Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as razões das explosões de violência ocorridas em São Paulo, que devem ser entendidas como conseqüências do modelo neoliberal.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre as razões das explosões de violência ocorridas em São Paulo, que devem ser entendidas como conseqüências do modelo neoliberal.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2006 - Página 17031
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, EXCESSO, OCORRENCIA, VIOLENCIA, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, ATUAÇÃO, ESTADO, REPRESSÃO, INFRAÇÃO, GARANTIA, LEGALIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, JUSTIÇA, MANUTENÇÃO, ORDEM PUBLICA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, REAPARELHAMENTO, EFETIVOS MILITARES, POLICIA.
  • ANALISE, ORIGEM, VIOLENCIA, AUSENCIA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, DESEQUILIBRIO, FAMILIA, DESVALORIZAÇÃO, RELIGIÃO, FALTA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EFEITO, NOCIVIDADE, POLITICA, IDEOLOGIA, LIBERALISMO, MUNDO, REGISTRO, CRESCIMENTO, QUANTIDADE, FAVELA, DESRESPEITO, TRABALHADOR, INCENTIVO, CONCORRENCIA, MERCADO, MODELO, CAPITALISMO, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, NEGLIGENCIA, QUALIDADE DE VIDA, DESTRUIÇÃO, PLANETA TERRA, IMPORTANCIA, BUSCA, ALTERNATIVA, SITUAÇÃO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ESTADO, PRIORIDADE, DEMOCRACIA, PLANEJAMENTO, COOPERAÇÃO.
  • REGISTRO, RESISTENCIA, DIVERSIDADE, PAIS, AMERICA LATINA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ACEITAÇÃO, MODELO, ORGANIZAÇÃO, SOCIEDADE, LIBERALISMO, PREJUIZO, DIGNIDADE, VIDA HUMANA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Srªs e Srs. Senadores, os acontecimentos e a explosão de violência em São Paulo exigem de nós um esforço especial de meditação e de discussão sobre o tema da segurança pública. Exigem também que pensemos no que fazer de imediato e em longo prazo. Devemos pensar na legislação e no processo penal em si, mas não vou falar sobre isso, até porque me falta, nessa área, o saber necessário. Quero falar sobre as razões de fundo dessas explosões de violência. Sabemos que essa de São Paulo foi a maior que já ocorreu na história do País, mas sabemos também que não será a última e que, provavelmente, não será a mais intensa. Haverá outros episódios, possivelmente com maior intensidade ainda, e é preciso se pensar na questão da segurança com o máximo de objetividade, mas também com visão de longo prazo.

A primeira coisa que desejo dizer é que a ação repressora e o uso da violência oficial, que são função e monopólio do Estado, devem ser usados para se fazer valer a justiça. A violência oficial é usada para se fazer valer, para se implantar e implementar a justiça no País, não apenas no seu conceito mais ligado à legalidade, ao cumprimento das leis, mas também no seu caráter filosófico, que corresponde ao sentimento popular do que é justo e do que não é justo.

O que se observa, no Brasil de hoje, é um desencontro muito grande entre a ação repressora e a justiça legal, na medida em que a ação policial é comentada da forma mais depreciativa possível, e entre a justiça da lei, o sistema legal, e o conceito, o sentimento de justiça que está na mente e no coração do povo. O Brasil é o campeão de injustiça socioeconômica, e é claro que isso tem muita relação com essas explosões de ódio, porque essa violência é movida por um sentimento de ódio, sim, de camadas muito grandes da nossa população.

Para que essa ação repressora se realize, é absolutamente necessário, primeiramente, que a sociedade respeite a Polícia. Isso significa uma remodelação de fundo das Polícias brasileiras, o que vai passar não somente pela qualificação dos policiais, mas, a meu juízo, também pela quantidade. Trata-se de questão de qualidade, mas também de quantidade. Não sou expert no assunto, mas tenho escutado e lido referências a efetivo policial disponível por mil habitantes, comparações que colocam os países mais desenvolvidos com um efetivo de policiais em ação por mil habitantes cerca de seis vezes maior do que o que dispõe o Brasil nas suas cidades. Não somos um País rico e não vamos pretender multiplicar por seis o nosso efetivo policial, mas alguma multiplicação deve ser feita, não obstante isso custe recursos, pois esse assunto, esse tema virou prioridade nacional.

Ouço falar muito bem dessa Força Nacional de Segurança Pública criada no Ministério da Justiça, que foi empregada com muito êxito no Espírito Santo, que conta, hoje, com aproximadamente 80 mil homens, que pode significar um aumento de efetivo pontual num momento de crise e que se constitui num corpo, a meu juízo, pela minha informação, muito bem preparado e pronto para essas ações.

É claro que a quantidade do efetivo não é tudo. A qualidade do preparo dos policiais é extremamente importante, como também o uso da tecnologia na ação da Polícia. Existem tecnologias modernas que não estão sendo utilizadas no Brasil. Hoje, as tecnologias de geoprocessamento permitem que uma cidade enorme seja monitorada, durante 24 horas por dia, em todas as suas ruas, e que se possa observar, numa central, tudo o que está acontecendo na cidade. Enfim, são esses os avanços - que requerem um pouco mais de destinação de recursos, sim, mas nada que seja proibitivo em termos de custeio - necessários para se melhorar nossa ação policial.

Sr. Presidente, é evidente que não se pode assistir ao crescimento desse fenômeno da violência sem se falar nas suas causas. É claro que devemos combater os efeitos imediatamente, mas, se não se combatem as causas, esses efeitos vão-se multiplicando através do tempo, tornando inviável seu enfrentamento. Entre essas causas, há a questão da educação, que não discuto e que é prioridade primeira, a desestruturação familiar e a destruição mesmo dos valores religiosos. Tudo isso é muito importante, mas há uma causa geral, que é a degradação da vida individual e coletiva dos cidadãos no mundo de hoje, muito especialmente no mundo subdesenvolvido das nações periféricas, como é o caso do Brasil.

A falta de oportunidades de realização de uma vida digna atinge em cheio a população carente, a população mais pobre de nossas cidades, mas atinge até mesmo a classe média e as próprias elites, que acabam ficando cínicas diante desse quadro, como se não houvesse alternativa senão aceitá-lo como uma realidade, algo que transcende a possibilidade de atuação porque não há outra opção. E a gente não sabe onde isso vai parar.

Quero fazer referência a uma matéria publicada na Carta Capital de 10 de maio último, intitulada “Planeta Favela”, que fala da favelização no mundo inteiro, apontando que, nas próximas décadas, o mundo abrigará dois bilhões de favelados. O que é isso, esse crescimento extraordinário das favelas, das situações indignas de moradia? Isso é a proletarização informal da classe trabalhadora. Srªs e Srs. Senadores, isso é o neoliberarismo - eu queria chegar a isso. Isso se chama conseqüências do modelo neoliberal, esse neoliberalismo que muitos insistem, alguns propositadamente, outros ingenuamente, em chamar de modernidade, de realismo ou de pragmatismo, como se não houvesse alternativa a esse modelo que vai degradando o mundo, degradando a vida, degradando o planeta, degradando, enfim, as condições de vida da nossa população, tudo em busca da eficiência, da competitividade. Para haver competitividade, é preciso excluir uma imensa massa de população que não tem e não vai ter competitividade no horizonte da sua vida. Isso corresponde ao modelo competitivo, que há pouco tempo não era único no mundo. Havia a contrapartida do modelo baseado na cooperação e no planejamento, e não na competição, que era o modelo soviético, infelizmente derrocado pela falta de democracia interna e pelo desgaste resultante das suas formas autoritárias.

Entretanto, hoje há no mundo tentativas sérias e válidas de superação do modelo neoliberal pela introdução de uma dimensão que não é competitiva, mas, sim, cooperativa, por intermédio do planejamento e da presença do Estado. Apenas o Estado, e o Estado democrático representando a sociedade, tem condições de mudar esse paradigma, ou pelo menos contrabalançar o paradigma da competição e do mercado com o paradigma do planejamento e da cooperação.

Acredito que o Brasil é o País mais importante a fazer essa tentativa, tendo em vista a sua dimensão e o seu significado. Quase todas essas tentativas estão localizadas na América Latina, especialmente na América do Sul, embora na França também se registre. A França é um país que resiste ao neoliberalismo; é o único país rico do mundo que resiste ao neoliberalismo: a rejeição do projeto de constituição européia teve essa razão; a recente rejeição de um projeto de lei que “flexibilizava” - entre aspas - as condições de trabalho teve também esse objetivo. A França não quer perder todas aquelas conquistas importantes realizadas pelo seu povo durante a etapa da socialdemocracia. Tudo isso agora é jogado fora em nome de uma modernidade e de uma competitividade que não têm nenhum sentido, porque, afinal de contas, a modernidade resultante da ciência e da nova tecnologia tem de beneficiar o cidadão, a pessoa humana, o ser humano em todas as suas atividades que correspondam, enfim, à realização de uma vida digna.

Há outros exemplos aqui na América do Sul que precisam ser respeitados. Temos os exemplos da Venezuela, da Bolívia e do Haiti, que precisam ser observados com respeito. Claro que há, da parte deles, certo grau de inexperiência, por serem tentativas novas. Mas o que eles estão fazendo é uma tentativa de revolucionar o modelo econômico-social, porque as suas condições eram extremamente carentes e desiguais, e tentar pela via democrática. Algo que Salvador Allende, no Chile, não conseguiu; algo que João Goulart, no Brasil, não conseguiu, eles estão tentando. É muito difícil. Não quero dizer que seja garantido o êxito de Chávez, de Morales ou de René Préval, mas trata-se de uma tentativa que precisa ser olhada com respeito e até com certa colaboração por parte das populações e das nações que também queiram melhorar sua situação social e saírem do caos da favelização e da deterioração dos padrões de vida, que caracterizam essa proletarização informal, causada pelo modelo neoliberal.

Então, a questão da violência, que atinge a segurança urbana das nossas cidades, tem de ser encarada sob dois prismas: em primeiro lugar, o das providências imediatas. Claro que têm de ser tomadas, seja no aparelhamento de repressão da polícia, seja na melhoria da polícia, seja no uso de tecnologias, seja no aumento de efetivo, seja na conjugação dos Poderes, seja na possibilidade de uso - enfim, é preciso definir as possibilidades de uso - dessa força nacional nos momentos de crise que ocorrem nos diferentes Estados. Todas essas providências são importantes para se combater seus efeitos.

(O Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Estou encerrando, Sr. Presidente.

Também é preciso não esquecer a visão de longo prazo, que vai ao combate das causas. Aí entra a questão do modelo econômico-social, dessa visão neoliberal, que é cega para qualquer outra possibilidade de modelo de organização da sociedade e que critica, de forma depreciativa, pretendendo ridicularizar, todas as tentativas que se fazem no mundo de mudar esse modelo.

Na América do Sul, os Presidentes são eleitos democraticamente e existem tentativas de tentar ridicularizá-los. No caso da França, procura-se desqualificá-la, ao se dizer que “a França é um país que não sabe se modernizar; não sabe se reformar”. Nada disso! A França é um país que tem uma sabedoria histórica. Está simplesmente resistindo a essas reformas neoliberais que poriam a perder todas as conquistas do seu povo, importantíssimas conquistas, realizadas durante a socialdemocracia.

Sr. Presidente, agradeço a benevolência de V. Exª.

Era o que eu queria dizer, hoje, desta tribuna.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2006 - Página 17031