Discurso durante a 63ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão a respeito dos atos de violência ocorridos em São Paulo. A questão da impunidade no Brasil. Defesa da candidatura própria do PMDB a presidente da República nas próximas eleições.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão a respeito dos atos de violência ocorridos em São Paulo. A questão da impunidade no Brasil. Defesa da candidatura própria do PMDB a presidente da República nas próximas eleições.
Aparteantes
Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2006 - Página 17517
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS, REGISTRO, TELEJORNAL, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMPARAÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, ITALIA, ANALISE, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, BRASIL.
  • REGISTRO, POSIÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL, REPASSE, RECURSOS FINANCEIROS, SEGURANÇA PUBLICA.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, ASSUNTO, PARTICIPAÇÃO, PROCURADOR, INVESTIGAÇÃO, CRIME, REGISTRO, REJEIÇÃO, PROJETO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • CRITICA, EX MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ARQUIVAMENTO, PROCESSO JUDICIAL, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, FORMAÇÃO, QUADRILHA, ELOGIO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, APRESENTAÇÃO, PROCESSO.
  • REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, DESEMPREGO, FOME, MISERIA, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, COMPARAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FRANÇA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EDUCAÇÃO, APREENSÃO, SITUAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ALICIAMENTO, TRAFICO, DROGA, CRITICA, EXECUTIVO, PRIORIDADE, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, DIFICULDADE, SOLUÇÃO, CRISE, POLITICA SOCIAL, PAIS.
  • DEFESA, CANDIDATURA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), SOLICITAÇÃO, ENTENDIMENTO, RENAN CALHEIROS, JOSE SARNEY, SENADOR, DEFINIÇÃO, CANDIDATO, DISPUTA, ELEIÇÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Sibá Machado, V. Exª fica muito bem presidindo os trabalhos.

Srªs e Srs. Senadores, Prezado Deputado Paulo Lima, esta foi realmente uma semana tumultuada. Fazia muito tempo que eu não via algo semelhante. O Congresso vive uma crise da qual não consegue se livrar. Agora, veio a Operação Sanguessuga, em que já falam em um número de Parlamentares envolvidos que quase chega ao número citado por Lula, de trezentos picaretas. O número atual chega a duzentos e oitenta.

Os acontecimentos em São Paulo foram examinados aqui sob muitos ângulos. Não creio que o que importa aqui seja verificar até que ponto Alckmin e Covas foram responsáveis pela situação; ou voltar atrás, até Montoro, Quércia ou Fleury; ou analisar até que ponto Fernando Henrique, quando Presidente da República, e Lula são os responsáveis pelo que está acontecendo.

           Lula fala do problema da educação. Lembro-me do Dr. Brizola, porque essa era sua grande bandeira. Hoje, é o Cristovam que defende a mesma bandeira, com a qual concordo. Mas a questão é o hoje, o que está acontecendo agora, os dias que estamos vivendo. E, cá entre nós, nunca o Brasil viveu a situação por que está passando São Paulo.

           A Rede Globo fez uma comparação, mostrando, por seis minutos, a cidade de São Paulo no último fim de semana e, por dois minutos, o Iraque. No Iraque, parecia ser um fim de semana de férias, comparado com a situação de São Paulo. Na verdade, vivemos naqueles dias uma autêntica guerra civil, em que as “forças do mal”, digamos assim, não querendo repetir o Presidente Bush, os presos, prepararam um esquema diabólico que não se imaginava fosse possível acontecer no Brasil. E as coisas se sucederam.

           Estamos acostumados com o Rio de Janeiro e dizíamos que ali as coisas, entre outras, eram muito complicadas pela própria cidade. Vê-se ali Ipanema, Leblon...

           O SR. PRESIDENTE (Sibá Machado. Bloco/PT - AC) - Senador Pedro Simon, permita-me interrompê-lo por um minuto, apenas para anunciar a presença de estudantes do Colégio Marista de Brasília, que o Senado Federal recebe com muito prazer.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - São meus colegas, porque fui do Colégio Marista Rosário do Rio Grande do Sul do primeiro ano até a faculdade. Saí de lá, fui para a Faculdade Marista da Pontifícia Universidade Católica e, de lá, vim para cá. É um bom colégio, vocês têm muito que aprender, a formação é sensacional. Principalmente nesta hora em que falam por aí sobre essas análises e essas interpretações de Cristo e de Madalena, é bom os professores darem os devidos esclarecimentos.

           Volto ao que eu dizia: no Rio de Janeiro, a situação é até cruel, porque quem está na Barra, no Leblon, em Copacabana, naquelas casas fantásticas, naqueles condomínios espetaculares, tem ao fundo a favela. Conheço um senhor que construiu uma dessas casas paradisíacas, em que, nos fundos, havia um verdadeiro mundo à parte, uma ilha da fantasia. E ele foi obrigado a fechar os fundos, porque, quando fazia aquelas festas, choviam lá de cima pedras e outras coisas, de tal maneira que ele apagou as luzes, construiu uma enorme barreira e só ficou com a parte da frente.

           Mas São Paulo não era assim. Em São Paulo, caminhando pelos Jardins, se vemos uma pessoa maltrapilha, já ficamos olhando: “O que esse cara está fazendo aqui? Aqui é só zona residencial. O que ele pode estar procurando?”. E a Polícia já vai olhando, caminhando atrás dele para verificar. Então, o que está acontecendo em São Paulo é realmente muito mais grave do que o que ocorre no Rio de Janeiro, pela quantidade e por ser São Paulo tão diferente do Rio de Janeiro.

           Aconteceu tudo aquilo em São Paulo, mas não dá para dizer, como no Rio de Janeiro, que precisamos esperar, que, daqui a quatro meses, será outra coisa. Em São Paulo, não foi briga de quadrilha o que ocorreu. Ali, foi preparado um esquema, como só acontece nas máfias italianas, nas grandes organizações criminosas. Não se tratou de uma rebelião no presídio, porque transferiram um preso. Foi um esquema fantasticamente organizado e diabolicamente bem orientado. Bombardearam delegacias, queimaram ônibus de passageiros, mataram policiais, inclusive um bombeiro. Esse foi o esquema.

           Os bandidos não mataram nenhum civil e, se mataram, foi por acaso, pois a orientação era a de matar militares, a de queimar ônibus sem gente dentro, a de deixar em pânico as Delegacias de Polícia - e conseguiram. São Paulo virou uma cidade ingovernável!

           Aí vêm as discussões. O Ministro da Justiça oferece apoio ao Governador. E levo minha solidariedade ao Governador. Cá entre nós, tenho o maior respeito pelo companheiro Cláudio Lembo, que é homem de bem, homem sério, homem digno e correto, mas que pegou uma “bomba” na sua frente. De repente, assume, sem Secretariado novo. É o mesmo Secretariado. Ele se está adaptando e enfrenta essa situação. Duvido que alguém fizesse algo de forma diferente ou pudesse resolver o problema, porque não havia condições.

           O Ministro da Justiça oferece apoio, e o Governador diz: “O apoio de que preciso é o dinheiro que o Governo Federal deveria ter repassado e não repassou”. Acho que essa acusação é muito pequena. Promover-se, agora, um debate entre Mercadante e Serra é ridículo. Temos de debater o assunto com a profundidade que ele merece.

           Esse tema vem de longe. Há mais de dez anos, criei, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, uma Subcomissão para estudar o problema do crime organizado. Fizemos algo que, na oportunidade, teve uma recepção enorme. Constituiu-se uma Comissão sob a Presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, composta pelo Ministro da Justiça, pelo Chefe da Casa Civil da Presidência da República, pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, pelo Procurador-Geral da República, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pelo Presidente do Senado Federal, para que nos reuníssemos, quinzenalmente, no gabinete do Presidente do Supremo, para debater o que teríamos de fazer para colocar as coisas nos seus devidos lugares, o que teria de ser alterado, o que teria de ser modificado, para aonde caminharíamos.

           Lembro-me de que, na reunião, eu dizia: “Aqui, somos os responsáveis pelo processo do crime, da prisão, da lei. Aqui, está o Chefe da Casa Civil, representando o Presidente da República; aqui, está o Presidente do Supremo, o Presidente da Câmara, o Presidente do Senado, o Procurador-Geral, o representante do Tribunal de Contas da União. Estamos aqui para ver o que tem de ser feito”. E debatemos durante dois anos.

           Vou entregar, pela décima vez, a um Presidente de Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ao Presidente Antonio Carlos, as conclusões a que chegamos e o que devia ser feito.

           Uma das questões - para a qual chamo a atenção, porque, na minha opinião, é a mais importante - é a seguinte: o Procurador-Geral da República lembrou-se dos célebres juízes da operação Mãos Limpas, da Itália, e os trouxemos ao Brasil, ao Senado, para mostrarem o que lá fizeram, como fizeram, o que deu certo e o que poderia ser adaptado no Brasil. Eles vieram aqui.

           Lá, houve uma guerra muito maior do que o que houve no Brasil, porque, aqui, o primeiro gesto que demonstra realmente que não houve uma guerrilha, que não se tratou de jogo do bicho, mas, sim, de crime organizado, de máfia, foi o que ocorreu recentemente em São Paulo. Na Itália, a máfia vem de longe.

           Quanto ao crime organizado, agora, no Brasil, não se trata de pegar o coitadinho que está vendendo maconha, nem de pegar aquele que está no avião levando uma mala com drogas. Há gente importante envolvida. No crime organizado do Brasil, há Senador, Deputado, grande empresário, militar, gente do Judiciário. É gente muito importante! E, como já foi dito, eles não estão nas favelas, embora se busquem nas favelas aqueles que vão cumprir as determinações das reuniões realizadas nos apartamentos de alto luxo e nas mansões de São Paulo e do Rio de Janeiro.

           Os procuradores e os juízes da Itália que estiveram aqui disseram: “A nossa luta foi muito difícil. Muitos juízes e muitos procuradores morreram assassinados. E juízes e procuradores foram para a cadeia, porque nós também tínhamos o nosso lado negro”. Eles colocaram na cadeia quatro ex-Primeiros-Ministros, inclusive o que era Primeiro-Ministro, que saiu da condição de Primeiro-Ministro e foi para a cadeia. Mais de 100 Parlamentares deixaram de sê-lo e foram para a cadeia. O Presidente da Fiat deixou a Presidência e foi para a cadeia. Aquilo foi a operação Mãos Limpas mesmo, agindo contra o “colarinho branco”.

Eles não se preocuparam com o terceiro escalão, como nós, agora, estamos nos preocupando, como ocorre com a Operação Sanguessuga. Procuramos quem trabalha, o funcionário, mas não se sobe, não se chega até o gabinete do parlamentar, até o gabinete do juiz, até o gabinete do homem importante, do empresário. Até ali não se chega!

Eles recuperaram milhões e milhões de dólares, que voltaram - o que não conseguiríamos fazer hoje, em hipótese alguma - aos cofres públicos da Itália, por causa da roubalheira da Máfia. Foi realmente algo espetacular!

Vieram aqui várias vezes. Debatemos, discutimos, analisamos. Mas como é resolvida essa questão, que é a mais importante, repito, na Itália, na Europa, nos países importantes, nos Estados Unidos? Como é feito o processo? Se Fulano matou beltrano, se fulano roubou de beltrano, se fulano assaltou beltrano, o que acontece? Quem comanda o processo é o promotor, é o procurador. A Polícia integra o quadro da Procuradoria. E, lá, eles se sentem muito honrados com isso. A Polícia tem o respeito da população, a admiração da sociedade, porque faz parte dos quadros da Procuradoria, que, na Itália, diga-se de passagem, está junto com a Justiça. O procurador exerce a função por três anos; depois, ele se torna juiz por mais três anos; posteriormente, ele volta a ser procurador, porque as missões fazem parte praticamente da mesma carreira.

Portanto, quem comanda o processo é o procurador. É o mesmo a que assistimos nos filmes americanos: houve um crime, e chega a Polícia! Na mesma hora, chega também o procurador. E quem orienta é o procurador, que, de saída, diz: “Tu podes ficar calado, mas tudo o que disser será usado contra ti”. Dali, ele já vai preso; e, dali, o procurador já fala com o juiz, que, provavelmente, precisa dizer-lhe onde ele fica, na cadeia, para fazer a apuração dos fatos. É aberto o inquérito, são chamadas as testemunhas para depor. As testemunhas depõem, encerra-se o processo, e ele vai para o tribunal, para o júri.

O que acontece no Brasil?

Há um crime. Chega lá o delegado de polícia ou o escrivão de polícia que ouve o cidadão. Normalmente, ele continua em liberdade. São chamadas as testemunhas, que vão depor na polícia.

Sou advogado de júri, trabalhei a vida inteira na defesa. Hoje, tenho até drama na consciência, porque, como desmoralizei processos da Polícia! No júri, a primeira coisa que o advogado faz é pegar o processo da Polícia e dizer: “joga fora, isso não vale nada. Isso não é prova, isso não é defesa, o réu não tem defesa, isso é coisa falsa, não tem nenhum significado”. E vai pegar prova judicial. O que é a prova judicial?

No Brasil, quando a Polícia termina tudo o que tinha de ser feito, manda para o promotor. O promotor denuncia, o juiz aceita a denúncia e abre-se o inquérito. Aí é que vai começar tudo o que vale - às vezes, um ano depois.

O PC Farias foi assassinado. Ele e a namorada. Quando foi assassinado. eu gritei lá de Porto Alegre:“Mandem a Polícia Federal, mandem com urgência a Polícia Federal”. Deixaram a Polícia estadual. Ficaram lá, lavaram todos os lençóis, as roupas, deixaram tudo limpo e, depois, chegaram à conclusão de que foi morte seguida de suicídio. A senhora, por ciúme, matou PC Farias e depois se matou. Era a amante dele, o PC Farias era a sua fonte de dinheiro. Podia até ter amor, mas era amor de dias, porque PC Farias gostava muito da mulher, que morreu, e tinha, ali, um caso de convivência ocasional. Conclusão da polícia. Crime emocional, passional. Era uma paixão intensa, ela tinha um ciúme enorme dele - não sei como, se os dois viviam juntos e o coitado do PC Farias não podia colocar um pé na rua, porque estava todo mundo atrás dele. Quando foi para a Justiça, não tinha mais prova e o processo foi arquivado.

O que aconteceu com PC Farias? Ele foi assassinado pela namorada, que se matou depois. Isso acontece todos os dias no Brasil. Qualquer cidadão que é importante, no interior, manda matar se acontece qualquer coisa e isso fica ali com a polícia.

Dei entrada em um projeto, que não é de minha autoria, mas do Procurador-Geral da República da época, para o Brasil ser assim: há o crime, entra o procurador. A carreira da polícia se enquadra com a de procurador. Um é auxiliar do outro. Não passa na Casa. Toda a classe policial quer, menos o delegado. O delegado não quer perder o poder. O delegado tem aquele poder fantástico. O delegado, no interior de Estado, é quase um rei. Todo mundo reverencia o delegado, porque está sujeito a, a qualquer hora, atropelar alguém ou a qualquer coisa, e ficar na mão do delegado. O delegado não quer. E um homem da inteligência, da cultura e do espírito público do Senador Tuma, infelizmente, defende os delegados, e nós não conseguimos fazer com que esse projeto fosse aprovado aqui. O máximo que consegui foi que em casos especialíssimos a Procuradoria poderia chamar para si o processo. A Câmara não aprovou. Passou no Senado, mas está lá, na gaveta da Câmara.

Estou citando esse caso porque acho, com todo o respeito, que é o mais importante, porque é o início de toda a questão, é o início de toda a questão. Por outro lado, acho que estamos vivendo um contexto geral.

Olha, Presidente, quero-lhe muito bem e tenho muito carinho por V. Exª - quase tanto quanto tenho pela Senadora, que acho uma mulher fantástica -, mas estamos vivendo uma fase complicada.

Deus não tinha dito o que ia acontecer com V. Exª, que estava lá do outro lado, ainda não tinha nascido, e eu já estava aqui. Eu conheço essas crises desde a crise de 1954, do suicídio do Dr. Getulio. Acompanhei o caso do suicídio do Dr. Getulio, a legalidade que não queria deixar o Jango assumir, a derrubada do Jango, o que fizeram com Juscelino, um homem fantástico mas que sofreu, a ditadura militar, o impeachment do Collor, os anões do Orçamento, muita coisa, mas eu não vi nada como o que está acontecendo agora. Eu não vi nada.

O Brasil, Sr. Presidente, viveu um momento de euforia com as Diretas Já, que levariam Tancredo à Presidência da República. Tancredo era um homem preparado, tinha sido Primeiro-Ministro, Ministro de Getulio, Governador de Minas, era o homem para o momento. Eu era Ulysses. Meu candidato era Ulysses, se tivesse eleição direta seria Ulysses, mas reconheço que, naquele momento, para somar o contexto geral, era o Tancredo. Mas Tancredo morreu.

            Sarney fez um bom Governo. Homem sério, convocou a Constituinte, abriu as portas a todos os Partidos, fez mais de um plano, o Plano Cruzado, mas não era o Tancredo e terminou numa crise. Quando não conduzimos os acontecimentos, não sabemos como terminam.

Numa eleição que tinha como candidatos o Dr. Ulysses Guimarães, o Dr. Mário Covas, o Dr. Aureliano Chaves, o companheiro Lula, o companheiro Afif, ganhou um rapazinho de trinta e poucos anos que ninguém conhecia. Governador de Alagoas, criou um Partido novo, o PRN - deste tamanhozinho -, e ganhou a eleição. Deu no que deu: impeachment.

            Fui Líder de Itamar Franco, que o sucedeu. Acho que foi a época da minha vida, que eu conheço, onde houve mais seriedade, mais dignidade, mais honradez e mais moral na História deste País. O Brasil ganhou um contexto novo.

            Não houve uma vírgula de corrupção. Itamar não precisava provar: “Não, eu tenho que provar.”. Não. Levantou a questão, ele colocava para fora. “Estamos vivendo uma época”, dizia o Itamar, “em que não podemos ter alguém...”

            O Ministro da Fazenda, a Veja machucou, machucou. Ele veio aqui, deu um show, foi aplaudido por todos. O assunto estava resolvido. Na outra segunda-feira, a Veja veio com tudo de novo. Chamado ao Palácio, fui lá. Estavam o Presidente e o Ministro. Itamar disse: “Olha aí, Pedro.”. O Ministro estava pedindo demissão irrevogável. Eu disse: “Mas não tem nenhum problema. Quarta-feira, tu voltas para o Senado e respondes tudo isso de novo.”. Ele disse: “Não. Eu não posso ser Ministro da Fazenda. Eu tenho que inspirar confiança no povo, quando todo o povo fica olhando para mim para saber se sou isso ou não sou isso.”. Ele renunciou. Ele renunciou depois de ser aplaudido de pé pelo Senado.

            Do Chefe da Casa Civil, Hargreaves, na CPI dos anões do Orçamento se falou um milhão de coisas. Entre elas, que o Hargreaves tinha sido funcionário da Casa Civil no Governo Sarney e ajudava sei lá o quê. Foi convocado. O Hargreaves foi ao Sarney e renunciou à Casa Civil - ele foi convocado para depor, não era inquérito, não era denunciado, não havia nada, era só para depor - renunciou à Casa Civil e veio aqui falar. Deu um show. Quando terminou a CPI, não havia nada contra ele; e ele voltou para a Casa Civil. Isso é maneira de governar.

Eu era Líder do Governo e o Presidente Itamar Franco* me chamou:

- Pedro, preciso que você arrume um lugar para o meu sobrinho.

- Como? Arrumar um lugar para o seu sobrinho?

- Você tem dois gabinetes: o de Líder do Governo e o seu.

- Mas por que eu é que tenho de arrumar? Por que tu não arrumas?

- Bem, eu não posso arrumar. Como vou arrumar? Eu, Presidente da República, vou arrumar um lugar para um sobrinho meu?.

- Bom, telefona para alguém.

- Não; eu não vou telefonar. Como vou telefonar para um fulano, para uma empresa e dizer: “Coloca um sobrinho meu aí’?

- Então, azar, porque eu também não posso.

- Mas, e seu gabinete?

- Não, Itamar, o meu problema é o seguinte: eu não tenho gabinete de Líder. Só estou com meu gabinete. Tenho o meu gabinete e não tenho gabinete de Líder.

            Este rapaz morreu sem emprego; sobrinho do Itamar. E o Itamar dizia: “É filho do meu irmão” - o irmão mais velho dele -, “que me sustentou na faculdade de Engenharia”. O pai dele havia morrido; a mãe, vivia com humildade, e o irmão mais velho sustentou a formatura dele na Engenharia. E esse sobrinho morreu sem emprego.

            Aí veio o Fernando Henrique. Todos nós imaginávamos que viria um grande Governo, e deu no que deu.

            Em primeiro lugar, não foi um governo social-democrata. E a social-democracia estava, na época, em moda.

Mitterrand, na França; Felipe Gonzaléz, na Espanha. Estavam vivendo momentos que parecia a saída para o mundo! Justiça seja feita: a social-democracia foi para o beleléu na França, na Inglaterra, na Espanha e no Brasil.

Aí veio o Lula. Não me lembro na história do Brasil de uma esperança tão grande quanto a que nós todos tivemos no Lula; e deu no que deu.

Hoje o povo está vivendo horas de angústia. Quando fizemos o impeachment do Collor, o Congresso havia sido recém-eleito e vivia um momento de grande credibilidade, grande credibilidade! Tanto que teve autoridade para fazer a cassação! Coisa que o Congresso, hoje, não teria coragem. Criar uma CPI para mexer com o Lula, a opinião pública não aceitaria. “Vá primeiro cuidar da sua casa! Vá limpar a tua casa para depois querer olhar para os lados!” O Lula ocasionou o que estamos vivendo.

Sr. Presidente Sibá Machado, o Secretário-Geral do PT, o Pontes, Deputado gaúcho, defende uma tese: “Não vamos discutir o passado; vamos botar, no futuro, como vai ser o segundo governo do Lula”. E eles não querem. Tem gente do Partido de V. Exª que não quer. É votar e ir adiante. Mas acho que é o mínimo. O Ministro Tarso Genro renunciou ao Ministério da Educação para ser presidente do Partido; falou enfaticamente desta tribuna, emocionado: “A nós, do PT, não interessa o que a Justiça, a Polícia Federal, a Procuradoria, a CPI, a Câmara e o Senado vão decidir. Nós, com a nossa Comissão de Ética, vamos apurar o que aconteceu no PT, e o PT vai limpar os seus quadros”. Disse, desta tribuna: “É sensacional! Isso vai ser algo realmente fantástico: o PT limpar os seus quadros e traçar um rumo para o futuro!” O coitadinho do meu amigo Tarso foi posto para fora. Quando chegou na hora da eleição para presidente não teve nem cargo na Executiva, quanto mais o de presidente. E aí se reúne o PT e toma uma decisão fantástica: “Só vamos tratar desta matéria depois da eleição”. Antes da eleição, está lá na Convenção, recebendo elogios do Presidente Lula (Fernando Henrique) o Sr. José Dirceu, denunciado pelo Procurador-Geral da República ao Supremo como o chefe da quadrilha. Está lá! E se ele está lá - dizem as más línguas que ele é um dos grandes coordenadores da campanha -, vai ser depois da eleição que vamos apurar? Se pelo menos tivesse dito: “Os que estão sendo incriminados vão ficar afastados”. Mas não, estão participando.

Conto isso para dizer que esse calo também foi o grande responsável pelo que aconteceu em São Paulo. Esse ambiente de indiferença; ninguém tem confiança em ninguém. Para qualquer lugar que se olhe vemos os fatos. Outrora, durante momentos na vida brasileira, eram manchete a corrupção; hoje, é rotina; mas não era. A corrupção é rotina. O absurdo é rotina. E o Brasil é o País da impunidade!

Com todo o meu carinho ao Supremo Tribunal Federal - lá está não só a primeira mulher Ministra, mas a primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal, a Ministra Ellen Gracie -, mas a verdade é que lá está, no Supremo Tribunal Federal, denunciados pelo Procurador-Geral da República por crime gravíssimo dois ex-Ministros. Hoje, um Senador da República e o outro Deputado Federal. O processo está na gaveta do Ministro. Um caso que nem esse devia servir de exemplo. Se é para absorver, absorva; se é para condenar, condene; mas deve servir de exemplo: se um Ministro do Supremo Tribunal Federal bota na gaveta denúncia contra um Senador que foi Ministro, o que é que um delegadozinho de polícia vai fazer lá no interior? O que é que um juizinho do distrito vai fazer lá no interior? Então, quando se diz que o Brasil é o País da impunidade, começa no Supremo. Porque temos de começar por cima! Não adianta começar por baixo para pegar o fulano que roubou a galinha do beltrano. Temos de começar por cima, por aqueles que são os grandes responsáveis e que servem de orientação e de farol para a vigarice se perpetuar por fora!

O Procurador-Geral da República denunciou ao Supremo, como formador de quadrilha e outras coisas, nada mais nada menos do que o Presidente do Banco Central. Imaginem em que lugar do mundo isso acontece! O Presidente do Banco Central, que é responsável pelo nosso dinheiro, pela nossa dívida, pela economia do Brasil, está sendo condenado pelo Procurador-Geral da República, e a condenação foi aceita pelo Supremo, e está na gaveta do Ministro! Se é o caso de absolver, é importante que o Ministro absolva o Presidente do Branco Central, para sabermos que ele é um homem sério, que aquilo não é verdade. Ou então que o condene! Mas o Presidente do Banco Central, que está conduzindo o nosso dinheiro, o nosso futuro, é um homem denunciado ao Supremo por formação de quadrilha e tudo o mais pelo Procurador-Geral da República! Denúncia aceita, processo iniciado, mas não adianta, porque está na gaveta do Ministro. Essas coisas, é claro, criam esse caos.

O Brasil é o País da impunidade.

Um dia apareceu no jornal uma senhora que estava presa há quinze dias porque roubou um pão num supermercado para dar de comer ao seu filho. Ficou quinze dias presa! Eu já disse e digo aqui: se eu vou para casa e sei que o meu filho está passando fome e eu não encontro chance nenhuma de levar comida para casa, ali na esquina da minha casa tem uma padaria, eu quebro o vidro da padaria, pego dois pães e levo para casa. O que vai acontecer comigo eu não sei. Mas eu não vou dormir com o meu filho chorando de fome. Pois a mulher passou quinze dias na cadeia porque roubou um pão em um supermercado.

Neste País é perigoso roubar galinha. Se quiser roubar, rouba bastante, mas rouba bastante, porque roubando bastante não acontece nada. A história está mostrando isso. Se roubar pouco, em primeiro lugar não terá nem advogado para defendê-lo; a polícia vem, pega, leva, coloca na cadeia e fica por isso mesmo.

O Governador de São Paulo fez uma afirmativa que foi considerada muito pesada: “O Brasil vai mal porque a minoria branca sufoca o povo brasileiro”. Eu não sei, falar em minoria branca... Hoje, há um Ministro do Supremo Tribunal que é negro e, se não me engano, parece-me até que tem um General que é negro. Não tem negro no comércio daqui de Brasília. Pode-se andar pelos shoppings e não há nenhuma moça atendendo. Pode ter um negrinho lá para encostar um automóvel, para levar o carrinho lá para baixo, mas atender em shopping não tem.

Então, essa afirmativa é grave, mas é verdadeira. Dizer que o Brasil é hoje o segundo país do mundo com a maior injustiça social em distribuição de renda... A cidade que tem mais helicópteros no mundo é Nova Iorque, nos Estados Unidos; a segunda, São Paulo.

Celso Furtado me contava que, quando cassado e exilado em Paris, lecionava em duas faculdades: na Universidade de Sorbonne e na Universidade de Paris e a mulher dele lecionava numa terceira faculdade. Ele, então, dizia que viviam bem, com três empregos de professores universitários. Moravam em um apartamento de dois quartos e tinham um carrinho pequeno para os dois. Ela o levava e o deixava - porque ele lecionava na Sorbonne - e depois caminhava a pé até a Universidade de Paris. Ela ia para casa; depois, lecionava à tarde na faculdade dela e o pegava na saída. No verão, eles conseguiam, às vezes, veranear, naquela época em que o Franco tinha feito um trabalho espetacular de turismo, atraindo para a chamada Praia do Sol. Então, era turismo para a classe média baixa. Mas era muito barato. Ele conseguia passar 15 dias lá. E ele contando: “Olha, Pedro, falamos, na França, nas praias francesas, em Mônaco, etc. e tal, mas o pessoal de Paris não sabe o que é isso”. A classe média parisiense vive um padrão de classe média, tem sua casinha, seu carro. As grandes fortunas pertencem aos grandes milionários, que são uma imensa minoria. Nós, no Brasil, não. Se andarmos aqui por Brasília, o que vemos de mansões, meu Deus do Céu! Porque, no Brasil, quem tem, tem e gasta bem; quem não tem que se dane.

Uma publicação feita pelo IBGE, se não em engano - saiu nos jornais de ontem -, foi uma bofetada na gente que pensava que os índices da miséria estavam desaparecendo. E verifica-se que não, que continuam. Os índices da miséria e da fome continuam.

O Senador Antonio Carlos Magalhães chegou a apresentar um projeto para eliminar a pobreza, em que todos entraríamos no mesmo processo e somaria o Brasil, dando as mãos. O projeto foi aprovado com festa. Do resultado, não sei.

Por isso, meu Presidente, os fatos de São Paulo têm essa gravidade, porque não se sabe quando virá novamente. E não se sabe se foi ou não a primeira máfia organizada de um grande esquema. Foi impressionante, porque ocorreu na mesma hora, em lugares diferentes, cada um fazendo a sua parte. Não me lembro se ocorreu em guerrilha, mas, pelo mundo afora, deve acontecer isso, mas tanto quanto aconteceu em São Paulo não tenho notícia. Foram 100 ônibus. E o negócio foi cruel. Matar tantos soldados, bombardear tantas delegacias e espalhar o terror. E eles o fizeram.

Temos de cuidar da educação? É claro. Quando se entrega um livro, o cidadão aprende e encaminha o seu futuro. Temos de cuidar que não tenha fome? É claro. Casa onde o cidadão tenha o que comer e escola já é meio caminho andado.

Perguntava-me o Prefeito de Campo Bom, que vive a crise do calçadismo no Rio Grande do Sul, com milhares de trabalhadores demitidos - pessoas que há 80 anos produzem sapatos, que há 80 anos são profissionais ultra-especializados, que ganham bem acima do salário, e que foram demitidas, estão dormindo na praça, em Campo Bom: “para onde é que vai essa gente, o que essa gente vai fazer?”.

E um dos desempregados, que estava ali, contou o Prefeito, disse: “Eu tenho vergonha de ir para casa. A minha mulher não põe nada na mesa, o meu filho não tem nada, e olham para mim como se eu fosse um criminoso. Eu, que era uma pessoa que, há vinte anos, era o chefe de família. Fazíamos as nossas pequenas economias, estávamos bem, tínhamos a nossa casinha, os filhos na escola. Vivíamos com modéstia, mas com dignidade. De repente, hoje, eu e minha mulher já não nos acertamos direito”. É aquela história que diz que em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão. Então, ele disse: “Eu já me considero um criminoso, e não sei qual é o caminho que vou seguir. Mas terminadas as minhas economias, com as quais levo pão lá para casa, sem pão não vou deixar meus filhos. Não sei o que vou fazer”.

Agora, isso está se repetindo pelo Brasil afora. Esse é um fator determinante do que acontece no presídio.

Nunca me esqueço, Sr. Presidente, de uma visita que fiz a uma favela no Rio. Quem me levou foi uma assistente social que conhecia tudo na favela e ia me mostrando: “Olha o rapazinho aqui!”, no meio daquela favela, o pessoal todo descalço, todo mundo maltrapilho, aquela coisa toda. O rapazinho estava com uma camisinha curta, uma calça, um sapato e um celular no bolso. Ele estava arrumadinho, bem penteado. A assistente social disse: “Esse é o cara que tem o futuro mais feliz daqui da favela. Todo mundo tem inveja dele, porque ele trabalha para a quadrilha. É informante. A única coisa que ele tem que fazer é, por telefone, passar a informação: Olha, o guarda passou por aqui. Olha, o fulano da outra quadrilha passou por aqui. Mais nada!”. E ele fica ali. Aí, fomos adiante. E essa senhora me levou para falar com a mãe do guri, que dizia: “Agora estou muito feliz! Graças a Deus, não falta nada aqui em casa. Nosso filho conseguiu emprego e ganha bem; estamos todos satisfeitos!”.

A melhor oportunidade que o favelado tem é de trabalhar para a quadrilha, informante da gangue de droga. O que vamos esperar? E fomos falar adiante, em uma rodinha de pessoas em que ela conhecia todo mundo; sentou e eu sentei junto. Ela foi fazendo as perguntas e eles foram respondendo: “Quem é o maior inimigo de vocês, a quadrilha ou a polícia?”, “Mas claro que é a polícia”, diziam, “a quadrilha não é nossa inimiga; a quadrilha nos ajuda, ajuda no desfile da escola de samba; reformou a nossa escolinha que estava caindo aos pedaços; dá emprego para quantas pessoas nossas! Ri quando passamos. Quando vejo a quadrilha passando e estou caminhando, nem tenho medo. Agora, a polícia, ela vem atirando. Ocorreu um crime, ocorreu um assalto, ela não quer saber. Entra na casa de um, na casa de outro, invade. Ela é dona de tudo”. Vejam o que elas disseram: “Pergunta o senhor aí para alguém se alguém chamou a polícia quando teve algum assalto? Ninguém é doido, porque é capaz de ter um segundo assalto”. Daí, perguntei: “E qual é a relação de vocês com a Justiça, com o Judiciário?”. “Ora, Doutor, noventa por cento dessa vila não sabe o que é esse Judiciário; nunca viu um juiz, nunca viu um promotor, nunca foi chamada para coisa nenhuma. O máximo que conhecemos é lá no serviço de adoção, coisa que o valha, quando tem algum caso desse tipo. Ou quando há um crime e determinam o destino de uma criança, então vem uma assistente social para ver se a criança fica ou se vai embora. Não existe Justiça.” Outro falou: “Olha, doutor, não existe Justiça. Aqui a gente não casa e não se divorcia. A gente não nasce, porque não tem certidão de nascimento, e a gente não morre, porque não tem certidão de óbito”.

Outro dia, na Comissão, perguntei a um cidadão do IBGE e ele me disse uma coisa realmente cruel: “É impressionante o número de favelas no Brasil, e o pessoal do IBGE não vai lá”. E quem é o pessoal do IBGE? Não são os funcionários. Quem faz os levantamentos são geralmente estudantes universitários contratados para o recenseamento, que ganham por serviço prestado. Na hora de subir em uma favela daquela, em que há pessoas guerreando entre si, eles vão pedir dados? O sujeito pode pensar que eles são da polícia: “Imagina se vou falar onde moro! Qual meu endereço, ou o nome dos meus irmãos!”. Então, há uma infinidade, há um número impressionante - não dá para dizer quanto, até vi, mas não me lembro agora, não quero dizer para não dizer bobagem - de brasileiros que nascem, se amontoam, têm filhos, morrem, trabalham - não têm carteira - e não existiram. Essa é uma realidade; esse é o nosso Brasil.

O pessoal do MDB do Rio Grande do Sul tinha mágoa de mim: eu elogiava demais o Lula e o PT, porque achei... Eu, no meu MDB, era um guri. Cheguei gurizinho, recém-saído da faculdade, na Assembléia Legislativa e, ali, de repente, eu, um sonhador, tinha visto Juscelino - eu era Presidente da União Nacional dos Estudantes na época de Juscelino. Tenho fatos. Nunca esqueço. Vocês vão ali, no Memorial do Juscelino, e há uma foto que todo mundo pergunta o que é. Na escada, está lá o Juscelino e estou eu, estudante, entregando um documento para ele. Fizemos um congresso mundial de estudantes de Direito, e eu fazendo tudo; na hora de iniciar, o congresso ia começar, eu não tinha um tostão - o negócio tinha parado no Ministério daqui e no Ministério de lá - e consegui uma audiência, o Jânio me conseguiu uma audiência com Juscelino. O Juscelino tinha um homem muito importante, o Pascoal Carlos Magno, um homem da cultura, ligado a teatro; e o Juscelino botou o homem da confiança do lado dele. Então, estou ali dizendo: “Presidente, vamos ter um congresso assim e assim. Presidente, vai ser a obra mais importante do seu governo; não tem obra mais importante que essa, Presidente!” Ele se vira para o Pascoal: “Pascoal, é a obra mais importante do meu governo e tu não me contas uma coisa dessas, tu não me falas?” Aí morri de vergonha e pedi para morrer, porque vi a bobagem que tinha feito. Mas levei o dinheiro. Ele assinou na hora ali o dinheiro e fizemos congresso.

Então, eu estava chegando na Assembléia um guri, sonhando com as idéias do Pasqualini. Deus me deu essa graça: o Pasqualini não se elegeu Governador e durante quatro anos, três vezes por semana, das oito à meia noite ele recebia um grupo de estudantes e relatava... Tanto que nunca tive problema de comunismo, não-comunismo, de capitalismo, não-capitalismo, porque a minha cabeça é a reprodução, eu sou uma reprodução, um clone do que o Pasqualini botou na minha cabeça. Então, eu estava feliz da vida, e estoura a tal da revolução! E cassam, prendem, matam e não sei o quê. E eu, um gurizinho, virei líder, virei Presidente do Partido, porque o resto todo tinha ido embora: cassaram, mataram, prenderam, degolaram.

Então, vivi o MDB, vivi os momentos históricos, fantásticos. E, lá no Rio Grande do Sul, Sr. Presidente, foi uma época realmente que o povo foi qualquer coisa de... Porque ali era a terra de Getúlio, a terra do Jango, a terra do Brizola - e o Brizola e o Jango estavam ali do lado, no Uruguai; então, ali era para matar, para não sobrar nada. Vivemos aquela época, e acho que o MDB fez um papel histórico e fantástico, porque naquela época houve um momento que chegávamos aqui e tinha o PcdoB que queria luta armada; tinha os outros que queriam a guerrilha, tinha o Brizola que queria o voto em branco, tinha os autênticos que queriam a dissolução do Partido, tinha os que queriam fazer assalto a banco para pegar dinheiro. Nós tínhamos de tudo. Era uma loucura. O Brasil estava sem rumo.

Fizemos uma reunião em Porto Alegre. Sr. Presidente, eu a fiz com todo o Brasil. Nessa reunião, traçamos a linha do Partido. Dissemos: o PMDB recebe todo o mundo, mas tem quatro linhas - Diretas Já, Assembléia Nacional Constituinte, anistia e fim da tortura. Quem quiser esses quatro itens - não queremos folha corrida, pode ser comunista, pode ser o que for - pode entrar, mas quem vier com outra tese, vá embora. Vá trabalhar em outro quintal.

Quando fizemos isso, o povo veio atrás. Foi aquela coisa fantástica, o movimento mais lindo da história deste País. Derrubamos os militares sem um tiro, sem uma morte.

Morreu o Tancredo, deu no que deu. Então, passei a olhar o Lula e o PT. O PT foi uma alternativa. Falo para o Cardeal Dom Evaristo Arns: “Pode, Evaristo? O PT se formou na sua sacristia”. Quando vemos essas coisas, perguntamos onde eles aprenderam essas coisas que estão fazendo aí. Ele diz: “É. Eu também não sei. Comigo eles não aprenderam essas coisas”.

O PT foi um partido que nasceu no meio da Igreja, no meio dos cristãos, amparando os sem-terra. Era um partido fantástico; e o Lula uma pessoa espetacular, um cara que veio do Nordeste, que era para ter morrido junto com as milhares de crianças da sua idade que morriam antes de um ano de idade. O pai vai embora e deixa a mãe com sete filhos, e ele vem com a mãe e os seis irmãos num pau-de-arara, é atirado naquela selva de São Paulo, tira o curso mais importante da sua vida - um curso de mecânico no Senai - e é Presidente da República.

           Foi líder sindical, mobilizou este País, participou de quatro eleições; ganhou na última. E nunca se viu, nesse tempo todo, uma palavra contra a dignidade do Lula. Nunca vi, nem quando ele era líder sindical, nem quando era operário. Não tem uma vírgula, não tem uma passagem dele pela polícia, por lugar nenhum. E o cara é eleito Presidente da República. Vitória espetacular.

            Fui sondado para ser Ministro, para ser líder do seu Governo. Eu até quase aceitei, mas depois... Eu até sofri. Os caras diziam para mim: “Simon, você não aceitou? Agora? Tu ficastes cinqüenta anos berrando. Agora que vamos salvar o Brasil, tu vais ficar de fora, bobalhão?” Fiquei com aquilo na minha cabeça. Sou um bobalhão mesmo. E acontece isso aí. Quando saiu o negócio do Waldomiro, que foi denunciado, eu pedi a CPI. Se, em vez de arquivarem, tivessem feito a CPI, meu Deus! Quando os primeiros casos aconteceram... Porque quando outro começa de um jeito, tu não tens mais o que fazer. Então, chegamos ao dia de hoje.

            E é por isso que eu gostaria de falar daqui, primeiro para o Michel Temer, Presidente do meu Partido, que está tendo uma atuação séria e responsável, mas também para outras duas pessoas: o Presidente do Senado Federal e o Presidente Sarney. Eles não podem manchar a biografia deles permanecendo nesta tese: o PMDB não pode ter candidato a Presidente; o PMDB tem de ficar aberto para apoiar os governos de Estado. O PMDB tem de ter candidato a Presidente. Não sei se é para ganhar, mas para traçar um rumo.

Se o PMDB não tiver candidato a Presidente, essa campanha vai ser dolorosa. Vai ser o PSDB indo para a tribuna e contando tudo isso que está aí, e é tudo verdade. Depois o PT vai para a tribuna e conta tudo aquilo que aconteceu, e é tudo verdade. Mas e o futuro? Qual é a expectativa do futuro?

O PMDB apresenta proposta, que é singela. Não é coisa fantástica. O pobre não quer revoluções espetaculares, uma casa maravilhosa, uma casa no campo. O pobre quer coisa simples. Quer comida, não como misericórdia, não como miséria, não como caridade, não como esmola, mas fruto do seu trabalho. E um trabalho que seja simples, que seja modesto, mas que lhe dê condição para viver com dignidade. Uma casinha simples, singela, mas uma casinha. Coisas essas que poderíamos fazer e não entendo até hoje porque o Lula não fez.

           O Papa falou, o Presidente do Banco Central dos Estados Unidos falou, o Presidente do Tesouro dos Estados Unidos falou que era importante que se encontrasse uma fórmula, inclusive diminuindo parte da dívida, em troca de solução para os problemas sociais da miséria brasileira. Por que não? Somos um País que está pagando a maior fortuna de dólares em juros para o exterior. Não podemos chegar e dizer: olha, vamos abater parte desses juros ou vamos deixar para pagar depois, mas eu preciso desse dinheiro para resolver o problema da miséria, da fome.

           No entanto, não. O Brasil faz o contrário. O Brasil recebeu voto de louvor do Banco Mundial e do Fundo Monetário. É o primeiro país que pagou a dívida adiantada. Em junho do ano passado, já tinha pagado toda a dívida do ano passado. Abateu juros? É, abateu juros. Mas, se com aquele dinheiro, tivesse equacionado o problema social do Brasil, seria muito diferente. Seria muito diferente.

Então, o que digo é que não podemos ter uma campanha como a que tivemos há quatro anos. O Duda transformou o Lula. A figura mais importante da eleição passada não foi o Lula, foi o Duda. O Duda mudou o Lula, mudou a barba do Lula, que tinha uma barba agreste, de um homem do povo. Podia até ter mudado como a do Presidente, mas não, fizeram uma barba de lorde inglês. As roupas do Lula passaram a ser espetaculares. O “Lulinha paz e amor” é a figura que venderam na televisão. E venderam assim: Fome Zero. Eu resolvo o problema da fome e ninguém mais vai passar fome no Brasil. E resolveram assim: desemprego zero. Vou criar 15 milhões de empregos e não vai ter um desempregado no Brasil. Foi uma maravilha, uma apoteose. E a desilusão é essa que está aí! E a desilusão é essa que está aí!

            Se o PMDB tiver um candidato a presidente, em primeiro lugar, não vamos fazer uma campanha no sentido de combater nem o PT nem o PSDB nesses 12 anos que passaram. Um programa de futuro.

           Eu me atreveria a dizer que deveríamos nos sentar à mesa - as candidaturas - e fazer um programa mínimo, que seria de todos. Pode haver variações: o Lula é mais à esquerda - que não é -, o Fernando Henrique é mais à direita - que é -, mas as regras que são universais, como pão, comida, dignidade, honra, decência, fariam parte de um programa comum. É isso que estamos propondo.

           Mas os meus amigos Renan e Sarney defendem a tese de que o MDB deve fazer os Governadores, não entrar na disputa para a Presidência. Mas está todo mundo aqui falando, todos os dias. V. Exª mesmo vive falando todos dias, chorando, pedindo que o Governo Federal faça isso e aquilo. V. Exª foi Governador e o que V. Exª pode fazer sem o apoio do Governo Federal?

           Vivemos numa federação que não é federação, é uma federação unitária. Temos um Presidente da República que, na verdade, é um ditador por tempo determinado. Democracia é nos Estados Unidos, onde o Presidente treme de medo do Congresso, porque o Congresso rejeita, diz onde deve se alocado o dinheiro. Democracia é na Itália, que derrubou o Presidente da República. Mas no Brasil? No Brasil o Presidente faz o que quer e o que não quer. Depois vêm nossos amigos e dizem: “Não, o MDB tem de fazer os governadores, não deve entrar na disputa para Presidente”.

            Olha, será uma tragédia para o MDB e para o Brasil. Vou procurar, meu Presidente...

           Senador Renan Calheiros, e o Senador José Sarney e fazer-lhes um apelo, no sentido de tentar um entendimento para definirmos um nome que seja de conjunto, uma pessoa como Jarbas Vasconcelos, por exemplo, que as diversas correntes possam aceitar.

           O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. PMDB - RO) - Ou Pedro Simon.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Em relação a esse há controvérsias. Se V. Exª conseguisse que o Renan e o Sarney me apoiassem... Mas acho isso muito difícil.

           Poderíamos fazer isso. Agora eles estão querendo mudar a data da convenção, marcada para o dia 11, para o dia 29. E a intenção é que ela não aconteça, porque o prazo máximo é o dia 30. Nós queremos fazer dia 11, porque ainda não se decidiram as convenções estaduais; então, pode haver reflexo nessas convenções. Mas, no dia 30, não há mais nada o que fazer, já está tudo feito.

           Faço aqui um apelo público ao Presidente do Senado, companheiro Senador Renan, e ao ex-Presidente da República, companheiro Senador José Sarney. Acho que S. Exas dariam um exemplo fantástico. Primeiro, salvariam o MDB, é verdade. Porque, se o PMDB for para essas eleições sem candidato, abrindo as portas - acho até que pode eleger um grande número de Deputados e de Governadores -, o Partido acaba. Há algo muito importante que talvez seja a única coisa boa que esteja hoje aí: a cláusula de barreira

           A cláusula de barreira vai acabar com muito “partidozinho”. Acho que vão sobrar uns quatro ou, no máximo, cinco Partidos. Então, muitos que serão eleitos vão partir para uma reorganização. Se o MDB tiver uma linha, tiver um princípio, será um grande Partido. Caso contrário, estou vendo cair fora todo mundo. Não sei quem sobra, mas acho que uma imensa maioria cai fora.

           O Dr. Renan diz que o importante é eleger os Governadores, mas, lá em Alagoas, está apoiando o candidato do PSDB. O nosso ex-Presidente do Senado, hoje Deputado Federal, o nosso Líder no Pará, defende a tese de que nós temos de fazer os Governadores, mas, lá no Pará, está caminhando para apoiar a candidata do PT. O Dr. Sarney defende que devemos fazer os Governadores, mas, no Maranhão, apóia a candidatura do PFL e, no Amapá, apóia um candidato de esquerda. Assim não dá para entender, fica difícil entender...

           Assim fica difícil entender. Acho importante fazermos essa meditação.

           Estamos nas últimas horas e as manchetes noticiam que eles estão a caminho de colherem assinaturas para que não haja a Convenção.

           Queira Deus que isso não aconteça e que nós possamos caminhar para essa eleição!

           Eu era gurizinho e já se dizia que o Brasil estava à beira do abismo. Mas o Brasil é maior que o abismo. Mas nós nunca estivemos tão fundo no poço como estamos agora. Nunca estivemos. E é exatamente a hora e o momento de redobrarmos as nossas forças e fazermos uma transformação.

           Essa eleição tem dois estilos: ou vai ser um Deus nos acuda - cada um querendo salvar a sua pele...A legislação que nós fizemos, infelizmente, não acatou o financiamento de campanha apenas com verbas públicas. Fez-se uma legislação tão severa que, como alguém disse, em vez de punir o caixa dois, na verdade, está facilitando o caixa dois. Pois é tão complicado a pessoa doar um dinheiro, fazer um cheque, que acaba dando o dinheiro e indo embora.

           Nessa eleição ou se tem parâmetros - e esses parâmetros só podem começar num debate entre os candidatos em nível federal... O outro não tem parâmetros, não sabemos como vai terminar. Lamentavelmente, nós e a Justiça Eleitoral não tomamos providências para fazer reformas realmente. Passando esse tempo todo, analisando, debatendo, sofrendo, mas não fizemos as reformas. E fizemos meia dúzia depois, quando o ano já tinha passado, e, agora, o Tribunal é capaz de dizer que como foi feita há menos de um ano da eleição, não tem valor.

           Por isso entendi, Sr. Presidente, que, nessa eleição, seria, realmente, muito importante se nós conseguíssemos reunir a sociedade, os Poderes, os Partidos, buscarmos um entendimento de como a campanha será feita, com respeito recíproco que devemos ter.

Vejo, aqui no Senado, Aloizio Mercadante, Líder do Governo; José Agripino, Líder do PFL; Arthur Virgílio, Líder do PSDB; Ney Suassuna, Líder o PMDB, reunindo-se periodicamente e fazendo os acordos mais diferentes. Eles têm diálogo; há diálogo entre os Líderes sobre aquilo que eles querem. Por que não haver um diálogo em torno daquilo que o Brasil precisa? Por que não se fazer um diálogo? Haverá um armistício, de agora até as eleições, em que vamos levar adiante.

Hesito falar aqui em Pacto da Moncloa para não cair no ridículo, porque já falei tantas vezes, como tanta gente já falou e não deu em nada! Mas eu me atrevo a falar: por que não fazer, antes das eleições, um grande entendimento da política com a Nação? Por que não fazer uma carta-compromisso com a brasilidade?

Nós, os mais variados Partidos políticos, empresários e trabalhadores, Poder Executivo e Poder Judiciário, assumimos esse compromisso com a Nação brasileira; assumimos agora, assumimos na eleição e assumimos, ganhe quem ganhar, passada a eleição.

O momento mais feliz que eu vivi na minha vida política foi quando, o Itamar já instalado na Presidência da República, com o Governo composto, fizemos uma reunião - que guardo até hoje com o maior carinho - na minha casa, com todos os Presidentes de Partidos. Todos estavam presentes: o Presidente da Câmara, o Presidente do Senado, o Itamar, Presidente da República, e eu, Líder do Governo. Havia uma fileira com todos os Ministros de Estado, e todos os Presidentes de Partidos puderam falar.

Naquele momento, houve um entendimento: cada vez que fosse necessário, que houvesse um problema sério com a nacionalidade, o Presidente da República teria autoridade para convocar uma reunião dos Presidentes de Partidos e cada Presidente de Partido teria autoridade para convocar o Presidente da República para uma reunião como aquela. A qualquer momento em que houvesse uma crise em que fossem colocadas em jogo as instituições. E houve unanimidade.

Uma coisa é importante, Sr. Presidente: não fizemos outra reunião. Não, não fizemos. Mas, se V. Exª me perguntar por que, respondo: no Governo Itamar não houve uma crise institucional, não houve um problema, não houve um momento em que o Presidente, que algum Líder não chegasse aqui...

O Lula me procurou no gabinete do Líder da Bancada dele - aliás, o único Senador aqui, o Senador Eduardo Suplicy. Ele e uma equipe me mostraram o problema de combate à fome e me pediram que marcasse uma reunião com o Secretário do Trabalho e com o Secretário da Educação. Recebi o documento e fui ao Itamar e disse: “Presidente, o Lula está pedindo isso, mas eu acho que quem tem de fazer a reunião é o senhor!” Na mesma hora, o Itamar pegou o telefone e falou com o Lula, convocando-o e a toda a sua equipe, que havia montado o projeto, para ir ao Palácio fazer a exposição. O Itamar determinou que toda a equipe social do seu governo assistisse. E foi dessa reunião que nasceu o programa contra a fome, do Betinho, do Bispo de Duque de Caxias. Foi ali, de uma idéia da Oposição, uma idéia que nasceu para morrer depois, como normalmente acontece no Brasil, que nasceu um grande projeto, que até hoje está sendo levado adiante.

Com o maior prazer, ouço o Senador Valdir Raupp.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nobre Senador Pedro Simon, estou assistindo há quase uma hora ao seu pronunciamento, esse apelo dramático para que o nosso Partido, o PMDB, tenha candidatura própria - V. Exª esteve presidindo a sessão e, agora, fala como orador inscrito. Lembro-me das cruzadas que V. Exª empreendeu pela candidatura própria já nas eleições passadas. V. Exª não conseguiu ser o candidato do PMDB, assim como Itamar Franco, que também tentou depois que deixou a Presidência e não conseguiu; Garotinho, recentemente, não está conseguindo. Nos últimos dias, tenho visto um movimento silencioso lembrando o nome do Pedro Simon para Presidente da República. Tenho recebido inúmeras ligações e acredito muito nas coisas naturais. Começo a imaginar que a candidatura Pedro Simon surge naturalmente no seio do PMDB. São milhares, são milhões de peemedebistas pelo Brasil afora que anseiam por uma candidatura própria. Não tenho dúvida disso. Aqui, ao meu lado, o Deputado Paulo Lima, de São Paulo, me dizia ainda há pouco que há uma unanimidade em São Paulo em torno da candidatura própria; querem que o PMDB tenha um candidato. Então, começo a imaginar que está nascendo, neste momento, no seio da sociedade brasileira e dentro do PMDB, esse movimento pela candidatura própria, que V. Ex.ª tanto tem pregado. E acredito que o nome natural que pode surgir é o de V. Exª: uma reserva moral, um homem de história dentro do nosso País e dentro do PMDB, como Deputado, como Governador, como Ministro, como Senador da República. V. Exª sempre tem honrado o nome do PMDB. Acredito que está na hora, com todo o respeito a quem presidiu o País, com todo o respeito a quem o preside neste momento, de o PMDB presidir a Nação. O PMDB de tantas lutas, de Ulysses Guimarães, de Tancredo Neves, de Teotônio Vilela, da luta pela redemocratização do País, das lutas pelas Diretas Já. Esse Partido tem condições, sim, de eleger um Presidente da República com suporte, com Bancadas fortes na Câmara dos Deputados, com Bancadas fortes no Senado Federal, com governadores eleitos. É claro que, neste momento, a verticalização pode ter atrapalhado um pouco as alianças estaduais, mas nem por isso o PMDB vai deixar de eleger Governadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Senadores e chegará à Presidência da República com uma Bancada forte, sim, na Câmara dos Deputados e no Senado - e buscando aliados. Se já fomos aliados de tantos Partidos, por que eles não podem ser nossos aliados no futuro? Creio que a tese de V. Exª está começando a pegar; está calando fundo. E, ao longo do pronunciamento de V. Exª, por mais de uma hora nessa tribuna, certamente muitos brasileiros, não só do PMDB como também de outros Partidos, estão se convencendo da tese da candidatura própria. Parabéns a V. Exª!

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Agradeço-lhe muito o aparte.

            Nós, gaúchos, geralmente - e mais de três milhões saíram do Rio Grande -, contribuímos para fazer o progresso do Brasil. V. Exª, que presidiu o seu Estado e que hoje está aqui, traz uma palavra que a mim me emociona.

Creio que não se trata da candidatura de Pedro Simon. Isso é o que menos importa, até porque, se estou fazendo um apelo aos governistas, ao Renan, ao Sarney, é claro que eles devem ter as suas teses e devem querer sugerir: “vamos buscar um nome que nos una a todos”. Já vivi isso, nas eleições indiretas, quando eu era apaixonado pelo Dr. Ulysses e defendia que tinha de ser ele; mas o próprio Dr. Ulysses disse: “Eu não posso ser, porque combati o tempo todo essa gente; essa gente não vai me apoiar. Tem de ser alguém da estirpe do Dr. Tancredo, que é da nossa mais absoluta confiança, mas que nunca foi obrigado, pela posição que ocupava, a fazer as lutas e a dizer os desaforos que eu disse”.

O importante na afirmativa de V. Exª é exatamente isso: podemos ter, temos condições de ter e não há Partido, no Brasil, que tenha tantos nomes em condições como o PMDB.

Acho estranho, meu querido Senador. Eu dizia e pensava isso quando o Lula ganhou: “A minha missão acabou. Elegemos o Lula, temos a democracia e, agora, vem a outra geração. E o PMDB também acabou”.

Repare V. Exª que não é o PMDB que está arrogante, querendo se meter na hora que não é a dele e querendo atrapalhar as coisas que estão andando; não. Um teve oito anos, teve a sua oportunidade; o outro teve os quatros anos e teve a sua oportunidade. É o que diz V. Exª: por que não o PMDB ter a sua oportunidade? Por que não nós apresentarmos uma proposta com a serenidade, com o equilíbrio, com o bom senso, vendo os erros que nós cometemos e que os outros cometeram, fazendo uma proposta de grande entendimento. Acho que isso pode ser feito e acho que o PMDB tem autoridade. Com essas coisas que aconteceram, o PT foi caindo, caindo, caindo na opinião pública. É impressionante ver como, nas pesquisas de opinião pública que nós temos, o PT foi caindo e o PMDB foi subindo.

Aquela gurizada que estava toda no PMDB na hora das Diretas Já e que foi praticamente toda embora para o PT está voltando para o PMDB, achando que é a vez e a hora do PMDB. Por isso, acho que não somos nós que estamos pedindo; é um desafio colocado na nossa frente e do qual o PMDB não pode fugir. Não é uma questão de vaidade, de petulância, de dizer que nós queremos, que não sei o quê. Não. A hora está a exigir uma candidatura, mesmo que não seja para ganhar, mas para traçar o rumo da sociedade brasileira. Essa eu acho que é a nossa grande missão e não posso aceitar que nomes importantes e ilustres do nosso Partido não sintam isso em seu cérebro, que não tenham um mínimo, não digo de amor, mas de carinho e de respeito pelo PMDB para entender que não podemos fugir daquilo que o destino colocou na nossa frente. Nós não procuramos!

Eu imaginava que, a esta altura, a candidatura do Lula seria uma reeleição espetacular, que iríamos todos com ele e que o PSDB apenas faria figura. Mas não foi o que aconteceu! E, cá entre nós, não por culpa do PMDB, que deu apoio à governabilidade durante todos os quatro anos. Então, resta-nos, agora, fazer a nossa parte. Digo isso com a minha idade, com um mandato de 24 anos nesta Casa.

Lembro-me de Teotônio Vilela com quatro cânceres, cabeça raspada por causa da quimioterapia, com duas bengalas, na cadeira de rodas, e nós o levávamos pelo Brasil. Quando ele entrava, cansado, todo mundo ficava com um olhar de piedade. Ele entrava no ambiente, tínhamos que carregá-lo para a tribuna para que ele começasse a falar. Parece que o divino Espírito Santo o inspirava quando ele dizia: “Eu estou aqui. Eu tenho quatro cânceres. Eu sou um homem muito rico. Meus médicos dizem que tem remédio contra a dor, que eu deveria ir para Paris e ficar lá, no sol, descansando, mas eu não aceito. Como vou estar lá com o meu País vivendo nessa ditadura, nessa violência, nesse arbítrio, com essas injustiças? Meu lugar é aqui, falando para vocês, meus jovens. Eu, com meus quatro cânceres, que não sei quanto tempo tenho, falo para vocês: vocês, jovens, que têm olhos para ver, ouvidos para ouvir e boca para falar, têm que levar adiante essa bandeira. A vocês cabe a responsabilidade de levá-la adiante”.

Graças a Deus, ao que eu saiba, não tenho câncer algum e muito menos a genialidade do Teotônio, mas tenho a capacidade de dizer ao Brasil, nos meus 76 anos: essa mocidade aspira por se levantar, para vir para a rua, para fazer um programa de ética, de moral, de dignidade, de seriedade, de salvação nacional, um programa como o que Roosevelt, na sua cadeira de rodas, fez nos Estados Unidos, quando o país estava à beira do colapso. Ele conseguiu recuperar e revolucionar os Estados Unidos, que, em 1929, 1930, estava numa verdadeira derrocada. Isso nós podemos fazer. O povo vem; o povo aceita, mas tem que começar pelo Presidente, com o Congresso e os outros Partidos.

Temos que iniciar um movimento que diga que agora é assim, que agora é sério, é dignidade, é correção; mas temos que começar por nós para chegar no povo. Na hora em que se vai ao povo, vemos que é tão dramático que o negócio é ele sobreviver levando alguma vantagem.

Sr. Presidente, agradeço a tolerância de V. Exª e a dos meus queridos Senadores.

Fiz uma lavagem de alma entre tudo que aconteceu em São Paulo e o que está acontecendo aqui. Que bom se estivermos enterrando, em São Paulo, o Brasil do faz-de-conta, como disse o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e se estivermos iniciando, com essa campanha, um Brasil para todos os brasileiros.

Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2006 - Página 17517