Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem às mães brasileiras pelo transcurso do seu dia no último domingo. Solicitação de políticas de planejamento familiar para evitar a gravidez precoce.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem às mães brasileiras pelo transcurso do seu dia no último domingo. Solicitação de políticas de planejamento familiar para evitar a gravidez precoce.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2006 - Página 17507
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDEZ, ADOLESCENCIA, DIFICULDADE, POBREZA, CRIAÇÃO, CRIANÇA, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO, SAUDE PUBLICA, ATENDIMENTO, GRATUIDADE, MULHER, FALTA, CAMPANHA EDUCACIONAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), REDUÇÃO, NASCIMENTO, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, PLANEJAMENTO FAMILIAR, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, OBRIGATORIEDADE, EDUCAÇÃO, SEXUALIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, OBJETIVO, REDUÇÃO, GRAVIDEZ, ADOLESCENCIA, ADIAMENTO, MATERNIDADE, MELHORIA, VIDA, MULHER, CHEFE, FAMILIA.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente Sibá Machado.

Srªs e Srs. Senadores, subo mais uma vez a esta honrada tribuna para tratar de um assunto realmente sublime, que interessa a todos nós. Domingo passado, comemoramos o Dia das Mães, mas entendo que essa é uma data para ser celebrada todos os dias, toda semana, hoje, amanhã, este domingo que chega.

O Dia das Mães é uma data prevista no calendário, com a qual nos comovemos, nos alegramos e nos sentimos mais humanos, porque podemos reverenciar a mulher-mãe, manifestação mais perfeita do ser feminino. Homenageio, com alegria, respeito e amor, portanto, realmente, todas as mulheres, todas as mães.

Ao mesmo tempo em que rendo esta homenagem a todas as mães deste nosso imenso Brasil, quero falar de um segmento expressivo delas. Pelo menos 800 mil meninas e adolescentes tornam-se mães todos os anos no Brasil. Essas jovens mães são obrigadas a tornarem-se adultas forçosamente, pois essa nova condição as obriga a pularem várias etapas importantes da sua formação individual. Deixam as bonecas, seus brinquedos, saem da dimensão da fantasia e adentram o mundo real dos adultos com toda dureza. Já não podem mais brincar com bonecas; agora têm um filho para criar.

Perguntemos àquela adolescente de 13 anos, surpreendida com o seu destino, se a sua gravidez foi desejada; se ela, num ímpeto de maternidade precoce, priorizou a prole em detrimento da escola e dos amigos. Ouso responder o que todos, na verdade, já sabem. Não. Não, Sr. Presidente Sibá Machado. Ela não optou livremente pela gravidez. Ela não exerceu direito algum ao “assumir sua barriga”. Ela tão-somente se viu premida pelo destino, que devemos traduzir em abandono, assim como, muitas vezes, a sua própria mãe, a sua tia, a sua amiga, assim como tantas que ela conhece.

A maioria delas é muito pobre e, quase sempre, a sua família a renega e também ao recém-nascido. Os pais não assumem a paternidade, pois muitos homens não estão preparados para a paternidade responsável e tampouco querem assumir esse novo papel.

Essas jovens mães vêem desaparecer as perspectivas de uma vida amena, vivida por etapas necessárias à sua boa e adequada formação. Torna-se uma criança com outra no colo. Ambas abandonadas por quase todos, vivendo de ajuda esporádica daqueles que se compadecem delas.

Hoje, essas mães e seus filhos somam quase dois milhões de brasileiros, e suas dificuldades transformam-se num grave infortúnio social. O abandono é a sua herança! Serão os herdeiros deserdados do Brasil do século XXI, se essa realidade não mudar!

Sr. Presidente, nobres colegas, o Brasil não pode mais comemorar o Dia das Mães sem que essas mães pobres e abandonadas sejam também lembradas e cuidadas. É preciso que todos nós cuidemos delas e cobremos providências das autoridades para que essa tragédia não mais se reproduza.

Essas mães também são cidadãs. E seus filhos têm direito, assim como elas, a um futuro digno. O Brasil precisa acordar para essa realidade urgentemente, porque, se não o fizer, essa miopia pode vir a comprometer a paz social no médio prazo.

Que futuro terá uma criança cuja mãe não tem condições de criá-la e educá-la? Mães que não conseguem recursos para cuidar de si próprias? A simples reprodução física dessa realidade implica o crescimento da pobreza e da conseqüente violência social, com custos muito altos para a sociedade e para o Estado.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é uma questão de foco, de prioridade. O Estado investe recursos públicos para combater a conseqüência de um problema social e não investe adequadamente, atacando a causa. E o resultado aí está, e não é nada bom. Ao contrário, a situação é crítica, é grave.

O Estado precisa, com a devida urgência, realizar sistematicamente campanhas educativas, para que a paternidade responsável passe a ser um valor em nossa sociedade.

É fundamental que as meninas também tenham essa informação. A educação sexual precisa tornar-se uma estrutura permanente na grade curricular, desde o início da educação.

Toda a sociedade brasileira e todas as instituições nacionais precisam dar sua contribuição para a solução desse problema. Pois este é um dos pontos estruturais da desigualdade social brasileira. É dos que mais mazelas geram ao se reproduzir. E se reproduz com muita rapidez.

Nos países em desenvolvimento, as carências em saúde reprodutiva fazem com que uma mãe morra a cada quarenta e oito partos. Diante dessa realidade, o efetivo planejamento familiar poderá permitir que as mulheres adiem a maternidade até concluir sua formação educacional habilitando-se a participar de forma mais autônoma da força de trabalho produtiva, gerando riqueza e contribuindo para o desenvolvimento local.

Há, caros colegas, uma carência estrutural de políticas públicas competentes para promover o planejamento familiar. Esse é um problema de ordem estratégica e que os governantes insistem em mantê-lo fora da agenda de governo. Essa omissão simplesmente compromete o destino das gerações futuras.

A consciência de que as políticas públicas devem focar prioritariamente a melhoria das condições de vida das mulheres chefes de família é condição fundamental para a construção de uma sociedade solidária, fraterna e democrática.

Somente assim, será possível eliminar barreiras estruturais que consolidam o perverso processo de construção da desigualdade social, cujo resultado mais expressivo é a crescente infelicidade de milhões de pessoas, afetando principalmente as mulheres.

A ineficácia das políticas públicas, no que se refere a medidas sócio-educativas de planejamento reprodutivo, revela não só incompetência gerencial, mas descaso cívico com uma questão de relevância estratégica para o futuro nacional: a saúde das mulheres.

Às mais pobres e carentes sobram apenas as conseqüências das inadequadas aplicações de recursos públicos.

É, portanto, responsabilidade do governo mobilizar meios adequados para que milhares de mães pobres e carentes deixem de ser, junto com seus filhos, as grandes vítimas dessas inadequadas aplicações de recursos públicos e da falta de uma política de acesso gratuito a alternativas de planejamento familiar.

A gravidade dessa situação, cujas seqüelas marcam profundamente a vida feminina, sobretudo das mulheres mais pobres, revela que não é possível separar, do prisma do Estado, a saúde reprodutiva do objetivo mais amplo que é a igualdade entre homens e mulheres.

Sr. Presidente, para que se atinjam os objetivos do milênio em 2015, é necessário que os investimentos públicos sejam mais eficazes na produção dos resultados e priorizem a educação das meninas.

Há mais meninas e mulheres analfabetas do que homens. É sabido, por exemplo, que um melhor nível escolar implica menos contaminação pelo vírus HIV. Meninas com melhor formação escolar podem decidir sobre o seu futuro em relação ao matrimônio e à procriação e podem pensar no seu próprio futuro. A boa formação escolar de meninas significa que as gerações futuras terão mais saúde e os custos sociais serão minimizados.

Sobre a situação brasileira atual, em termos demográficos, dados do IBGE informam que a taxa de fecundidade, estimada hoje em 2,3 filhos por mulher, sofreu grande redução nas décadas de 80 e 90, em relação ao patamar observado até meados dos anos 60, que era de 6,2 filhos por mulher.

Alguns estudiosos garantem que foi justamente nas classes menos favorecidas que a fecundidade exibiu um declínio mais acentuado na última década. Na esteira desse raciocínio, sustentam que as carências sociais do País não guardam relação com o crescimento populacional, especialmente porque nas três últimas décadas em todas as classes sociais houve substantivo decréscimo na taxa de fecundidade. Todavia permanece contrastando uma diferença expressiva entre os índices de fecundidade das mulheres mais pobres - hoje em uma média de quatro filhos, com a taxa referente àquelas em melhores condições socioeconômicas de 1,6 filhos.

No meu Estado, Rio Grande do Sul, dados gerais do IBGE retratam a fecundidade média no Estado de 2,1 filhos por família. O levantamento desse Instituto cruza dados de rendimento familiar total e de nascimentos obtidos no censo de 2000. Esse aparente equilíbrio esconde distorções nas duas pontas da tabela, quando se analisa a fecundidade por renda. Aí os números são bem diferentes.

A população pobre e a que se encontra abaixo da linha da pobreza (os miseráveis), geram 4,5 filhos por família. É o dobro do necessário para a reposição populacional. Já os gaúchos, com renda mensal média superior a 30 salários mínimos, geram em média um filho, menos da metade do necessário para a reposição da população.

Incursionando mais profundamente no universo das estatísticas, constatamos que cada vez mais a fecundidade se concentra no grupo de mulheres jovens entre 15 a 19 anos. É o único grupo etário a apresentar no País, como um todo, um aumento de 4,1% na última década. As adolescentes estão engravidando cada vez mais cedo; as pré-adolescentes estão também nessa mesma linha; uma calamidade social, pois são meninas, são jovens, solteiras, algumas ainda crianças, todas em idade escolar.

O vácuo institucional mais grave no momento é com relação a essa parcela da população. Crianças que com 12, 13, 14 anos, ao invés de brincarem, ao invés de estarem num banco escolar, aprendendo, estão criando outras crianças ou, por força da realidade, abandonando-as.

No mundo, a cada minuto, uma mulher perde a vida devido a complicações de parto e outras vinte ficam gravemente lesionadas ou incapacitadas. E, quando uma mulher morre de parto, diminui pronunciadamente as possibilidades de sobrevivência do seu filho, do recém-nascido. Filhos sem mãe têm muito mais probabilidade de morrer prematuramente do que os demais.

Para que se tenha realmente um planejamento familiar eficaz, é fundamental remeter o debate ao seu patamar real, com a urgência que a realidade exige, porque o modelo que existe hoje não contempla minimamente a gama de necessidades concretas da população e resulta no descontrole da natalidade em que mergulhou o País.

A demanda de serviços de planejamento familiar é muito maior do que a oferta. E, principalmente, esta oferta restringe-se apenas ao oferecimento de alguns métodos de anticoncepção, sem o devido acompanhamento médico.

A opção das mulheres pobres fica reduzida às ofertas de serviços públicos de saúde, muitas vezes de péssima qualidade, Senadora Heloísa Helena. Infelizmente, nossa sociedade ainda é machista e continua preconceituosa sobre a responsabilização e participação dos homens no processo produtivo.

Considero muito importante que o Governo promova campanhas de conscientização para derrubar mitos que, mantidos, acabam privilegiando os homens, deixando para as mulheres toda a responsabilidade de uma gravidez, muitas vezes indesejada.

Srªs e Srs. Senadores, embora avançadas em seus princípios e conteúdos, as políticas públicas patinam no processo de implementação. O Estado tem recuado sistematicamente de suas obrigações constitucionais como provedor de assistência à saúde dos brasileiros.

Os Governos nunca realizaram uma cobertura eficaz de ações para o planejamento familiar, pois, infelizmente, esta não tem sido uma prioridade dentro da política de saúde pública no País.

Ela deve ser usada para que todas as pessoas, sem distinção, recebam a gama de informações relativas ao planejamento familiar e tenham acesso aos serviços prestados. E por termos um universo de 47 milhões de mulheres em idade fecunda (de 15 a 49 anos), isto demanda uma intensa mobilização, sob o comando do Governo Federal, constitucionalmente responsável. Postos de saúde, hospitais, escolas, associações, entidades filantrópicas, de classe, prefeituras, governos, ONGs, meios de comunicação e outros agentes potencialmente educadores, participando com campanhas, projetos e programas permanentes de esclarecimento sobre legislação, direitos, responsabilidades e competências.

Especificamente para a faixa da população de 15 a 19 anos, a educação sexual nas escolas com orientação integrada às famílias é uma das ações fundamentais para invertermos a curva ascendente que as estatísticas nos apontam. Porém, neste particular, existe a necessidade do cuidado de adequar-se a linguagem, os conteúdos e os métodos específicos utilizados, sob pena de alimentarmos uma mentalidade perigosamente leviana que desvincula a sexualidade dos conceitos de afetividade, reduzindo-a a um patamar meramente mecanicista que descaracteriza a própria humanidade no seu sentido existencial mais profundo.

Em síntese, o que propomos é que o Estado assuma como prioridade máxima seu papel relativamente ao planejamento familiar, e que seja dada a mais ampla, sistemática e permanente divulgação dos direitos previstos em lei e das políticas à disposição da população, com ênfase, sim, nas famílias pobres; com ênfase, sim, nas mulheres pobres, pois é mais que evidente a carência de informações e de serviços de planejamento familiar junto a essas comunidades.

As políticas de planejamento familiar precisam focar, com ênfase total, as famílias pobres pelo princípio da justiça e da igualdade, para oportunizar à colossal base de pobreza que compõe a nossa pirâmide social o direito, garantido por lei, de exercer o planejamento familiar, hoje disponível somente aos mais abastados economicamente. Hoje, somente as famílias, as mulheres e os homens, que podem pagar pela educação e pela saúde têm garantido o acesso a meios efetivos de planejamento familiar.

Sr. Presidente, a democratização efetiva da relação entre homem e mulher deve começar na primeira infância. É, portanto, de responsabilidade da família.

Somente a partir da priorização das necessidades femininas no que se refere à socialização e ao acesso ao mundo formal, com todas as suas demandas e necessidades, será possível construir um novo mundo, no qual a felicidade possa ser um bem a ser compartilhado coletivamente.

A saúde da mulher é o tesouro maior de uma sociedade realmente democrática!

O desafio maior de nossa época é aprendermos a cuidar bem das mães mulheres e da mãe terra!

É com satisfação que aproveito este privilegiado espaço para saudar a todas as mães brasileiras, desejando-lhes uma vida cada vez melhor.

Obrigado, Sr. Presidente, Senador Sibá Machado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2006 - Página 17507