Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre as causas da violência no País e da formação de exército do crime organizado nas grandes cidades.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre as causas da violência no País e da formação de exército do crime organizado nas grandes cidades.
Aparteantes
Leonel Pavan.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2006 - Página 17765
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, COMANDO, ARMAMENTO, CRIME ORGANIZADO, REGIÃO METROPOLITANA, AMEAÇA, PODER, ESTADO, DESRESPEITO, ESTADO DE DIREITO, NECESSIDADE, IDENTIFICAÇÃO, ORIGEM, REVISÃO, PROBLEMA, AUMENTO, EFICACIA, MODERNIZAÇÃO, TECNOLOGIA, POLICIA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, POLICIAL.
  • ANALISE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PROVOCAÇÃO, TENSÃO SOCIAL, INJUSTIÇA, NECESSIDADE, DEBATE, LIBERALISMO, ECONOMIA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ESTADO, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REGISTRO, ESFORÇO, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, BOLIVIA, FRANÇA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, arrefecida a tensão causada por toda a tragédia ocorrida em São Paulo, vejo que agora se discutem subitens do problema da segurança pública, a questão das condições dos presidiários, o uso de celular, a presença de advogados, a necessidade de revisão legal, o agravamento de penas aqui e ali.

Sr. Presidente, creio que isso não seja absolutamente em vão. Isso é importante, sim. No entanto, ao se discutirem esses subitens, está-se esquecendo do principal, que é a existência de um verdadeiro exército do crime organizado nas nossas grandes cidades. Um exército com grande poder de fogo, capaz de enfrentar a polícia e de dar uma trégua mediante negociação. Que fenômeno é esse? Isso não existia há vinte anos. Fui Prefeito do Rio, com mandato até 1988, e isso não existia, Srªs e Srs. Senadores. Isso é criação recente e gravíssima! Este é um fenômeno grave que assola as populações das nossas grandes cidades. É espantoso, mas é verdadeiro. O problema é porque o comando vem de dentro do presídio? Não. Se o comando não fosse de dentro do presídio, seria de fora dele. O espantoso, o gravíssimo é que esse exército exista. É um bando de brasileiros e brasileiras - não nos esqueçamos disso - que não respeitam a lei, nem o Estado, nem a República, nem os valores morais, nem os valores da humanidade. Como se formou isso? Como foi possível, em um prazo relativamente curto, a formação desses verdadeiros exércitos que comandam as ações criminosas que afetam a vida das nossas grandes cidades?

Discutem-se as causas e os porquês de como isso se formou e como enfrentá-lo. É preciso reverter as causas da formação e, ao mesmo tempo, enfrentar, em curto prazo, o problema da criminalidade com mais eficácia por parte da polícia. Estou de pleno acordo. Não vou entrar nessa discussão porque não é minha especialidade, mas acho, sim, que é preciso pensar na polícia, na sua especialização, no uso de tecnologias mais avançadas, como a tecnologia do geoprocessamento, por exemplo, que hoje permite que se monitore completamente todas as ruas de uma cidade 24 horas por dia, vendo o que se passa ali. Então, essas tecnologias avançadas têm de ser usadas; o efetivo policial do Brasil tem de ser aumentado. Já vi referências ao número de policiais em ação por mil habitantes, que, em países mais ricos, é seis vezes maior do que no Brasil. Tudo bem! Não vamos aumentar tanto o número de policiais, mas acho que é preciso, pelo menos, duplicar o nosso efetivo policial, sim, com policiais de formação melhor. Acho tudo isso importante.

Na verdade, o que quero é reverter ou, pelo menos, parar com a formação desse exército de criminosos que cresce em nossas grandes cidades. Faltou educação? Faltou, é consenso. Desagregou-se a família? Sim, é verdade. Desagregou-se a religião? Tudo isso é verdadeiro. Os valores morais tradicionais perderam a força. No entanto, todas essas razões que se somam para a formação desse contingente criminoso ainda são insuficientes para explicar a sua existência.

Sr. Presidente, penso que isso deriva de um enorme, profundo, vasto sentimento de injustiça que grassa no seio da nossa população mais carente, nas comunidades carentes das nossas grandes cidades. Há esse sentimento de uma enorme injustiça. A nossa sociedade é a mais injusta do mundo! Isso atinge a população mais carente. E os que têm o coração mais forte ficam cheios de ódio e enfrentam, à custa da própria vida, toda essa situação. Os que têm um caráter não tão forte ficam cínicos e negam todos os valores, negando o valor das próprias instituições. E aqueles que não são nem um nem outro nessa força de caráter ficam, de certa forma, solidários com esses que partem para a luta. Há um sentimento de solidariedade, sim; um sentimento que é ambíguo, porque é de medo, é de condenação, mas que também é de solidariedade na massa da nossa população carente. Se não houvesse esse sentimento não proliferaria, com tanta força, esse exército que vemos nas comunidades carentes das nossas grandes cidades.

Sr. Presidente, precisamos olhar para isso com vontade de enfrentar e de resolver o problema, que não é fácil; é muito difícil!

A nossa elite, a elite cínica, como diz o Governador Cláudio Lembo, a nossa elite branca, perversa e cínica, acha que não tem jeito, que é isso mesmo, deriva do mercado; essa diferença, essa exclusão deriva da incompetência, da falta de preparo dessa massa carente para enfrentar a competição no mercado. Eles não têm competitividade, e o mercado é que decide. O que o mercado quer tem de ser feito.

Sr. Presidente, essa é uma grande mentira, que deve ser dita de todas as formas. É uma mentira! Quem decide isso é o comando da sociedade, o comando da política econômica. É exatamente essa elite cínica que não quer ver que existem outras soluções, sim; que os critérios de mercado e de competitividade não são os únicos. Há os critérios ditados pela sociedade por meio da presença do Estado, do planejamento, dos investimentos de natureza solidária para gerar mais empregos, mesmo que não sejam os mais competitivos. Mas é preciso que isso seja decidido politicamente, mas não tomado como verdade o mandamento da nossa elite econômica, endinheirada e cínica, que não quer enxergar que esse exército de brasileiros revoltados vai se formando e vai se multiplicando, até onde não sei.

O que é necessário é reverter a causação perversa que determinou a existência desses exércitos. Estão tentando isso no Brasil, exatamente com o Governo Lula, pela política de reforço, de recuperação do Estado, de fim das privatizações, de retomada dos investimentos e dos programas sociais. É muito difícil? É claro que é muito difícil, porque o comando financeiro e econômico do País está na mão dos grandes interesses, que sabotam, de toda forma, e colocam em risco a estabilidade de qualquer governo que resolva enfrentar as regras de mercado.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - V. Exª me permite um aparte, Senador Roberto Saturnino?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Isso está sendo tentado aqui, assim como está sendo tentado na Venezuela, na Bolívia, nos países sul-americanos em geral. E digo mais: até na própria França. É muito importante a visita do Presidente Jacques Chirac, pois a França é o único país rico do mundo, o único país de Primeiro Mundo, que está enfrentando o neoliberalismo, dentro das possibilidades.

A população da França rejeitou o projeto de Constituição Européia, porque este estabelecia, entre os pressupostos primeiros, o respeito à economia de mercado. E os franceses sabem o que significa economia de mercado: a perda de todas as conquistas que conseguiram no período da social democracia, que foi extremamente virtuoso em termos de economia e de vantagens sociais para os franceses. Eles não querem perder isso. Rejeitaram também o projeto de “flexibilização” do primeiro emprego, proposto pelo Primeiro Ministro, liberal. A população se revoltou e derrubou o projeto de lei. Quer dizer, há um movimento no mundo, tanto na América do Sul como na França. E não vou me referir aos países islâmicos, porque lá concorrem outras causas, de natureza religiosa e cultural, mas vou me referir à América do Sul e à França, especialmente, e ao Brasil, muito especialmente, pelo esforço muito difícil que tem sido feito a fim de restaurar a presença e o poder do Estado na economia.

(Interrupção do som.)

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Concedo o aparte ao Senador Leonel Pavan, e já encerro, Sr. Presidente.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senador Roberto Saturnino, pedi o aparte no final porque gostaria de me referir ao começo do seu pronunciamento, quando V. Exª coloca que, durante o seu mandato como Prefeito, o Rio de Janeiro era mais calmo. Eu concordo e me lembro, quando éramos do PDT...

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Nós subíamos os morros do Rio sem nenhum problema, Senador Leonel Pavan. Isso não foi há tanto tempo! Foi em 1988.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - E V. Exª perguntou porque está acontecendo isso. Ora, há uma guerra permanente no País, independentemente dos crimes que estão ocorrendo hoje, com os bandidos. Existe um outro lado, que é pior, às vezes, do que o que está acontecendo hoje, que é o crime contra as crianças, contra os famintos, contra os miseráveis...

(Interrupção do som.)

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - ...que é o crime que se comete contra o homem do campo. Nunca vamos resolver a questão da segurança no País se não colocarmos as nossas crianças nas escolas, se não trabalharmos com as nossas famílias, se não gerarmos empregos, se não qualificarmos a nossa mão-de-obra, se não remunerarmos bem a polícia, se não houver um sistema de segurança - um presídio - com segurança total, se não jogarmos duro contra esses que cometem crimes diários, tanto os criminosos do poder público como os criminosos da rua, tanto aqueles que roubam os cofres públicos quanto aqueles que roubam as famílias no dia-a-dia. Nós precisamos combater...

(Interrupção do som.)

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Nós precisamos combater isso vinte e quatro horas por dia e começar a investir os recursos que estão no Orçamento e, às vezes, não são destinados àquilo que é devido, que é o investimento no social, na criança, na família, no agricultor, no pobre, no miserável, no emprego. Não adianta tentar, apenas armado, destruir um bandido. Centenas de outros surgirão, porque o Governo não dá a assistência que deve ser dada.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Leonel Pavan, não vou discordar de V. Exª em essência. Todas as causas que V. Exª citou são verdadeiras: investimento em educação, em emprego etc. Tudo isso é muito importante, realmente. No entanto, é mister reduzir progressivamente...

(Interrupção do som.)

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - ...a desigualdade estrutural, abissal e inaceitável da nossa sociedade. Entre os brasileiros, há uma minoria cada vez mais insignificante que comanda o sindicato do cinismo, que comanda a economia, e uma marcha de brasileiros que é excluída pela “competitividade”. É claro que investir na educação é importante, que gerar emprego no campo é importante. Tudo isso é muito importante, mas é preciso atacar estruturalmente essa doença que começou a se formar exatamente quando entrou no Brasil o neoliberalismo, a partir do final dos anos 80. Esse processo perdurou durante toda a década de 90, permaneceu na década de 2000 e, só agora, começa a ser revertido. Como? Com as estatais, com o planejamento, com os investimentos sociais que estão sendo feitos, e com a atenção que está sendo dada aos países que estão juntos conosco nesta verdadeira guerra contra o neoliberalismo, que é á fonte de toda a injustiça estrutural, enorme e abissal que existe em nosso País, como em quase todos os países da América do Sul.

Sr. Presidente, agradeço pela benevolência de V. Exª e encerro a minha fala.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2006 - Página 17765