Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemorações pela passagem dos cento e oitenta anos do Senado Federal.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemorações pela passagem dos cento e oitenta anos do Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2006 - Página 16108
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SENADO, REGISTRO, HISTORIA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana, tão generoso ao anunciar a minha presença da tribuna; Exmª Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Senador Antonio Carlos Magalhães, ex-Presidente desta Casa, uma das figuras mais expressivas da política brasileira; Excelentíssimo Senhor Presidente da República em exercício Renan Calheiros, aceitei dizer algumas palavras nesta sessão pelo fato de comemorarmos estes 180 anos com uma coisa inusitada, que é a presença nesta solenidade do Presidente da República e Presidente do Senado. A história é justamente marcada por fatos desta natureza.

Isso representa, sem dúvida, além da alegria para todos nós de vermos na Presidência da República um político de tão grandes virtudes, de tão profunda inteligência, de tão esperançosa vida pública, que tem marcado a sua presença com dignidade, com correção, com um grande espírito público, isso representa a força das nossas instituições, o exemplo das nossas instituições.

Tocqueville, quando escreveu o famoso tratado sobre a democracia americana, referiu-se ao fato de que uma das instituições mais importantes que os americanos fizeram e que copiamos, com a República, foi justamente a de não deixar que tivéssemos crise alguma de poder quando temos a substituição estabelecida do Presidente e do Vice-Presidente, do Presidente da Câmara e do Presidente do Senado. São instituições que mostram que, na escala da República, o Senado está na base, assegurando isso que tem evitado no Brasil e nos Estados Unidos tantas crises. É o que estamos vendo neste instante com a presença do Senador Renan Calheiros.

Trata-se de uma data muito cara para todos nós, Senadores: 180 anos do Senado. Não são muitos os Parlamentos do mundo que têm 180 anos. Aqui na América, depois dos Estados Unidos, o Brasil pode se orgulhar disso.

Por outro lado, um fato também extremamente importante é que esta Nação foi feita sob a égide do poder político, que é a síntese de todos os Poderes. Não fomos feitos em batalhas, como os países da América Espanhola. Fomos feitos através da construção de instituições que nasceram aqui, dentro do Congresso Nacional.

Antes da independência, já o Príncipe-Regente convocava a Assembléia Constituinte. Por quê? Porque ele estava imbuído das idéias daquele tempo, idéias essas que procuravam evitar os males do poder absoluto, idéias de constitucionalismo e idéias de parlamentarismo. O Príncipe convocava a Constituinte para que as instituições pudessem nascer sob a égide de uma Constituição, da lei, para controlar o poder absoluto do Rei e, ao mesmo tempo, com um parlamento que representasse a vontade do povo para criar as leis a serem obedecidas.

Reúne-se o Senado a 6 de maio de 1826, já depois, então, que a Constituinte havia fracassado. O Imperador havia outorgado a Constituição, e começávamos a criar o esboço do qual partiríamos para a construção do Brasil. Aí vem a instituição do Senado, que é inaugurado sob a presidência do Marquês de Santo Amaro e composto por 50 Senadores nomeados pelo Imperador.

Não havia, naquele tempo, homens com qualquer experiência parlamentar. Havia o desejo e a noção do parlamento. Mas ninguém sabia o que era um parlamento. Muito poucos tinham participado das Cortes Constituintes de Lisboa e que estava ali presente sabendo o que era o parlamento.

Esses homens vinham a cavalo e o amarravam às portas do Palácio do Conde dos Arcos, e vinham também em charretes. Eram eles que discutiam, aqui dentro, instituições para o Brasil; falavam da liberdade individual num tempo em que existia o poder absoluto; falavam da liberdade de imprensa num tempo em que quase não havia prelo; falavam da necessidade de construção de universidades no Brasil. Assim este País nasceu. O Senado tem uma importância muito grande dentro da formação das instituições brasileiras.

Capistrano, um de nossos maiores historiadores, teve a oportunidade de fixar bem isso quando disse que duas instituições foram responsáveis pela unidade nacional, pela construção deste grande País, mantendo a sua unidade: o Poder Moderador do Imperador - e vamos pensar como há dois séculos e não como hoje - e a vitaliciedade do Senado, que para nós parece um absurdo, mas tinha como base o pensamento de Benjamin Constant, que dizia que esta era a “casa da duração”, onde existia a idéia da perenidade, da estabilidade. Foram justamente o Senado e o Poder Moderador que conseguiram, ao longo do Império, construir a unidade nacional. Foram esses dois instrumentos que identificamos, hoje e ao longo da nossa história, como tão importantes.

O Senado tem, então, essa grande posição na história política brasileira. Grandes nomes por aqui passaram. Não temos como relacionar todos, ou levaríamos toda a tarde, mas afirmo que quase todos os grandes políticos brasileiros aqui estiveram. Do tempo do Império, logo no princípio, posso citar: Francisco Gê Acaiaba de Montezuma; Bernardo Pereira de Vasconcellos, que, por estar doente, tinha licença para ficar sentado quando falasse; Miguel Calmon, da terra do Senador Antonio Carlos Magalhães, que foi Marquês de Abrantes e também Presidente do Senado durante muito tempo; Nicolau Vergueiro; Zacarias de Góes e Vasconcelos; Visconde do Uruguai e outros que passaram por esta Casa ao longo do tempo. Lembro-me também do Conselheiro Nabuco de Araújo, que tinha deixado de ser Conservador - e, como se diz na Inglaterra, “atravessado o corredor” - e passado para o campo dos Liberais. E lançou a idéia da Reforma ou Revolução, dizendo, que, naquele tempo, era preciso que se plantasse no Brasil.

Desta Casa também saíram, e para cá voltaram, Presidentes da República, como estamos vendo hoje, aqui, o nosso Presidente Senador Renan Calheiros. A começar por Prudente de Moraes, que foi Presidente da Casa e foi Presidente da República; Rodrigues Alves, que foi Senador, Presidente da República e voltou a Senador; Nilo Peçanha; Epitácio Pessoa, que também foi Senador, e brilhante Senador; Getúlio Vargas, agora falando na Nova República; João Goulart; Café Filho, que também foi Presidente desta Casa; tantos Presidentes que tivemos que daqui saíram, e alguns para cá voltaram. Portanto, esta é uma data extremamente significativa para o Brasil. Não é uma data somente nossa.

Muitas vezes, nós nos esquecemos do que foi a construção política do Brasil, das idéias que fizeram este País. Ao longo do tempo, as idéias civilistas, os ideais democráticos e os ideais de liberdade construídos não deixaram frutificar as idéias ditatoriais. Fazem parte da alma e do povo brasileiro. Por meio de quê? Por meio da pregação dos homens públicos que tivemos. Aqui é a Casa da Federação. Desde o princípio do País, falava-se em federação. O Império era um Estado unitário. Os impérios sempre foram Estados unitários. Dizia-se que isso era essencial à unidade nacional. Mas essa idéia começou a crescer. E Rui Barbosa, que é o nosso patrono, se tornou o grande patrono da idéia do federalismo. De tal modo que ele, que fora monarquista e ainda não havia aberto o ideal para ser republicano, dizia: “Façamos o federalismo com monarquia ou sem monarquia”. Já antes, ele dizia isso. Depois, em 1888, quando vem a Abolição da Escravatura, Joaquim Nabuco, que perdera a grande causa da abolição - e ele gostava de ter causas -, tentou recuperar para si a bandeira da Federação, mas ela já era de Rui Barbosa, e ele não pôde tomá-la. Mas se juntaram os dois grandes homens públicos em torno da Federação. E é aí que nós, então, vemos a importância do Senado.

Quando chega a República, o Senado é criado nos moldes do Senado americano. Afonso Arinos, em seu livro O Som do outro Sino, transcreve alguns discursos que fez aqui, e a um deles eu pude até assistir, em que fala sobre a origem do Senado. Afonso diz: “O Senado é uma invenção de Deus”. Para provar isso, lembra que os constituintes da Filadélfia se reuniram, uma noite - eles que tinham uma noção das instituições inglesas, da Câmara dos Lordes -, e começaram a pensar: “Como nós vamos criar aqui uma instituição que seja como a Câmara dos Lordes?”. E não chegaram a nenhum acordo. Mas eles, como eram homens religiosos, resolveram ir para casa e rezar, para que Deus os inspirasse e, na manhã seguinte, tivessem uma solução. No dia seguinte, Madison apresenta uma solução: cada Estado daquele tempo devia trazer dois representantes, para que a Federação tivesse uma casa da Unidade da Federação. E Afonso disse: “Nós fomos uma invenção de Deus, resultado dessa noite de orações dos Constituintes de Filadélfia, que nós invocamos.”

Naquela época, houve um episódio em que Jefferson pergunta a Madison para que serve o Senado, se já havia uma Câmara. Ele estava tomando chá; coloca então o chá no pires e diz: “É para isto: para esfriar”. Era essa a noção por trás da criação do Senado.

Sei que a hora vai tarde e estou divagando um pouco, mas vou terminar. Quero falar ao nosso querido Senador Cristovam Buarque, que se referiu às flores. Nós ainda temos flores a entregar, não aos Senadores, mas ao Senado, porque a soma de todos os Senadores, dos grandes, dos pequenos, de todos aqueles que foram, ao longo do tempo, é menor do que a Instituição do Senado. Esta é a Instituição que criou, que ajudou a fundar este País, que foi feito sob a égide do Poder político, que, repito, é a síntese de todos os Poderes. As flores são referidas no livro Pesquisas e Depoimentos, de Tobias Monteiro, que eu me lembro de ter lido. Nesse livro, ele cita frase do embaixador americano: “Enquanto nós nos Estados Unidos, com sangue, fazemos a abolição, aqui no Brasil assisti a ela ser feita com flores.”

No Senado, também houve uma sessão, num dia apenas. Mas é preciso que se diga que o dia 13 de maio de 1888 foi um domingo. O Senado reuniu-se num domingo para votar a Lei Áurea. Então, Antônio Cândido, Visconde do Serro Frio, Presidente do Senado à época, teve a oportunidade de dizer: “Vamos fazer logo; eu não quero que uma dama de tão altas virtudes, como a Princesa Isabel, espere mais por esta lei”, porque ela já estava esperando no Paço.

Ela também era Senadora, embora não tenha exercido nenhuma vez, mas a Constituição dava aos príncipes de sangue a posição de Senadores. E ela, portanto, era Senadora; ela recebia uma lei que vinha do Senado e também era Senadora.

Portanto, Senador Cristovam, o Senado continua sendo esta Casa extraordinária que o Brasil criou. Aqui se faz política, embora Nabuco de Araújo tenha dito, uma vez, que o Senado não faz política. Há momentos difíceis - e temos certeza disso -, com exemplos do passado, e vai ser no futuro, mas sempre, nesses momentos, o Senado tem sabido ver aquele terreno comum, que é o terreno do interesse público, do interesse nacional, no qual nós temos, ao longo da história, não feito política, mas feito a política em favor do Brasil.

Portanto, vamos entregar essas flores a um Senado que hoje, como no passado, é o Senado do nosso País, vibrante de talentos, de pessoas que estão aí lutando nas circunstâncias que vivemos, mas a Instituição continua a grande Instituição nacional criada há 180 anos. Então, vamos entregar essas flores ao Senado Federal, já que nós, Senadores, não podemos recebê-las.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2006 - Página 16108