Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da política externa e do comportamento da diplomacia brasileira com relação à Bolívia.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Defesa da política externa e do comportamento da diplomacia brasileira com relação à Bolívia.
Aparteantes
Fátima Cleide, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2006 - Página 15875
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, FORMAÇÃO, GRUPO, INTEGRAÇÃO, PAIS, AMBITO REGIONAL, MELHORIA, CONCORRENCIA, MERCADO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, SEMELHANÇA, OCORRENCIA, UNIÃO EUROPEIA, REGISTRO, SITUAÇÃO, BRASIL, AMERICA DO SUL, VANTAGENS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMPARAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ELOGIO, RESULTADO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, DADOS, AMPLIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR.
  • ELOGIO, PRESENÇA, CELSO AMORIM, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, PRIORIDADE, AMERICA DO SUL, DEFESA, PAZ.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JUSTIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, NACIONALIZAÇÃO, GAS NATURAL, IMPORTANCIA, ANALISE, DESENVOLVIMENTO POLITICO, INCLUSÃO, GRUPO INDIGENA, DEMOCRACIA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo de hoje, completamente globalizado sob o ponto de vista econômico, apresenta uma tendência clara e insofismável à regionalização das economias nacionais. A tendência à integração econômica de vários países dentro de uma mesma região busca a melhoria de competitividade das respectivas economias, na medida em que pela integração se aprofundam as especializações, crescem as produtividades e ampliam-se os mercados internos de cada país.

Todos sabem que a competitividade externa depende, intrinsecamente, de um bom mercado interno que faça avançar a produção e a produtividade.

Essa tendência à integração é óbvia. Não estou dizendo nenhuma novidade. Entretanto, é preciso ressaltar - o que também não é novidade porque tem sido muito discutido - que, para que haja êxito em uma integração, é necessário que os países que se integram tenham um mínimo de homogeneidade sob o ponto de vista de produtividade econômica, um mínimo de proximidade das respectivas produtividades econômicas nacionais, sem o que os países de maior produtividade levam uma vantagem inaceitável em relação aos países de menor produtividade.

É claro que, como a integração elimina todas as barreiras de circulação econômica, aqueles países que têm indústrias mais produtivas e mais avançadas vão tomar conta de todo o mercado e liquidar iniciativas porventura existentes nos países integrados de menor economia.

Na Europa, que nos oferece o melhor exemplo de integração exitosa, os seus países mais ricos compreenderam isso muito bem e institucionalizaram formas de subsídio, de transferência de renda, de investimentos públicos em infra-estrutura nos países mais pobres, como foi o caso dos investimentos feitos em Portugal e na Grécia, exatamente para aproximar as produtividades e não exercer um domínio que fosse prejudicial à economia desses países que não são tão adiantados, que não são tão avançados sob o ponto de vista de produtividade.

Ora, Sr. Presidente, o Brasil, nosso país, apesar da sua dimensão continental, também precisa dessa integração. Nenhum país do mundo hoje prescinde de um certo grau de integração com a região onde está inserido exatamente por causa da feroz competição econômica entre esses países e esses blocos regionais. Para nós, naturalmente, abrem-se duas possibilidades de integração: a integração sul-americana, ou latino-americana, incluindo a América Central e o México, e a integração pan-americana, através da Alca, que é o desejo da maior economia do nosso continente, a economia norte-americana.

Essa segunda hipótese, da Alca, ela nos traz esse risco de absorção das nossas economias, das nossas iniciativas econômicas pela produtividade gigantescamente maior da economia norte-americana. Não falo apenas na indústria. Claro que as indústrias, no momento em que houver livre circulação de produtos de consumo entre Brasil e Estados Unidos, várias das nossas indústrias, que já resistiram bravamente, quase que inacreditavelmente, à eliminação, à redução das barreiras unilaterais que o Brasil sofreu no seu período de governo neoliberal, essas indústrias acabariam por sucumbir. E não só as indústrias, mas também serviços, serviços bancários, compras governamentais, empreiteiros, obras governamentais. Seria, para nós, profundamente destrutiva uma integração completa com a economia americana dentro do projeto da Alca, razão pela qual nosso Governo tem procurado introduzir no projeto da Alca algumas salvaguardas, algumas cláusulas que impeçam essa absorção da economia pela gigantesca economia americana.

A outra hipótese, a hipótese da integração sul-americana, é, para nós, ao contrário, extremamente vantajosa. E pelos passos que já deu, por meio da institucionalização do Mercosul e do esboço de comunidade sul-americana que está se formando, os resultados já apareceram de maneira fantástica. Basta olhar o crescimento do comércio dentro da América do Sul. O maior parceiro comercial do mundo, hoje em dia, não é os Estados Unidos, nem a Comunidade Européia, mas é exatamente a comunidade latino-americana, que cresceu mais de 300% nestes três últimos anos e ultrapassou todas as marcas de exportação e importação, de comércio externo entre regiões. O Brasil exporta para América Latina mais do que exporta para os Estados Unidos, mais do que exporta para a Comunidade Européia. Isso pareceria inatingível há três anos, e, no entanto, está lá, é um dado da realidade. Quer dizer, essa integração, para nós, é muito interessante.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senador Saturnino, permite-me um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Já concedo o aparte a V. Exª.

Entretanto, temos que reconhecer que, para economias menos produtivas, como é o caso da Bolívia, essa vantagem não existe. Existirá até uma desvantagem de absorção, por parte do Brasil, de algumas iniciativas industriais existentes lá. Por exemplo, o nosso contencioso com a Argentina tem sido grande, porque a Argentina era um país que tinha uma indústria importante, mas a brasileira, mais produtiva, tendeu a prejudicar a indústria argentina, e foi preciso fazer acertos e concessões por parte do Brasil. Mas, apesar dessas concessões, as vantagens da integração para o Brasil são muito grandes.

É preciso considerar isso e fazer como os países ricos europeus fizeram, tentando remediar ou reduzir, de algumas formas, as desvantagens das economias menos produtivas da América do Sul nessa integração onde o Brasil entrará.

Ouço a Senadora Fátima Cleide, com muito prazer.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - É apenas para parabenizá-lo pelo pronunciamento. Ontem, assisti, de longe, à audiência pública com o Ministro das Relações Exteriores. Quero parabenizá-lo também pelo sucesso daquela audiência. Acho que ficou muito claro para o Brasil qual a real intenção do Governo brasileiro, que é o fortalecimento da América Latina. Penso que foram muito hábeis os que se opuseram a essa aliança na América Latina anteriormente, quando os governos deram as costas um para o outro aqui dentro, e agora temos um momento riquíssimo em que os governos da América Latina e da América do Sul se encontram para discutir nossas possibilidades e, como irmãos, reconhecer que podemos ser tão fortes quanto outros mercados internacionais. Concordo plenamente com o que V. Exª diz no seu pronunciamento. Mais uma vez, reafirmo minha total confiança na política externa do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Meus parabéns!

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado pelo aparte, Senadora Fátima Cleide. Realmente agradeço muito o aparte de V. Exª.

A presença do Ministro Celso Amorim na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional ontem não foi apenas esclarecedora e brilhante, que é uma característica de S. Exª, mas convincente, na medida em que ele mostrou com dados concretos e objetivos todos os benefícios que estão vindo para o Brasil no seguimento desse rumo traçado pela nossa política externa, que dá prioridade à comunidade sul-americana.

Sr. Presidente, eu também gostaria de fazer menção ao último número da revista Carta Capital, cuja principal matéria se intitula “As razões da Bolívia”, colocando as coisas nos seus devidos termos, de forma isenta, não de forma distorcida, como fizeram outras publicações, cujo propósito é destruir todo o projeto de formação da comunidade sul-americana, a fim de que todos se entreguem à Alca por falta de alternativa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Roberto Saturnino, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Daqui a um minuto, Senador.

Quero apenas dizer que também tenho preocupações em relação ao que está sucedendo com a Bolívia e ao que pode vir a suceder nesse procedimento, nesse problema que tem com o Brasil. A Bolívia é um país que tem uma história política complicada, de instabilidade profunda, um país que já perdeu territórios, que traz ressentimentos, que perdeu territórios em duas guerras, até para o Brasil, não em guerra, mas em um processo de negociação, um país que tem ressentimentos e que sempre teve a maioria de sua população, que é indígena, afastada do Poder. Como essa massa de indígenas participa do poder pela primeira vez, através do Presidente Evo Morales, falta a ela, por conseguinte, experiência de governo. Devemos reconhecer isso.

O Ministro Celso Amorim se referiu à decisão de nacionalização, à forma como foi feita essa nacionalização, como uma decisão adolescente. Ele quis dizer que foi a decisão de um governo que ainda não tem a experiência, a maturidade necessária para tomar decisões que sejam as mais corretas, mesmo sob o ponto de vista legítimo de defesa dos interesses da nação, historicamente espoliada, como é o caso da Bolívia.

Então, é importante o reconhecimento dessa situação real e a linha política desenvolvida a considera. Quer dizer, em vez de reagir de forma a escalar a emocionalidade e a radicalidade política, o que poderia destruir as relações entre Brasil e Bolívia, o que estaria contribuindo enormemente para destruir todo o projeto de comunidade sul-americana, a forma usada pelo Governo foi a mais racional, a mais objetiva, a mais interessante para o projeto nacional de desenvolvimento brasileiro. É claro que o fato suscita dúvidas, especialmente reações daqueles que estão realmente interessados na destruição da relação Brasil-Bolívia, para que a Alca tome, enfim, o lugar da Comunidade Sul-Americana e apareça como a única alternativa.

Concedo o aparte, com muito gosto, ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Roberto Saturnino, tenho uma admiração muito grande por V. Exª, primeiro como Diretor do BNDES.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Depois, como homem público, V. Exª foi um extraordinário Prefeito do Rio de Janeiro. Mas não é por aí, não. Lamento dizer que os dois estão perdidos. Atentai bem: não há esse negócio de vizinho. Na política hoje, todo o mundo é vizinho. Permita-me recomendar a leitura, como fizeram comigo, do livro “O mundo é plano - uma breve história do século XXI”, de Thomas Friedman, três vezes premiado. Segundo esse autor, “todo o mundo hoje é vizinho”. O que se lamenta em nosso Brasil é a realidade: participamos com menos de 1% do mercado internacional. Lamento informar que o Brasil caiu oito posições - da 57ª para a 65ª - no ranking de competitividade divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Estamos atrás da China, da Índia - pasmem! -, de El Salvador, da Colômbia e da grande Trinidad e Tobago. Devemos perder ainda mais posições na próxima divulgação, pois nada competente está saindo dos gabinetes do Executivo. O que eu queria dizer a V. Exª e ao Governo, com todo o respeito a V. Exª, que preside com muita competência a Comissão de Relações Exteriores deste Senado, de que participo, é que este mundo é plano. O Brasil não cresce. Vejamos o modelo de crescimento existente hoje na Índia, na China e na Rússia. Quero dar um exemplo, pois um quadro vale dez mil palavras, sobre a Índia hoje. Devido às dificuldades da nossa legislação - nós somos os culpados -, à carga tributária, Senador Saturnino Braga, cada brasileiro e brasileira que trabalha paga 76 impostos. Isso não existe no mundo. O Brasil tem o juro mais alto do mundo, além das dificuldades burocráticas. Ninguém está trabalhando neste País, todos buscam as benesses do emprego público, entrando na grande indústria da corrupção. O Brasil não cresce. Vou dar-lhe um exemplo: a Índia cresce - atentai bem - 10% ao ano, porque não tem essas dificuldades burocráticas, sua carga tributária é pequena, seu juro é muito menor. Hoje, quando V. Exª atende um telefone, está pensando que é um brasileiro? Não, é um indiano treinado para vender planos turísticos, planos de rede bancária ou planos de passagem aérea, porque há uma facilidade do capital, dos investimentos para esses países emergentes; e aqui se perdeu a confiança. Tanto isso é verdade que o filho do Vice-Presidente da República, que é Presidente da Coteminas, tem cem milhões para investir e disse que não vai investir no Brasil.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Mão Santa, agradeço a V. Exª o aparte, as referências.

Realmente, estou discutindo outro ponto. Compartilho das críticas. V. Exª sabe muito bem que fui muito crítico em relação à política monetária e fiscal do Governo. Eu estava mostrando que, sob o ponto de vista do comércio exterior, sob o ponto de vista de vantagens da integração, o Brasil sai de uma condição de deficitário no comércio internacional, gigantescamente, para uma situação de País superavitário, com superávits que nunca sonhou na sua vida, que foi uma vida econômica sempre marcada pela dificuldade cambial. Por quê? Que exportações cresceram? Cresceram as exportações para a Europa, para os Estados Unidos, também moderadamente, mas cresceu enormemente a exportação para a América Latina. É a isto que estou me referindo: que o projeto de integração com a América Latina é muito importante. No tratamento direcionado à Bolívia, deve-se levar em consideração isso e não se deve fazer o jogo daqueles que querem destruir esse projeto, para que nos entreguemos à Alca. Esse é o ponto de vista que estou defendendo.

Vou encerrar, Sr. Presidente, só fazendo a última consideração.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Peço um minuto mais.

Se existe um direito internacional - e existe, é óbvio -, é preciso que esse direito seja fundado em conceitos de justiça internacional também. Não há direito sem fundamento. O fundamento do direito é a justiça, é a ética. É preciso que haja justiça internacional, que não é meramente a justiça dos contratos, mas a justiça do reconhecimento das situações de vantagens e desvantagens que um país leva em relação ao outro. A consideração desse conceito de justiça é fundamental para a paz do mundo. A paz do mundo só vai se solidificar, só vai se edificar à medida que haja o reconhecimento internacional desses conceitos de justiça internacional.

O Brasil é um País de paz. O Brasil nunca aspirou ser potência na guerra. O Brasil sempre aspirou, de Rui Barbosa a Barão do Rio Branco e Afonso Arinos, ser potência da paz, exatamente pelo direito, pela justiça, pelo argumento, pela razão.

Assim, o Brasil deve considerar esses conceitos e levá-los em conta na prática da sua política externa, a começar pelos seus parceiros da América do Sul, que são aqueles que vão integrar o grande projeto de Comunidade Sul-Americana, que está no nosso destino e do qual não devemos fugir, mas nos alinharmos com ele, porque nele está contida a melhor perspectiva de desenvolvimento para o nosso País.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2006 - Página 15875