Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância do filme "Central do Brasil", que mostrou aos brasileiros o cotidiano de seus irmãos para fugir da fome.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • A importância do filme "Central do Brasil", que mostrou aos brasileiros o cotidiano de seus irmãos para fugir da fome.
Aparteantes
João Tenório.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2006 - Página 17746
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, CAMPANHA, CAMARA DE COMERCIO, CONCLAMAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, DEPOIMENTO, FOME, CARTA, SEMELHANÇA, FILME NACIONAL, AUSENCIA, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEPENDENCIA, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GRAVIDADE, ESTADO DA PARAIBA (PB), PROTESTO, DISCRIMINAÇÃO, INFERIORIDADE, RECEBIMENTO, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, COBRANÇA, MEDIDA DE EMERGENCIA, AMPLIAÇÃO, BOLSA FAMILIA, PROGRAMA, ATENÇÃO, IDOSO, FAMILIA, COMBATE, TRABALHO, INFANCIA.
  • QUESTIONAMENTO, FEDERAÇÃO, PREJUIZO, REGIÃO NORDESTE, OMISSÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, agradeço a permuta do Senador Gilvam Borges para falar no lugar de S. Exª, uma vez que estava fora.

O filme “Central do Brasil”, do cineasta Walter Salles, não conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro, bem como Fernanda Montenegro, que interpretou a personagem que saía do Sul para se confrontar com a problemática do Nordeste, também não ganhou o prêmio de melhor atriz da Academia de Hollywood. Mas a temática abordada pelo filme cumpriu um papel tão ou mais importante do que a conquista das estatuetas ao mostrar aos próprios brasileiros e ao mundo a realidade de uma parte do País desconhecida por muitos, ou simplesmente ignorada: o Nordeste e o seu povo.

No filme, as cartas que permeiam a ação e são ditadas por migrantes, em sua maioria figurantes reais, retratam o cotidiano de milhões de nordestinos que migraram de suas cidades de origem rumo aos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, para fugir da fome e da falta de trabalho em busca de melhores condições de vida.

Elo entre as das regiões que se opõem geograficamente e contrastam nos campos social e econômico - o Sul próspero e o Nordeste carente - cartas como as descritas em “Central do Brasil” também chegaram à Câmara Americana de Comércio, que promoveu a campanha Nordeste Sem Fome e lançou o projeto Nordeste 2020.

Essa é a folha de rosto constante do site da Câmara de Comércio Americana (AMCHAM) que conclamava os nordestinos a registrarem em cartas o drama da fome no Nordeste.

Estávamos em 1999 e, então, entre os registros enviados chamava a atenção a presença recorrente da dependência das políticas públicas - e parece que hoje foi o tema recorrente aqui neste plenário: “se não fosse pela ‘feira’ (nome dado as cestas básicas da região), muita gente estaria passando fome”.

Infelizmente, a situação nos lares nordestinos, em geral, e paraibanos, em particular, parece pouco ter mudado em termos de avanços que possam sinalizar um alento para aqueles que a difícil arte de sobreviver consiste em descobrir meios para a obtenção do pão de cada dia.

Sete anos depois, Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Valadares, o IBGE traça um perfil inédito sobre segurança alimentar no Brasil. E a Paraíba, com mais de 630 mil pessoas passando fome em 2004, figura entre as primeiras posições no ranking dos Estados onde a insegurança alimentar é considerada grave, ou seja, o cidadão e a sua família passam fome mesmo.

O número corresponde, no caso da Paraíba, a 17,8% da população e coloca-a na terceira pior posição do ranking nacional de segurança alimentar. V. Exªs poderiam me perguntar: e o que é a insegurança alimentar? É a não certeza de que vai ter o alimento de amanhã; é não ter um emprego correto; é não ter uma fonte de renda; é não ter meios de subsistência que lhe possam assegurar a comida do próximo dia, da próxima semana. Isso é insegurança alimentar.

E ela se apresenta em três categorias: a grave, que é a fome; a média e a tênue.

E esse estudo fez parte do suplemento sobre segurança alimentar da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad). Isso não é diferente na Bahia; isso não é diferente no Piauí; isso não é diferente no Ceará. Em cada um desses Estados, há um segmento maior ou menor, mas, no caso da Paraíba, é duro. Vejam só os senhores.

Os índices se agravam ainda mais quando são somados os percentuais relativos à insegurança alimentar leve e moderada.

Os paraibanos que, de uma forma ou de outra, chegam a ter insegurança alimentar ultrapassam a casa dos 2,1 milhões de habitantes, numa população de 3,9 milhões habitantes. Ou seja, um número assustador!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os pesquisadores visitaram quase um milhão de domicílios na Paraíba. Desses, 332 mil estavam em condições de insegurança alimentar, ou seja, 35% das casas visitadas. Não sei qual é o percentual do Ceará, nem o do Piauí, pois pesquisei o da Paraíba, mas é assustador quando verificamos as estatísticas. Nós da classe média, de classes economicamente mais altas, que temos a comida assegurada a cada dia, que temos tranqüilidade, não temos idéia de quantos estão passando fome, ou estão na iminência de não ter essa segurança da comida.

Ainda na semana passada, ocupei esta tribuna para denunciar a situação de desvantagem sofrida pela Paraíba no recebimento de recursos da União. E mostrava que, enquanto o Ceará tinha aproximadamente R$120,00 per capita e a Bahia tinha aproximadamente R$200,00, a Paraíba tinha R$27,00, porque é uma região que realmente não tem recebido investimentos prioritários.

Na oportunidade, ficou evidenciado o quanto a Paraíba tem sido preterida na partilha de recursos federais quando comparada ao Rio Grande do Norte, a Pernambuco, ao Ceará e à Bahia. Falávamos de recursos destinados a fomentar o emprego e a renda, ferramentas indispensáveis à construção do desenvolvimento.

Hoje, trago a este Plenário a fase mais perversa da desigualdade: a fome. E, nesse quesito, meu Estado é novamente prejudicado, destacando-se, negativamente, de maneira cruel.

Miseravelmente, no meu Estado, a Paraíba, uma legião enorme de famintos continua a sobreviver sem vislumbrar nenhuma possibilidade de futuro para si e para os seus. É o drama dos despossuídos a exigir uma solução imediata, posto que a fome de hoje não se pode saciar com um prato de comida de amanhã.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante da gravidade da situação evidenciada na pesquisa da Pnad feita pelo IBGE, nós Senadores e Deputados da Paraíba não temos outro caminho senão exigir do Governo Federal a implantação imediata de medidas emergenciais no combate à calamidade que se abate sobre 35% dos nossos conterrâneos.

Enquanto ações de natureza estrutural, com resultados permanentes, estão sendo amadurecidas e, portanto, terão seus efeitos apenas no médio e no longo prazo, não podemos fechar os olhos diante de tanto sofrimento.

Nesse contexto, ações emergenciais, como Bolsa Família, Bolsa Escola, Programa de Atenção à Pessoa Idosa, Programa de Atenção Integral à Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, devem ser ampliados imediatamente, de maneira a cobrir o universo composto pelos grupos vulneráveis, de acordo com a pesquisa.

Recursos orçamentários para tanto existem e deverão ser alocados do grupo de despesa para situações emergenciais.

Acaso existe maior calamidade pública do que um Estado onde 35% da população sobrevive em condições de insegurança alimentar permanente? A resposta a essa indagação não admite medidas protelatórias. Conviver com esse genocídio lento e atroz é inaceitável.

Concedo um aparte ao Senador João Tenório.

O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador Ney Suassuna, V. Exª traz a esta Casa um tema que, infelizmente, saiu da agenda do Governo, ou melhor, dos últimos governos que este País teve, que é a atenuação das desigualdades sociais. Na verdade, se tomarmos como exemplo algumas experiências bem-sucedidas no mundo, entenderemos que, no Brasil, não existem mais políticas públicas que visem à diminuição das desigualdades sociais. Cito o exemplo da Alemanha Ocidental, que, até o final do ano 2002, já tinha investido US$580 bilhões na Alemanha Oriental, para que a situação econômica e social das duas Alemanhas ficasse mais próxima. Nem preciso dizer do esforço feito durante a constituição da Comunidade Européia para permitir que Portugal, Espanha e outros países se aproximassem dos demais países da Comunidade, diminuindo-se as desigualdades que até então apresentavam. Muito dinheiro foi aplicado nesses países. Quem foi a Portugal ou à Espanha recentemente pôde ver claramente o investimento maciço que receberam de outros países. No nordeste italiano, na chamada Nova Itália, vê-se também a quantidade de recursos que colocaram ali para fazer com que desigualdades tão grandes fossem atenuadas. Esse também é um exemplo que poderia ser absorvido. Enfim, observando o que acontece nos países que apresentam essas desigualdades tão fortes, como ocorre, no caso do Brasil, entre o centro, o sul, o nordeste e o norte do País, concluímos que são necessárias políticas públicas muito consistentes e uma decisão política muito forte no sentido de promover migrações importantes de investimento das regiões mais favorecidas para as menos favorecidas. Nobre Senador, esse tema que V. Exª traz aqui infelizmente saiu da agenda dos nossos governantes há algum tempo, não só agora - é bom que se diga -, e é absolutamente oportuno. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Agradeço a V. Exª o aparte, que fará prioritariamente parte do meu pronunciamento.

Eu diria que é triste constatarmos isso. Na Constituição, está previsto que teremos sempre um plus para diminuir o gap, para diminuir o fosso entre as duas áreas. Mas, na prática, agravou-se a situação.

O Presidente Antonio Carlos Magalhães fez aqui um projeto da nova Sudene, que traria benefícios à região, uma vez que ela deixou de existir. E o que foi feito do projeto? Até agora, não foi votado. Por nós foi, mas passou para a outra Casa e novamente foi arquivado em algum lugar. Eu vejo aqui o esforço de vários Senadores da nossa Bancada, mas, lamentavelmente, a matéria não avança.

Quando cada um de nós chega aqui para tomar posse, jura o amor à União. Mas eu já vejo, com pesar e preocupação, entre a juventude da minha região, muitos levantando a hipótese: “Se fôssemos independentes, estaríamos em melhor situação”. Não estou pregando essa idéia de maneira nenhuma. Só estou lembrando que é assim que será criada, daqui a pouco, uma separação de imagens. Daqui a pouco, nós teremos uma grupo pensando que somos só explorados. Isso não é bom para um país que tem essa homogeneidade que temos. Isso não é bom para um país que vê até mesmo o petróleo explorado no Rio Grande do Norte não servir para a região, ou o Pólo Petroquímico da Bahia não ter o aproveitamento que deveria ter para a região. Passamos a ser só um mercado cativo e uma área explorada, que paga mais do que recebe e que é cada vez mais esquecida.

Por isso, Sr. Presidente, ao encerrar, quero dizer que pior que a morte na guerra é a morte silenciosa, anônima e desumana, que ceifa da vida a própria vida, restringindo a existência de milhões de compatriotas à sobrevivência amargurada dos renegados do progresso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2006 - Página 17746