Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate sobre a questão do gás, com a conseqüente crise entre o Brasil e a Bolívia.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Debate sobre a questão do gás, com a conseqüente crise entre o Brasil e a Bolívia.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Azeredo, Leonel Pavan.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2006 - Página 15372
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CRISE, GAS NATURAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO PUBLICO, CONSTRUÇÃO, GASODUTO, PAIS, NECESSIDADE, TECNOLOGIA, IMPORTAÇÃO, GAS LIQUEFEITO DE PETROLEO (GLP), UTILIZAÇÃO, GAS, ENERGIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, REGISTRO, DADOS, ESTIMATIVA, PRODUÇÃO.
  • PROTESTO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, UNIDADE ADMINISTRATIVA, PLANEJAMENTO, APREENSÃO, OCUPAÇÃO, EXERCITO ESTRANGEIRO, FECHAMENTO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, OBJETIVO, NACIONALIZAÇÃO, GAS NATURAL, CRITICA, CHEFE DE ESTADO, NEGAÇÃO, AUMENTO, PREÇO, GAS, PROMOÇÃO, PREJUIZO, SOCIO, EMPRESA ESTATAL.
  • QUESTIONAMENTO, GOVERNO FEDERAL, ANULAÇÃO, DIVIDA EXTERNA, CONSTRUÇÃO, GASODUTO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, AUSENCIA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, CONTRATAÇÃO, PUBLICITARIO, PROPAGANDA, AUTO SUFICIENCIA, PETROLEO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou pedir licença aos meus colegas especialistas no assunto, como o Senador Rodolpho Tourinho, para também participar dos debates em torno da questão do gás. Todos sabem que está longe de ser a minha especialidade, mas a eclosão da crise entre Bolívia e Petrobras não deixou ninguém imune ao tema.

Estamos assistindo a uma sucessão inacreditável de erros e omissões, seja no campo da diplomacia, seja na atuação da Petrobrás, em particular, e do Governo, em geral. A vulnerabilidade do Brasil em relação ao gás boliviano seria muito menor se a atual direção da Petrobras tivesse implementado os investimentos em gasodutos previstos e se tivesse desenvolvido os campos de gás recentemente descobertos.

O consumo de gás natural pelo mercado brasileiro é de cerca de cinqüenta milhões de metros cúbicos diários, dos quais importamos da Bolívia cerca da metade.

Mas há alternativas no Brasil que, se não eliminaria o problema, ao menos o diminuiria. Por exemplo, o Campo de Manati, na Bahia, teria capacidade de produzir, inicialmente, seis milhões de metros cúbicos por dia; o de Peroá/Cangoá, no Espírito Santo, mais quatro milhões; e o de Mexilhão, em São Paulo, outros seis milhões. Portanto, a produção brasileira, caso os investimentos fossem realizados, seria acrescida de cerca de dezesseis milhões de metros cúbicos diários, fora algumas reservas cuja exploração até então era considerada de alto custo. Mas, diante das evidências recentes, passam a ser altamente positivas, lucrativas e oportunas.

Em 2003 e 2004, a Petrobras tinha como planos de investimentos construir os gasodutos de Campinas-Rio de Janeiro, o Gasene, pelo qual temos lutado nesta Casa, que beneficiará o Nordeste, e o Urucu-Manaus, pelo qual também tem se batido a Bancada amazônida, em especial o Senador Arthur Virgílio. Inclusive chegamos, por intermédio de acordo feito por esta Casa, com o aval do então Presidente desta Casa, Senador José Sarney, a destinar recursos para o Gasene, recursos que nunca chegaram a sua origem, porque foram criminosamente contingenciados pelo Orçamento.

A Petrobras, no entanto, não construiu um metro de gasoduto no Governo Lula, nem produziu um metro cúbico de gás natural em novos campos, que, aliás, já haviam sido descobertos. A produção teve um aumento pífio, de quarenta milhões de metros cúbicos por dia, em 2003, para quarenta e três milhões, em 2005.

Outra imprevidência foi a de não considerar o emprego de novas tecnologias, por exemplo, o do gás natural liquefeito, que permite importar o gás natural em navios, de qualquer lugar do planeta. Aliás, depois do leite derramado, a Petrobras anuncia hoje que a empresa pretende iniciar as importações do gás natural liquefeito (GNL) em 30 meses.

A Petrobras lançou ainda um programa - certamente já abandonado, como tantas outras coisas neste Governo que não saem do papel -, de massificação do gás natural. O objetivo era prover energia barata às famílias de baixa renda. Mas, isso, se sobrasse gás natural no Brasil!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa crise nos pegou na pior hora, e os seus protagonistas, os Presidentes Lula e Evo Morales, só têm olhos para as próximas eleições. Vínhamos observando um aquecimento do mercado, no que diz respeito ao gás, com um crescimento em torno de 20%, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado do País, Abegás. Mas, já no início do ano, ao registrar esses dados, a entidade alertava para a instabilidade política na Bolívia.

A par de todos os aspectos econômicos da questão, temos a desastrada atuação do Governo brasileiro, sem nenhuma unidade, planejamento ou preocupação com a sociedade brasileira. Se a diplomacia brasileira já está dividida em duas - pois temos o corpo profissional do Itamaraty, de um lado, e o grupo do Assessor Especial Marco Aurélio Garcia, do outro -, temos também divergências de opinião entre o Presidente da Petrobras e a Diretoria desse órgão. Aliás, Sr. Presidente, o Sr. Marco Aurélio Garcia, que de diplomata não tem nada, teve a ousadia de prestar um desserviço ao dizer que a Petrobras já havia ganhado dinheiro demais no gasoduto da Bolívia, como se insinuasse que agora poderia perder.

Sr. Presidente, se não bastasse o silêncio das autoridades brasileiras com relação à invasão das instalações da Petrobras na Bolívia - esse silêncio é injustificável -, nada justificaria a truculência com que agiram os militares, que obrigaram, inclusive, a retirada da bandeira da companhia do seu pátio. As tropas para lá foram como se houvesse alguma reação por parte dos indefesos funcionários que ali estavam.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Azeredo; em seguida, ao Senador Leonel Pavan.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Heráclito Fortes, lembro a V. Exª que aprovamos, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, semana passada, projeto de autoria do Senador Rodolpho Tourinho, do qual fui o Relator, sobre a nova Lei de Gás, que será muito importante - ainda temos de aprová-lo em outras Comissões para, depois, o aprovarmos no plenário - para que o Brasil possa buscar sua autonomia em gás. Também hoje contamos com a presença do Ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores. Para mim, S. Exª, como sempre, se mostrou muito inteligente em suas colocações. No entanto, mesmo assim, considero que o Governo Lula deixou em segundo plano os interesses dos brasileiros. A posição do Presidente Lula e do seu Governo foi tíbia, fraca em relação ao que deveria ser, tendo em vista a deprimente cena do exército boliviano à frente da Petrobrás, com os interesses dos brasileiros colocados em segundo plano.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Antes de conceder o aparte ao Senador Pavan, quero frisar que, entre tantos disparates produzidos pelo Presidente da República nos últimos dias, um dos maiores foi Sua Excelência dizer que um possível aumento do gás será absorvido pela Petrobrás para não ser repassado à indústria e aos consumidores em geral. O Presidente não pode fazer isso, simplesmente porque não é dono da Petrobrás! A Petrobras tem acionistas, segue regras de mercado e da Bolsa de Valores, onde suas ações são negociadas. Isso não se faz! Toma-se uma decisão dessa natureza em uma empresa da iniciativa privada, em uma empresa própria. A Petrobras tem ações negociadas inclusive na Bolsa de Nova Iorque. Os sócios minoritários, que seriam de imediato prejudicados, Sr. Presidente, entrariam com uma ação contra essa empresa, e o Presidente da Petrobras teria de ser afastado; e o Presidente da República, desmoralizado.

Lamento que pessoas que entendem dessas questões não orientem o Presidente da República a não dizer coisa dessa natureza. Bastava o episódio, lamentável, em que Sua Excelência afirmava que o Brasil continuaria investindo na Bolívia e o Presidente da Petrobras dizendo exatamente o contrário.

Concedo um aparte ao Senador Pavan.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senador Heráclito Fortes, V. Exª sempre tem posicionamentos firmes em defesa do Brasil, do capital brasileiro, diferentemente de outras pessoas do Governo que não ligam muito se outros países tomarem o capital de nossa Pátria. Hoje pela manhã, na Comissão de Relações Exteriores, quando o Embaixador Celso Amorim estava presente, a Líder do Governo disse: “É bom refrescar a memória. Estão falando porque o Exército da Bolívia tomou a Petrobras. É bom refrescar a memória. Em 1995, o Exército Brasileiro também invadiu a Petrobras no Brasil”. Mas que coisa! Que comparação! Ora, em 1995, o Exército Brasileiro protegeu o capital nacional, o capital brasileiro contra os grevistas. Na Bolívia, é diferente. Lá, o Exército boliviano está tomando o nosso capital. É uma comparação vergonhosa. Todos nós, parlamentares, independentemente de cor partidária, temos de erguer a bandeira do Brasil e defender os nossos interesses, e não o interesse de outros países. Em Santa Catarina, 100% das empresas que trabalham no setor têxtil e no setor cerâmico, dependem do gás boliviano. Se não tomarmos uma posição dura, inúmeras empresas irão à falência, aumentando o desemprego em Santa Catarina. Lamentavelmente, o Governo Federal não faz absolutamente nada para atender aos interesses da Nação.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Sr. Senador, infelizmente trata-se de sua conterrânea, mas sobre essa declaração da Líder apenas digo: “Perdoai, Senhor, ela não sabe o que diz”.

            Hoje mesmo tivemos aqui, no Senado, a presença do Sr. Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim. Eu o conheço há muito tempo. Posso estar até enganado, mas S. Exª até me pareceu constrangido em defender posições tão frágeis e na contramão do que sustenta toda uma geração de diplomatas da qual S. Exª faz parte, que são experientes negociadores, muitos dos quais seus colegas do...

(Interrupção do som.)

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Como disse o Professor Adriano Pires, especialista em energia, o Presidente Lula, que tanto responsabiliza a falta de planejamento de seu predecessor pela crise no suprimento de energia elétrica de 2002, comete o mesmo erro e encerrará a sua atual gestão deixando o País na ante-sala do apagão do gás natural.

Não bastasse a gravidade da situação, não bastasse a necessidade de pensar em soluções que aumentem a segurança da oferta interna de gás, o Presidente Lula ainda inventa de se encontrar com seus colegas para discutir a construção do gasoduto transbolivariano, que me parece mais uma aventura, uma megalomania sem precedentes, que só não assusta mais porque está fadado a não sair do papel.

Sr. Presidente, concluindo, imaginem os Srs. Senadores, depois desse susto que a Bolívia nos dá, o Brasil fazer investimento num gasoduto de oito mil quilômetros e entregar a chave desse tesouro ao Presidente da Bolívia, que, como já sabemos, não tem índole voltada para a democracia, que no primeiro capricho resolve fechar as torneiras. Quem será o responsável pelo fracasso de mais esse investimento e pela paralisação industrial do nosso País?

Mas o mais estarrecedor, Sr. Presidente, é que, meses atrás, este Senado aprovou um pedido do Presidente da República para perdão de dívida da Bolívia, sem que nenhuma contrapartida, sem que nenhuma segurança fossem dadas. E agora o Sr. Morales agradece o apoio dado, inclusive com declarações perigosas sobre o futuro dele como estadista. Ele agradece dessa maneira. 

O SR. PRESIDENTE (Roberto Saturnino. Bloco/PT - RJ) - Peço ao orador que conclua.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Vou concluir.

E, quando se diz que tudo vai bem, os jornais bolivianos cantam vitória e anunciam o aumento de dois dólares no preço do gás. Quem vai vencer essa luta? Não sei. Quem vai perder? O Brasil e o seu povo. 

Finalizando, Senador Antonio Carlos, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Serei breve, para atender ao reclamo do Presidente, para dizer a V. Exª que a Petrobras não pode brigar com ninguém, tendo em vista o que acontece lá dentro. São coisas inacreditáveis. Lá é um ralo de dinheiro para realmente sustentar o PT. De modo que, por isso, a Petrobras não pode brigar, nem com a Bolívia, nem com qualquer cidadão brasileiro. Tem de ficar calada, agüentando e sofrendo, e os acionistas pagando.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - A impressão que me dá é a de que, neste momento, a genialidade do Sr. Duda Mendonça, contratado a peso de ouro para defender a imagem...

(Interrupção do som.)

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - ...dessa empresa, deverá estar montando uma campanha milionária para tentar iludir o povo brasileiro e nos passar a sensação de que nada está acontecendo.

Enquanto o Senhor Presidente faz festa, a Bolívia se diverte com a desgraça alheia. Depois de invadir as nossas instalações de gás, começam a ameaçar a invadir as propriedades produtivas de brasileiros que lá plantam soja. E o Presidente diz: “Coitado. É o país mais pobre da América Latina. Continue”. Não há uma palavra de defesa do Brasil e dos brasileiros. Não se sabe sequer o que ocorre neste instante com os brasileiros que lá vivem, Sr. Presidente. É um absurdo!

Se este País não fosse tão forte como nós sabemos, haveria de se pensar que estaríamos perto do fim do mundo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2006 - Página 15372