridade máxima do sistema financeiro, mas atua freqüentemente em consonância com os grandes bancos. Converteu-se, em parte, em um instrumento de interesses financeiros particulares. A leitura de Galbraith ajuda a entender fenômenos econômicos e políticos como esse.

            Convidei, por meio de requerimento que foi aprovado - e ainda vai acontecer no dia 13 de junho - , todos os diretores do Banco Central e membros do Copom para virem à Comissão de Assuntos Econômicos explicar como é que definem a sua taxa de juros básica da economia. Será interessante mencionar essa reflexão. Como é que conseguem se manter imunes a essa interferência, a essa influência natural do sistema financeiro sobre o Banco Central. Um diretor do Banco Central conseguiu ter uma atitude isenta diante das pressões que naturalmente sofre é algo que considero difícil. Nada como a transparência das decisões, a formulação de seus raciocínios para que possam, inclusive, defender-me melhor das pressões.

John Kenneth Galbraith, em seu livro “A Moeda: de onde veio, para onde foi”, publicado nos Estados Unidos em 1975, assim explica os resultados desse afluxo de moedas.

A mensagem das Américas não foi aquela que trouxe uma alegria universal.

Na Espanha, a nova riqueza também levou a uma pressão dos salários para cima. Lá os salários parecem ter acompanhado aproximadamente os passos dos preços; nos outros lugares da Europa, eles se defasaram muito em relação aos preços, sendo o aumento da população uma das possíveis influências.

Na Inglaterra, entre 1673 e 1682, quando os preços estavam por volta de 3,5 vezes o nível do pré-colombiano (antes de 1492), é provável que os salários estivessem duas vezes mais altos. Havia, portanto, discrepância semelhante na França e, pode-se supor, também nas cidades comerciais dos Países Baixos e do norte da Europa.

Não foi a última vez - e provavelmente também não a primeira - que a inflação teve um efeito profundo na distribuição da renda, com uma tendência a punir mais aqueles que têm menos. A perda daqueles que receberam salários defasados foi, por outro lado, o ganho daqueles que os pagaram e que receberam os preços altos e crescentes. Os resultados foram lucros altos e, posteriormente, uma aceleração geral do comércio e, na sua manifestação mais elementar, o capitalismo industrial.

E, numa passagem que também poderia ser utilizada para explicar, ainda que parcialmente, o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, continua Galbraith:

Os altos preços e baixos salários significavam lucros altos. Dos lucros altos vieram as poupanças altas e um forte incentivo para os investimentos. Ademais, os preços crescentes tornaram fácil ganhar dinheiro; as recompensas materiais do comércio astuto ou da manufatura eficiente eram somados aos ganhos, com a passagem do tempo, da habilidade de vender a mesma coisa mais caro. A inflação lubrificava os negócios por resgatar os negociantes de seus erros de otimismo ou estupidez. Finalmente, pode-se supor que os lucros fáceis davam oportunidades melhores aos novos empresários que eram - como é o caso mais freqüente - os mais enérgicos, agressivos ou imaginativos, ou menos intimados pelo impossível do que aqueles que já se achavam no ramo. Foi desta forma que a moeda das Américas e a inflação resultante ajudaram no nascimento do capitalismo europeu. Indubitavelmente, ele teria nascido de qualquer modo, mas não pode haver dúvidas de que a ajuda foi real.

Não se pode afirmar que a inflação brasileira tenha sido planejada com tais objetivos. Em nosso País, a expansão monetária e o aumento dos preços têm sido fruto das pressões dos mais diversos grupos da sociedade para obter fatias crescentes da renda nacional, mas, sobretudo no período de 1964 até o fim do regime militar, em vista das restrições que foram impostas aos trabalhadores no sentido de minimizar o seu poder de reivindicação, essas pressões ficaram muito mais por conta dos diversos setores empresariais. Esses foram se alternando na contínua busca pelos programas especiais de investimentos, créditos subsidiados, incentivos fiscais e apoio de infra-estrutura.

Embora seja necessário reconhecer a necessidade do uso dos mais diversos instrumentos para promover o crescimento, sua administração não pode ser divorciada dos objetivos de um desenvolvimento mais eqüitativo. O que temos assistido muitas vezes em nossa história, porém, é a distribuição de favores especiais aos que já acumularam preciosos volumes de recursos e de poder, sem a contrapartida de uma melhor distribuição dos benefícios sociais e do poder de decisão.

Também é justo reconhecer que, muitas vezes, os programas governamentais visaram especialmente à promoção do bem-estar dos mais amplos setores da população. Em geral, todavia, boa parte desses programas apenas tentou corrigir, de forma insuficiente, os graves problemas resultantes de um processo gerador de graves desequilíbrios.

John Kenneth Galbraith, professor da Universidade de Harvard que, em muitos assuntos, tem sido um crítico de Milton Friedman, defende, de maneira semelhante, a garantia de renda mínima por meio de um imposto de renda negativo ou de uma renda básica, coordenado - e neste ponto difere de Friedman - com a existência de um salário mínimo, conforme registra em A Economia e o Objetivo Público (1975):

Não se pode alegar, para combater a adoção de uma renda alternativa, que alguns beneficiários não trabalharão. É justo, como dispõem todas as propostas atuais, que o indivíduo que trabalhe ganhe mais do que o que não trabalha. Ao assumir o emprego, perderá uma parte, mas não a totalidade de sua renda alternativa, de modo que sempre estará em melhor situação trabalhando do que vivendo na ociosidade. O trabalho continuará sendo uma necessidade iniludível da sociedade econômica. Mas o propósito essencial da renda alternativa consiste em impedir que o indivíduo seja obrigado a satisfazer-se com uma renda inferior a um determinado mínimo para conseguir esse trabalho.

A revista da Rede Européia da Renda Básica, Basic Income European Network, em seu nº 33, de outubro de 1999, enalteceu as três décadas de defesa da renda básica por Galbraith, pois, de maneira sempre assertiva e consistente, desde 1966 até hoje, ele vem defendendo a proposição, conforme se pode observar por suas obras e palestras.

Em “The Starvation of the Cities”, no livro A View from the Stands (1966), afirmou:

Não há cura simples para a pobreza, mas não deveríamos, em nossa sofisticação, ter receio do óbvio. [...] Até agora, meu enfoque para o problema da pobreza tem sido fortemente tradicional: nós precisamos ajudá-los a poderem ajudar a si próprios. Isso é bom, enquanto que meramente ajudá-los tem sempre sido considerado mau. Agora eu me aventuro a pensar que é chegado o momento de reexaminar esses bons dogmas calvinistas que combinam tão bem com nossa idéia de como se pode economizar dinheiro. Precisamos considerar uma solução pronta e efetiva para a pobreza, que é proporcionar a todos uma renda mínima. Os argumentos contra essa proposta são numerosos, mas a maior parte deles são desculpas para não pensar a respeito de uma solução, mesmo de uma que é excepcionalmente plausível.

Trinta anos depois, na palestra que o professor de Harvard proferiu (e que foi publicada em The Guardian, em 29 de junho de 1999) na ocasião em que recebeu o grau honorário da London School of Economics, ao completar 90 anos, Galbraith observou que o século passado estava se encerrando com dois problemas de enorme visibilidade e urgência, sem serem resolvidos. Um era o enorme estoque de armas nucleares. O outro era o grande número de pessoas pobres, até mesmo nas nações mais ricas. E assim registrou Galbraith:

A resposta, ou parte da resposta, é muito clara: todas as pessoas precisam ter a garantia de uma renda básica decente. Um país rico, como os Estados Unidos, pode muito bem deixar todas as pessoas fora da pobreza. Algumas, será dito, pegarão aquela renda e não trabalharão. Isso é assim, com o limitado sistema de bem-estar, como é chamado. Vamos aceitar que os pobres tenham o direito ao lazer, assim como os ricos.

Em A Economia da Fraude Inocente, A Verdade de Nosso Tempo, Galbraith explicou muitas das razões de os governos, como o do Presidente George Walker Bush, resolverem enviar seus aviões, navios e tropas para realizar bombardeios mundo afora.

Uma primeira fraude inocente, segundo Galbraith, é a maneira como mais e mais se decidiu dar ao capitalismo um nome mais ameno, o de sistema de mercado, para se diminuir a conotação de poder que se havia dado ao dono do capital por Karl Max, Friedrich Engels e seus seguidores. Não se costuma dizer mais que qualquer capitalista individual tem tanto poder; não se costuma ensinar que o mercado está sujeito a administradores muito habilidosos. Às vezes, há referência ao Sistema Corporativo, mas mesmo as alusões ao poder das corporações costumam ser feitas com cuidado pelos amigos e beneficiários do sistema, que assim preferem normalmente aludir ao mercado.

Outra fraude inocente analisada por Galbraith é a liberdade de que hoje dispõem os executivos no topo das corporações de fixarem a sua própria remuneração. O poder das corporações está sobretudo nas mãos de seus administradores, uma burocracia capaz de controlar suas tarefas e seus rendimentos, a ponto de tornarem recentemente verdadeiros escândalos.

Mais uma fraude está na descrição dos chamados dois setores, o público e o privado. Pois, mais e mais, na prática, nos Estados Unidos, o setor público tem se tornado também privado, especialmente no que diz respeito ao que ocorre no setor da defesa. Assim, analisa Galbraith, no ano fiscal de 2003, praticamente a metade do gasto não vinculado, isto é, não obrigatoriamente destinado à seguridade social ou ao pagamento da dívida pública, foi usado para fins militares. Em grande parte, para desenvolvimento ou inovação de armas, como bilhões de dólares para submarinos nucleares, dezenas de milhões para aviões. Para que isso ocorra, há uma voz política organizada do setor privado ligado à indústria de armas, algo que o ex-Presidente Dwight D. Eisenhower, a mais notável figura militar do Século XX, havia muito bem alertado ao falar do complexo industrial militar.

No próprio noticiário das guerras reportado pelo The New York Times, Galbraith detecta a forte presença das corporações em tantas atividades logísticas no campo de batalha. Algumas firmas ajudando o treinamento de tropas americanas e fornecendo munições, em operações denominadas Operações do Deserto, e outros exemplos. E assim descreve a realidade presente: No comando da guerra como na paz, o privado se torna o setor público.

Como se pode observar no Iraque, os fatos da guerra são terríveis e inevitáveis: a morte e a crueldade espalhadas da forma mais arbitrária, a suspensão dos direitos civilizados e a desordem. Mais do nunca é preciso reagir e mostrar que a condição humana é capaz de promover um outro caminho. A guerra, conclui Galbraith, continua sendo uma decisiva falha humana.

Cumprimento o Canadá, onde Galbraith nasceu, e os EUA, pois ele se naturalizou norte-americano na década de 30, por terem dado ao mundo um economista que tanto contribuiu para que a humanidade pudesse se organizar melhor e viver de forma mais civilizada.

Sr. Presidente Senador Magno Malta, Senadora Heloísa Helena, Galbraith não pôde assistir, porque faleceu no sábado, a algo tão importante para toda a análise com que ele tantas vezes contribuiu e com a qual nos brindou. Refiro-me ao que aconteceu nos Estados Unidos no dia 1º de maio.

Sabem V. Exªs que normalmente o Labor Day, o Dia do Trabalho nos Estados Unidos, é comemorado em setembro, mas os hispano-americanos, os imigrantes vindos da América Latina, avaliaram que era importante fazer um Dia do Trabalho especial, de protesto, em que pudessem todos dizer aos Estados Unidos e ao mundo que os imigrantes, mesmo aqueles que de há muito vêm trabalhando nos Estados Unidos sem papéis legalmente concedidos, devem também ter os mesmos direitos que os norte-americanos na medida em que trabalham lado a lado.

Isso tudo foi inspirado no filme, produzido há cerca de dois anos, denominado: “Um Dia sem os Mexicanos”, que trata de uma situação, em Los Angeles, em que simplesmente desapareciam, por hipótese, os hispano-americanos, os mexicanos, havendo um verdadeiro colapso de todos aqueles trabalhos que eles fazem - limpeza de banheiros, metrôs, trens, restaurantes, os serviços prestados nos edifícios, na construção civil. A partir daí, aqueles empenhados nos direitos dos imigrantes começaram a falar com os disc jockeys, que falam muito com a juventude, para que eles transmitissem que deveriam, sim, os imigrantes - mesmo os não-legalizados até o momento - ter direitos iguais aos dos norte-americanos.

Esse movimento se espalhou em um fenômeno de comunicação notável em cada comunidade, sobretudo nas comunidades onde vivem os latino-americanos, inclusive brasileiros, que resolveram também expressar o seu protesto e participar do movimento, seja nas regiões de Boston ou em outras, onde estão tantos brasileiros - V. Exª conhece, inclusive no seu Estado, Espírito Santo, comunidades que se mudaram para os Estados Unidos, assim como é conhecida a comunidade de Governador Valadares, para a região de Boston, de Nova Iorque e outras. Eles refletiram e resolveram participar.

O interessante foi que muitos dos empresários, empregadores de latino-americanos, alguns dos quais também latino-americanos, resolveram solidarizar-se, sem realizar qualquer punição aos faltosos nesse dia de protesto. Quem sabe possamos ter, em breve, a livre movimentação de seres humanos nas três Américas, inclusive com o fim daquele muro ao sul dos Estados Unidos?

Muito obrigado, Senador Magno Malta, pela generosidade e atenção com que permitiu que eu encaminhasse este requerimento para que haja inserção em ata de voto de profundo pesar pelo falecimento de John Kenneth Galbraith e apresentação de condolências à sua família e à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos da América.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2006 - Página 14673