Discurso durante a 58ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2006 - Página 16289
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL, PERIODO, IMPERIO, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, VIDA HUMANA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), NECESSIDADE, CONCLUSÃO, PROCESSO, LIBERAÇÃO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, POBREZA, IMPLEMENTAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, FACILITAÇÃO, ACESSO, POVO, EDUCAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim; Dr. Timothy Mulholland, Reitor da Universidade de Brasília; meu caro e querido Senador Cristovam Buarque, eu queria iniciar este discurso louvando a iniciativa de V. Exª por ter apresentado requerimento, no que foi apoiado por ilustres Senadores, para a realização desta sessão especial de hoje. Parabéns!

É necessário - sempre! - comemorar a Abolição da Escravatura entre nós. É necessário sempre lembrar. É necessário dizer e ensinar às novas gerações que faz apenas 118 anos - parece muito tempo decorrido, mas, se pararmos um pouquinho para pensar, não é tanto tempo assim -, faz apenas 118 anos que a sociedade brasileira, o sistema político brasileiro e o sistema jurídico-institucional brasileiro admitiram que alguns grupos de pessoas pudessem, legalmente, ser escravos de outros grupos de pessoas, e que esses grupos de pessoas pudessem dispor, como se dispõe de um bicho, de um animal ou de uma mercadoria, dos corpos e do trabalho dos primeiros.

Não devemos, pois, esquecer. É claro, esse fenômeno desumano e brutal, o instituto da escravidão, não ocorreu somente no Brasil. É certo que o Brasil foi uma das últimas nações do mundo ocidental a abolir legalmente tão aberrante regime de trabalho nos anos 80 do século XIX, lamentavelmente. E até hoje lamentamos, e lamentamos fortemente. 

Mas a escravidão é uma coisa muito antiga. É uma prática que atravessou toda a Antiguidade. Esteve na Grécia e em Roma, perdurou na Idade Média, sobreviveu à Idade Moderna, quando, na Europa, começou a sofrer os seus primeiros revezes.

Até hoje, por mais que se combata, a escravidão ainda está presente em muitos países e em algumas regiões de alguns países.

Que eu saiba, como instituição jurídica inserida no sistema legal de um país, como situação de direito, a escravidão não mais existe.

Isso é um grande avanço - seria injusto de nossa parte, ao contemplarmos o que foi o desenrolar da história do mundo em séculos e milênios, não reconhecer esse avanço. Houve avanço, sim; houve enorme progresso nessa questão.

Da mesma forma que é reconfortante verificar que a escravidão, no mundo de hoje, horroriza e repugna a grande maioria das pessoas. Há muito pouco tempo, não era assim. A escravidão, pela maioria, era vista como algo normal, natural.

Nos dias que correm, porém, qual a nação que não reconhece e que não é signatária da Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada no plenário da Organização das Nações Unidas, em 1948?

Em seu art. 1º, essa declaração diz:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direito. Gostaria de repetir: nascem livres!

Como se ainda não fosse suficiente a clareza de tal enunciado, a Declaração dos Direitos do Homem estabelece, em seu art. 4º:

Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sejamos injustos com a História! Louvemos, de coração, o fim da escravatura como situação de direito, varrida que foi pela consciência moral da humanidade no estágio em que hoje se encontra.

Comemoremos, sim, a saída do nosso querido Brasil, ainda que tardia, do rol das nações que aceitavam, em seu ordenamento jurídico, que pessoas pudessem ser reduzidas a coisas!

No entanto, não paremos por aqui, como se a narrativa de escravidão fosse uma obra acabada - concordo com o meu amigo em gênero, número e grau, ela não está concluída, e não está concluída para muita gente -, à qual se tivesse aposto um inexorável epílogo. Infelizmente, não o é. Se não mais existe a escravidão de direito, ainda existe escravidão de fato.

Se, faltando-lhe o embasamento legal, a escravidão de hoje - e me refiro ao nosso País ! - não tem a estabilidade que já teve no passado e não atinge tantas almas quanto já atingiu, e também se raras vezes tem sido tão cruel em suas práticas como já o foi, nem por isso deve receber menor repulsa de nossa consciência qualquer prática a que chamamos escravidão que avilte a dignidade da pessoa humana, que lhe negue seus direitos fundamentais, como o de ir e vir livremente, ou de ter direito a uma boa saúde e a uma boa educação.

O Brasil tem feito esforços para combater o que chamamos escravidão em sua roupagem contemporânea.

Nas carvoarias, nos latifúndios incrustados em rincões longínquos, nas zonas de desmatamento recente, nos bordéis, diligências dos valorosos fiscais do trabalho têm resultado na libertação de muitos cativos e cativas e no indiciamento criminal dos escravizadores.

É realmente uma pena que nosso sistema judiciário, quase sempre lento, quase nunca eficiente, não venha tendo o mesmo sucesso para condenar os culpados. A impunidade quase certa, aqui também, é um convite renovado à prática delituosa.

Faço, neste momento, uma homenagem a alguns profissionais que têm cumprido a missão de fiscalizar, muitos dizem que injustamente, outros que justamente, mas a verdade é que tivemos aí fiscais que estavam na sua missão e que foram assassinados em Minas Gerais. A minha homenagem a eles.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não toleremos, um só dia, que haja escravidão ou algum resquício dela em nosso País. A escravidão repugna, horroriza e enoja a consciência moral do homem civilizado.

Ontem, no Brasil, se escravizaram pessoas negras, que até hoje sofrem pelos ecos do preconceito e da discriminação desse passado não muito distante.

Mas, é preciso também dizer que hoje, conscientes e organizadas, essas pessoas fazem parte de um processo sem volta na direção da integração social, neste grande país miscigenado que é o Brasil. Atualmente, os vestígios das práticas escravocratas atingem menos a cor e mais a pobreza e a ignorância.

Atentos para que a luta contra a escravidão ainda não acabou de todo - mas, com toda certeza, vai acabar, em razão de nossa vontade -, louvemos estes 118 anos em que, juridicamente, estamos livres dela!

Muito obrigado.

Graças a Deus esse ato ocorreu em nosso Senado.

Concordo com meu querido amigo Senador Cristovam Buarque que só se pode libertar totalmente pela educação. A diferença entre uma pessoa que aluga o seu corpo hoje - é uma outra forma de trabalho escravo - para ter o pagamento de um dia na lavoura, a diferença dessa pessoa que só pode, por ignorância, alugar o seu corpo e a sua força e um cientista que é capaz de gerar inventos fabulosos, seja para a medicina, seja para aeronáutica, seja para o que seja, é só o tratamento do cérebro, e isso se faz na escola.

Por isso, concordo com S. Exª em gênero, número e grau e penso que tivemos neste Senado a coragem de abolir a escravidão, dia em que recebemos flores. Que nós continuemos nesta missão e consigamos também, por meio da educação, promulgada aqui, mais cedo ou mais tarde, uma lei que exatamente atenda às suas colocações de uma escola de tempo integral, de uma escola a que todos tenham acesso, de uma escola de qualidade, de uma escola que não seja só um restaurante a mais, concluir essa missão iniciada 118 anos atrás.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2006 - Página 16289