Discurso durante a 58ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração da abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2006 - Página 16297
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PERIODO, IMPERIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, PAULO PAIM, SENADOR, DEFESA, DIREITOS, NEGRO, COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, DARCY RIBEIRO, EX SENADOR, REFERENCIA, MISTURA, RAÇA, POVO, BRASIL, CRITICA, DESIGUALDADE SOCIAL, CONDUTA, CLASSE SOCIAL, PODER ECONOMICO, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, REGISTRO, FRUSTRAÇÃO, ORADOR, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr. Reitor, Srs. Deputados, Srs. Senadores, senhoras e senhores, meu amigo Cristovam, o certo seria encerrarmos a sessão com o discurso do Senador Paim; não teríamos mais por que continuar. V. Exª solicitou esta sessão dizendo, no requerimento e no pronunciamento depois, que, mais do que festejar, seria para refletir, seria uma reflexão geral de todos nós.

Eu digo, com muita convicção, que este Senado vai ser conhecido em dois tempos: como eram as atividades deste Senado, as leis, os pronunciamentos antes de Paim chegar aqui e o que foram as atividades deste Senado, as leis, os projetos que votamos, os pronunciamentos que fizemos depois que o Senador Paim chegou aqui. Foi uma transformação emocionante. É verdade que com o Paim chegou o Cristovam, chegou a Heloísa Helena, chegaram alguns que o ajudaram nessa caminhada. Mas eu, que estou aqui já se vão 24 anos, não vi nada semelhante à atividade do Senador Paim. Atividade a favor das causas mais lindas e mais bonitas que possamos imaginar, a favor da liberdade, a favor da justiça racial, a favor da justiça social, a favor do salário justo, a favor do respeito ao velho, à mulher. São tão impressionantes os pronunciamentos, as leis, os artigos, as normas, os decretos, os regimentos, os estatutos que o Paim fez pelas causas sociais, que eu concordo com o Cristovam: não temos por que pensar em receber flores da população. Principalmente na era e no momento que estamos vivendo, a Câmara e o Senado merecem tristes mensagens - que recebemos -, tristes interpretações que a população faz de um Congresso que vive talvez a hora mais escura e mais triste da sua história. O que nós, Senadores, poderíamos fazer, sim, meu amigo Cristovam Buarque, era pedir à assessoria que trouxesse aqui pétalas de rosas e atirarmos no Senador Paulo Paim, que mereceria, com esse seu pronunciamento. (Palmas.)

Ele, sim, mereceria, e sei que nós estaríamos fazendo isso em nome do povo brasileiro porque seria bom, principalmente nesses últimos 30 dias de desgraça em cima de desgraça: o Congresso aprova, na Câmara, em um acordo venal e cruel, todos os envolvidos nos escândalos da CPI; aparecem denúncias de que são trinta, quarenta, setenta, cem, os que se envolvem naquela distribuição de ambulâncias. Em meio a isso, esta sessão que o Cristovam em tão boa hora pediu, e pediu para que não se fizessem honras nem loas, mas que se fizesse reflexão. Ele as fez, e o Paim, debulhado em lágrimas, colocou, nesta tribuna, o seu coração.

Sim, não tenho dúvida. Já li e já reli, porque me faz bem, o livro de Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. Faz bem ao meu coração. Ele conta que fugiu da UTI quando o médico lhe disse que ele tinha pneumonia dupla. Ele disse ao seu motorista: “Temos que ir embora daqui. Esse médico é louco. Como é que vou ter pneumonia dupla se eu tenho um pulmão só”? Fugiu, foi para a casinha dele na beira do mar, na rede e, entre a fuga da UTI e a morte, escreveu esse livro sobre o povo brasileiro. Ele fala claramente das misérias do hoje, mas fala do amanhã. Diz ele que o Brasil é diferente de qualquer outro lugar; não é como os Estados Unidos, onde estão os chineses, os latino-americanos, os negros, os judeus, os árabes. Ao contrário de outras tantas regiões onde isso acontece, há mistura no Brasil. E ele a chama da raça brasileira, que está nascendo, surgindo e que tem, sim, o sangue do índio, do escravo, dos portugueses, dos espanhóis, árabes, alemães, judeus, chineses, japoneses e de uma série de povos que vieram e se mesclaram. E que a raça do povo brasileiro tem tudo para ser uma grande raça.

Eu creio nisso. Eu tenho fé nisso. Digo, com profunda convicção, que tenho orgulho do povo brasileiro. Venho de longe. Fui vereador e tive contato com a gente simples da minha terra de Caxias do Sul. Sou de família humilde, descendente de imigrantes libaneses. Meu pai era mascate na colônia italiana do Rio Grande do Sul. Tive em Caxias essa convivência e aprendi a respeitá-la.

Não tenho nenhuma dúvida de que, se o povo brasileiro é um grande povo, as elites brasileiras - desculpe-me, Reitor, - valem muito pouco. Que coisa mais triste é essa para um povo de convicções, pacífico, ordeiro, que gosta do trabalho, que constrói!

Lembro de novo que nós, gaúchos, tínhamos orgulho de que os nossos sapateiros eram uns artistas fantásticos, faziam sapatos que eram verdadeiras obras de arte. Quando as fábricas foram para o Nordeste, rimos e dissemos: nossos artesãos levaram 40 anos para aprender, como o nordestino vai fazer? Em dez dias, eles fizeram melhor do que nós e estão levando praticamente todas as nossas fábricas embora.

Quando vemos na colônia, no interior, com 15 ou 20 hectares de terra, o produtor crescer, progredir, desenvolver e avançar, pensamos que eles poderiam, se o Brasil permitisse, transformar o nosso País em celeiro do mundo.

As elites brasileiras não são grande coisa. O Congresso Nacional, que me perdoe - estou aqui, faço parte dele -, tivemos aqui grandes vultos, grandes nomes, grandes valores, mas, no contexto do Congresso em si, nós não estamos à altura do povo brasileiro. Outro dia apresentei um projeto de lei que foi ridicularizado. Eu sabia que isso ia acontecer. Mas tenho o orgulho de dizer que, como Governador, eu o apresentei na Assembléia Legislativa e foi aprovado por unanimidade. Segundo o projeto, o maior salário do funcionário público no Estado do Rio Grande do Sul não pode ser mais do que 20 vezes maior que o menor salário. Apresentei aqui um projeto nesse sentido, e vários Parlamentares me ridicularizaram, dizendo que era uma demagogia ridícula, que eu estava fazendo um projeto querendo deixar mal o Congresso Nacional e querendo eu ficar bem, defendendo uma tese impossível, uma tese absurda. Aí alguém me perguntou: “Senador, diga-me, com sinceridade, um Senador pode viver com 20 salários?” Reconheci, intimamente, que talvez não pudesse, mas, respondi-lhe: Senador, acho que essa não é a pergunta a ser feita. A pergunta a ser feita é a que faço a V. Exª: pode um operário viver com um salário?

No entanto, isso é normal. Votamos os projetos aqui, as vantagens ali, com a maior tranqüilidade. Veja a suntuosidade deste País, a grandeza, a pomposidade de um país onde a classe alta é tão alta como a mais rica do mundo e a miséria é tão grande como a do país mais pobre do mundo. Nisso, há a nossa presença, nem que seja pela nossa omissão. Mas nós não podemos, Senadores da República, ficar dizendo: isso acontece, apesar de nós. Não. Isso acontece porque nós também concordamos. Assim como diz o poeta árabe, que numa árvore nenhuma flor, nenhuma folha amarelece sem o consentimento da árvore inteira, numa sociedade ninguém decai, ninguém está na miséria sem o silêncio consciencioso, aprovador de toda a sociedade.

Sim, as nossas elites não são o que podiam ser. Viva a imprensa brasileira, uma grande imprensa! Nossos jornais têm história, têm tradição, têm biografia, têm garra, mas são conservadores. Você não vê, jamais, em um jornal, um artigo que bata duro no sistema financeiro. Você não vê, jamais, em um jornal, um artigo que bata duro nos grandes proprietários de terra. Você não vê, nos grandes jornais, a defesa de uma tese profunda a favor do social.

Vejo até com respeito as entidades religiosas. A CNBB, as igrejas fazem movimentos bonitos, como o da Campanha da Fraternidade, que diz: “Traga o doente para o meio de nós”. É uma campanha emotiva.

Então, quando chega o Natal, ficamos todos orgulhosos, cada um caminhando feliz, porque o Natal é sem fome. Nos outros dias, tudo bem, mas o Natal é sem fome.

Outro dia, numa reunião do nosso grupo de fé, li um trecho do Ato dos Apóstolos que diz como a igreja começou: eles vendiam tudo, traziam o que tinham e colocavam na frente, para que todos que ali estavam comessem e vivessem. Não digo para fazermos isso, mas todos nós longe estamos de dar a nossa contribuição.

Pobre Brasil, onde as elites estão tão longe do povo, que é tão sofredor.

Não quero, numa hora como esta, falar em questões pessoais, porque seria até ridículo da minha parte. Lutei um tempo enorme para restabelecer a democracia e parecia, guri que eu era, que nós resolveríamos a nossa questão.

Entrou a socialdemocracia, que o mundo inteiro aplaudia - havia Felipe González na Espanha e outros pelo mundo afora -, chegou ao Brasil, e eu pensei: chegou a nossa vez; vamos fazer justiça social. Talvez tenha sido o pior período que conhecemos. Só não foi pior que o de agora, quando entrou exatamente alguém que nos fazia imaginar que tinha chegado a nossa hora. Pensamos: agora chegou. Agora chegou alguém que veio do povo. alguém que viveu, que sentiu dificuldades. Não era negro, é verdade, mas conviveu com gente simples, humilde; brancos e pretos. Lá na sua terra, Pernambuco, de onde veio num pau-de-arara, havia mais negro do que branco; bem mais negros do que brancos. Lá na escola onde ele estudou, naquela selva - São Paulo -, onde ele sobreviveu e venceu, na sua convivência permanente, havia mais negros do que brancos. Ele dizia isso em seus pronunciamentos. E nós esperávamos que tinha chegado a nossa vez. Juro por Deus que rezei e que agradeci a Deus porque tinha chegado a nossa hora. Mas deu no que deu. Agora nós não temos nem o direito de ter esperança, porque estão nos tirando o direito de sonhar. Quem sonhar agora é porque é louco, é porque está fora da realidade. Sonhar com quê? De um lado, nosso querido Lula, uma bela pessoa a quem eu quero bem, mas que não fez transformação, não fez modificações. Não digo nem romper. Não digo nem punir. Mas não conseguiu sequer fazer o ato de contrição prometendo que daqui para frente vai ser diferente: - Ah, agora vai mudar, daqui para diante vai ser outra coisa. Vai ser diferente, porque nós vamos fazer aquilo que se imaginava.

Para mim não seria preciso punir ninguém. Que Deus os leve e que cada um faça a sua parte! Mas é o contrário. No congresso do PT, disseram o seguinte: não se fala no assunto até as eleições. Se não se vai falar no assunto até as eleições, depois das eleições vai se falar em quê?

Do outro lado, a velha social democracia, que está ridicularizada no mundo inteiro hoje. O coitado do Primeiro-Ministro inglês, Tony Blair, assumiu depois de Margareth Thatcher, que tinha feito um belíssimo governo, reacionário, mas um grande governo. A Dama de Ferro. O Tony Blair vinha como o homem do social, o homem que faria as grandes transformações que a Inglaterra tinha esperado o tempo todo. Coitado! A Inglaterra vive a sua época mais triste! Pelo menos, durante todo o tempo, manteve a independência, a autoridade, a autonomia e o respeito. Hoje, o Tony Blair é o papel carbono do presidente americano, ele o referenda sem a absoluta convicção.

Pergunto-me: para onde vamos? Quero dizer que, se eu tivesse alguma força e alguma autoridade no próximo governo, acho que as decisões com relação ao combate ao racismo teriam que ser radicais. Não é esperar com o tempo. É claro que com o tempo vamos resolver! Não tenho nenhuma dúvida nesse sentido! Nenhuma dúvida!

Teríamos de andar - e os convido - nos grandes shoppings aqui de Brasília, por todos eles, e perguntar: por que não tem negro trabalhando aqui?

E a mim já disseram que chegaram à conclusão que os clientes não gostam de ser atendidos por negros.

Estou falando aqui em Brasília, na Corte, onde algo pode ser visto. Basta os senhores andarem pelos shoppings centers aqui de Brasília e verificarem se entre as pessoas que vendem, se entre as moças que estão atendendo, esteja alguma negra.

Quanto à quota da Universidade, Paim, V. Exª tem toda a razão...

V. Exª tem toda a razão, meu abraço ao Reitor, é algo que já deviam ter feito há muito tempo. Mas eu acho que veio para ficar e veio para caminhar adiante. E eu defendo quotas nos mais variados setores.

Penso que esta é a praga mais feia do nosso País: olharmos para todos os percentuais da miséria e notarmos que lá estão os negros. Entrar em todas as penitenciárias do Brasil, ali os negros estão em primeiríssimo lugar.

Poder-se-ia até imaginar que, de certa forma, é lombrosiano: o negro já tem uma índole para o mal!? Vi tanto negro preso e vi tanto branco de colarinho branco solto, porque este é um País...Caminhar na zona nobre de São Paulo é diferente de fazê-lo no Rio, porque não tem a montanha com a favela e a burguesia aqui embaixo. Lá a zona nobre é zona nobre. Se um negro maltrapilho está caminhando pela rua ali, a polícia já vem e já pergunta o que ele está fazendo, porque é sintoma de que ele é perigoso.

Meus amigos, imagino que o fato de o Congresso ter mergulhado tão baixo, de o Governo ter-se afundado tanto...E quando vejo isso que aconteceu com esse presidentezinho da Bolívia, a sua falta de respeito, eu defendo os seus direitos, defendo que ele faça o que acha que deve fazer, mas o Brasil merece respeito, pela sua história e pela forma com que ao longo do tempo temos tratado nossos vizinhos. Está ali o Senador José Sarney, excepcional. Foi o primeiro latino-americano que se lembrou disso e começou essa integração. O Brasil não merecia ser jogado aos olhos do mundo como imperialista, sendo comparado ao que está acontecendo no mundo árabe, enquanto a nossa querida Petrobras é um exemplo de trabalho e de luta.

Acho que, neste momento triste que vivemos, temos a obrigação de tentar encontrar uma saída de profunda reflexão. Olha, Presidente Sarney - e V. Exª foi Presidente da República e é um homem que... Só não gosto de V. Exª dentro do MDB, mas, como cidadão e como brasileiro, acho que V. Exª é nota 10, podia ser nota 10 também no MDB, mas, infelizmente, há um problema de incompatibilidade -, V. Exª é um dos homens que podia chamar, neste momento, a sociedade e alguns para estabelecermos um entendimento. Não vou falar em Pacto de Moncloa, porque está ridicularizado, mas vamos fazer alguma coisa que comece a mostrar um novo caminho. Por exemplo: acho que estamos vivendo realmente uma situação dramática. A moça falou em 250 - como o Lula chamou? - picaretas...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Trezentas picaretas, apenas.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - ... 350 picaretas, mas a moça chama de 170 que botaram a mão na cumbuca no caso das ambulâncias. Baixou para 70. A Câmara vai investigar 12. Estão querendo criar uma CPI. Não sei - e eu que sou um apaixonado defensor da CPI e que acho que elas têm uma história respeitável no Brasil não sei se, a esta altura, já não perdemos toda a autoridade para entrarmos nesse caminho. Não sei se não seria o caso de a Presidência da Câmara e do Senado e os Líderes chamarem a Promotoria, a Procuradoria-Geral e a Polícia Federal para iniciar aqui um processo do tipo Mãos Limpas, como na Itália, em que uma comissão fosse designada e fizesse o trabalho. Poderíamos nós, ao final, ter a última palavra. Mas que essa comissão fizesse o trabalho, porque mandar para a Comissão de Ética para terminar como vai terminar, designar uma CPI em que 170 são os envolvidos... Meus Deus! Eu faria isso. Se eu tivesse a força do Presidente Sarney junto ao Renan, junto ao Congresso Nacional, eu faria isso. Seria um gesto do Congresso chamar o Procurador-Geral, pessoas da Procuradoria que têm a credibilidade e a independência. O Tuma veria pessoas da Polícia Federal para se fazer uma investigação para valer. Acho que isso poderia ser o começo; isso poderia ser o princípio.

Fiz apenas, Sr. Presidente, reflexões, como V. Exª disse que deveríamos fazer. Em tudo isso, não tenho nenhuma dúvida de que, em primeiro lugar, está o negro, porque é quem sofre mais. Está o negro, porque, se o indivíduo é branco, ele já é olhado com um certo respeito; se ele é negro, já é olhado com desconfiança. Se ele é negro, já vê os seus caminhos limitados pelos percentuais de todas as profissões e vê os caminhos abertos a todas as prisões, porque a maioria deles são negros.

            Acho que deveríamos aproveitar este Congresso, que tem o Senador Paulo Paim, que tem V. Exª, que tem muitas pessoas dedicadas a esta causa. Que V. Exªs nos levem atrás. Tenham coragem, tomem a iniciativa, e nós vamos atrás, com toda a sinceridade.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2006 - Página 16297