Discurso durante a 58ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2006 - Página 16294
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL, PERIODO, IMPERIO, IMPORTANCIA, LUTA, LIDER, QUILOMBOS, LIBERAÇÃO, ESCRAVO, COMENTARIO, CIRCUNSTANCIAS, EVOLUÇÃO, LEGISLAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, NEGRO, REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Cristovam Buarque, que preside esta sessão e que foi o autor do requerimento assinado por outros tantos Senadores, para que fizéssemos hoje uma reflexão sobre a situação da comunidade negra.

Meu querido amigo Reitor Timothy, V. Exª um exemplo, o Brasil sabe que V. Exª foi fundamental para que eu possa desta tribuna dizer que mais de treze universidades federais adotam a política de cotas permitindo que os negros estejam na universidade. Dizia-me V. Exª que são mais de 30 instituições que hoje adotam esse sistema.

Estou muito feliz neste momento da história, porque, à mesa, há dois estudiosos do campo da educação. O Senador Cristovam também foi Reitor da nossa UnB e deixou lá uma história muito bonita, a que deu continuação o nosso Reitor Timothy.

Com o meu pronunciamento, quero lembrar um pouco da história que aprendi nesta longa caminhada das nossas vidas, e é fundamental não permitirmos que eles apaguem o nosso passado.

Sr. Presidente, a partir de 1670, Zumbi, o grande Zumbi dos Palmares, passa a ser a grande referência pela luta, pela liberdade e pela cidadania do povo negro. A bandeira de Zumbi, mesmo depois de assassinado, de esquartejado, não cai, continua tremulando, e as suas idéias continuam vivas, muito vivas até hoje junto de nós. Aqui foi dito, e é verdade, que há 118 anos Zumbi faz com que os seus pensamentos permaneçam vivos.

Lembro a batalha dos abolicionistas, como Joaquim Nabuco, Castro Alves, Rui Barbosa - e a história conta, de forma meio confusa, que ele chegou a atear fogo, na época da escravatura, de tanta vergonha que sentia por aquilo que aconteceu -, José do Patrocínio, os irmãos Rebouças, Luís Gama, Antônio Bento e tantos outros. Não eram só negros, não, mas brancos e negros que tinham compromisso com a liberdade, com a igualdade e com a justiça. Eram homens e mulheres que estavam ali pautando a sua vida pelos ideais de Zumbi.

Enfim, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel. Os negros estavam libertos. A guerra travada entre abolicionistas e escravocratas dava um passo à frente em favor daqueles que almejavam a igualdade entre os seres humanos, independentemente da cor da pele.

Mas é importante lembrar que os escravocratas queriam que os negros permanecessem na senzala; afinal, eram mão-de-obra barata. Não nos esqueçamos também que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravatura.

Devemos lembrar - e aqui foi citado - que, em 1845, por ver que o Brasil não cumpria acordo algum, a Inglaterra decretou a chamada Lei Bill Aberdeen, que dava aos ingleses o direito de aprisionar navios negreiros, inclusive os que estivessem em águas brasileiras, e permitia o julgamento dos comandantes, condenando-os até mesmo à morte.

Apesar disso tudo, os escravocratas não recuaram. Ao contrário, o tráfico continuou.

Foram dezessete anos de lutas e perseguições entre a Lei do Ventre Livre e a Abolição. Com a assinatura da Lei Áurea, não foi diferente. Os negros estavam libertos, mas não foram assegurados a eles direitos. Não foi dado aos negros o direto à terra - era proibido comprar terra -, à educação - eram proibidos de estudar - e ao trabalho.

Devemos lembrar o 13 de maio de 1988 como uma data importante, sim. A batalha dos abolicionistas não foi em vão. A partir da liberdade, pequenas conquistas foram avançando lentamente, eu sei, passo a passo.

Hoje, já ultrapassamos mais de um século dessa lei, mas, infelizmente, a batalha entre os que defendem os princípios abolicionistas e os escravocratas continua.

Ao contrário do que disse uma revista, recentemente, não estamos inventando uma nova lei quando discutimos o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas só falam mal do Estatuto da Igualdade Racial. Dos outros, não falam, embora eu seja autor de outros dois.

Em 1951, foi aprovada a Lei Afonso Arinos. Bom. Se não existe preconceito ou racismo, por que veio e foi tão festejada a Lei Afonso Arinos? Veio para combater o racismo e o preconceito.

Vamos avançando. Em 1988, a Constituição declara - eu fui Constituinte e ajudei a escrever, com o Deputado Caó, o Deputado Edmilson, a Deputada Benedita, Ulysses Guimarães, Mário Covas e tantos outros -, em seu art. 5º, inciso XLII: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Bom. Se não existe preconceito, por que na Constituição cidadã fiz cravar, com toda a força, que temos que ter leis para combater o racismo?

Em 1989, a Lei Caó regulamentou o princípio constitucional para combater o racismo. Em 1997, aprovamos, por unanimidade, a Lei nº 9.459, de minha autoria, que, entre outras coisas, define o crime de racismo, de nazismo, e considera a injúria também como crime inafiançável.

Essas Leis comprovam que por mais que neguem alguns, o preconceito está aí, na nossa sociedade. Ele veio para cá, queiramos ou não, com o tráfico de escravos, iniciado no Século XVI.

A fim de eliminarmos o racismo, o preconceito e as discriminações, muito tem se tentado, muito tem sido feito, mas, com certeza, há muito ainda a se fazer.

Atualmente estamos articulando a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara dos Deputados. A resistência faz com que neste momento eu recorde a dificuldade dos abolicionistas lá no passado, quando queriam o fim da escravidão. E é bom registrar, Senador Cristovam Buarque, porque dizem que o Senado é uma Casa conservadora. Pois bem. Nesta Casa, o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado por unanimidade, não houve um Senador que falou contra, todos falaram a favor. Então, quem é conservador? É o Senado ou é a Câmara? Esta pergunta fica para a reflexão.

Os argumentos dos escravocratas da época são os mesmos dos conservadores de hoje. Consideram um erro o Brasil adotar ações reparatórias, compensatórias ou políticas afirmativas que permitam ao povo negro a plena cidadania. Discordamos dessa argumentação. Para nós, o que alimenta o conflito entre seres humanos é manter o status quo, em que ao negro é dado o direito de ficar quietinho na favela.

Aqueles que pregam contra as cotas nas universidades, Reitor Timothy Mulholland - e o Senador Cristovam Buarque é um dos defensores também -, aqueles que pregam contra o Estatuto dizem que não são preconceituosos. Não acreditamos. Se fosse assim, eles adotariam outra conduta e reconheceriam que a maioria negra, conforme os indicadores, não pode continuar na base da pirâmide, na pobreza, sem escolaridade, com os piores salários e sem direito à terra ou sequer a uma casa para morar.

Se fossem realmente livres de preconceitos pré-estabelecidos, livres de racismo, aceitariam que mais negros chefiassem as grandes empresas. Quantos negros os senhores conhecem que estão no primeiro escalão das grandes empresas? Se assim fosse, teríamos mais negros junto às instâncias do poder constituído e também em outras áreas. E não me venham com exceções. Exceções, para mim, podem ser referência, mas não exemplo de política.

Mas ficamos felizes, apesar disso tudo. Sempre digo, Senador Cristovam Buarque, que recebo muitos e-mails em meu gabinete. E é muito bom poder dizer que, de cada 100 correspondências que recebo, 95 são a favor da luta contra os preconceitos, a favor do Estatuto, e dizem que são fundamentais as políticas afirmativas. E não chega a 5% aqueles que mantêm uma posição reacionária, atrasada que, na verdade, não deixa de ser racista e preconceituosa.

Há mais de um século, muitos se destacaram na luta contra a escravidão. Hoje, a história se repete. Nós - e não apenas eu -, que lutamos pela igualdade, devemos homenagear esses lutadores. Que rufem os tambores para aqueles que tombaram por essa causa. E também rufem os tambores para aqueles que dedicam à sua vida a ela. Queremos que o Brasil avance, tal como aconteceu nos Estados Unidos. Lá, em 1964, depois de muitas batalhas, em que muitos tombaram sob a liderança de Martin Luther King, a Suprema Corte americana reconheceu os direitos dos negros civis norte-americanos, depois da grande Marcha dos Cem Mil sobre Washington. Em seguida, o Congresso referendou esses direitos. O Brasil está, no mínimo, meio século atrás da qualidade de vida do negro norte-americano.

É importante que tenhamos consciência de que não estamos sós nesta luta. Podemos aqui citar, por exemplo, as duas grandes marchas sobre Brasília no ano passado, ambas exigindo direitos e cidadania ao povo negro. Com 92 anos, Abdias é uma grande referência para todos nós, sem sobra de dúvida. Ele continua defendendo igualdade, liberdade e justiça.

Poderia pedir a vocês que homenageasse agora algumas pessoas da nossa história, mas considero melhor homenagearmos Abdias, que, aos 92 anos, está fazendo uma exposição aqui no teatro, dedicando-lhe uma grande salva de palmas, neste momento. (Palmas). Que ele chegue aos 100 anos. Grande Abdias! (Palmas.)

Por que não lembrarmos também aqui de uma pessoa que foi doméstica, favelada, negra, mulher, vereadora, Deputada, Senadora e governadora do Rio de Janeiro: Benedita da Silva!

Podíamos também falar do Frei Davi e dos avanços da Educafro. Só para citar um exemplo, não tínhamos quase negros em bancos, mas graças ao movimento liderado por Frei Davi e pela Educafro, de 2003 a 2005, os contratos passaram de 155 para 2.354, num único banco. O número de promoções passou de 145 para 562. Isso mostra que vale a pena lutar, que vale a pena mobilizar-se. Frei Davi e a Educafro apresentaram proposta para que a Infraero contrate também mais negros e que, nos processos de licitação, se dê preferência às empresas que adotarem diversidade na contratação de funcionários; que se estabeleça um termo de responsabilidade étnica, racial também nos aeroshoppings.

Senhoras e Senhores, a comunidade negra está fazendo a sua parte. Os governos precisam fazer a deles.

Há avanços do Poder Executivo que quero citar aqui. Foi importante, sim, a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, dirigida pela Ministra Matilde Ribeiro; a aprovação do ProUni; o reconhecimento de um movimento coletivo, Senador Simon, lá na nossa Grande Porto Alegre, do Quilombo Silva. Eu estive lá numa missão, autorizado por todos os Srs. Senadores, ocasião em que foi reconhecido o Quilombo Silva, numa área supervalorizada no centro de Porto Alegre.

Mas quero dizer a vocês que eu sei, e vocês também sabem, que a batalha não é fácil. Temos certeza de que um dia a história lembrará também dessa década como nós recordamos hoje a época de Zumbi dos Palmares e o episódio que marcou a assinatura da Lei Áurea. No futuro, quando não estivermos mais aqui, Senador Cristovam Buarque, certamente gerações vão comentar que, no início do século XXI, o Brasil travou uma grande batalha entre os que queriam assegurar direitos civis para os negros e os que eram contra essa idéia.

Quero reafirmar que a adoção de políticas afirmativas é fundamental para reparar os prejuízos causados por séculos de escravidão.

Peço a Deus que meu nome e o de todas as senhores e os senhores estejam ao lado daqueles que lutaram pela justiça e pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.

Peço a Deus que os dias gloriosos pelos quais tanto sonhamos e lutamos cheguem logo. Dias em os que os seres humanos serão respeitados em suas diferenças e em que a cidadania plena seja assegurada a todos.

Vida longa às idéias do grande líder Zumbi dos Palmares e de todos aqueles que tombaram, mas que se perpetuaram mediante os seus ideais em defesa do povo negro! Vida longa aos negros, brancos, índios e todos aqueles que são discriminados e que fizeram da sua vida a luta por essa causa.

Que a força de todos esses grandes guerreiros seja a nossa inspiração, nossa fonte de energia para que os dias de luta que vamos travar, em batalhas permanentes, e nos levem ao caminho da vitória. Essa luta é pelo bem de todos, brancos e negros, pela supremacia daquilo que há de melhor no ser humano, na sua essência. Creio, de coração, que a essência de cada um aponta para o fim da discriminação, para o fim de tudo aquilo que fere mortalmente a grandeza de espírito para a qual fomos criados.

Não sei - e aqui eu termino, Senador - se vocês notaram, não só na minha fala, mas ao longo da História deste País, que os nomes dos escravocratas desapareceram, mas os nomes dos libertadores estão nos versos, nas poesias, nos livros; estão marcados na nossa mente e, tenho certeza, estarão marcados na mente também das gerações futuras. Aos escravocratas de ontem, que são os conservadores de hoje, deixo o silêncio da vida e o anonimato que a própria história destinou a eles. (Palmas.)

Por tudo isso, quero terminar dizendo: Viva Castro Alves! Viva Abdias! Viva Joaquim Nabuco! Viva Matilde! Viva Benedita da Silva! Viva o grande líder mundial Mandela! Viva Zumbi! Viva Frei Davi! Viva os irmãos Rebouças! Viva Luís Gama! Viva Antônio Bento! Viva José do Patrocínio!

O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. PDT - DF) - Viva Paulo Paim! (Palmas.)

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Viva Luther King! Esses, mortos ou vivos, estarão sempre com os seus nomes gravados, não somente na história, mas aqui no nosso coração. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2006 - Página 16294