Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a declarações do Sr. João Manoel Durão Barros, Presidente da Comissão Européia, sobre o avanço do populismo na América Latina.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários a declarações do Sr. João Manoel Durão Barros, Presidente da Comissão Européia, sobre o avanço do populismo na América Latina.
Aparteantes
Ideli Salvatti.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2006 - Página 18598
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, COMUNIDADE, UNIÃO EUROPEIA, APREENSÃO, CRESCIMENTO, POLITICA, PAIS, AMERICA LATINA, UTILIZAÇÃO, INSTRUMENTO, ESTADO, PROMOÇÃO, CURTO PRAZO, DESENVOLVIMENTO, DISTRIBUIÇÃO, PRIORIDADE, FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, OPINIÃO, ORADOR, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INTERESSE, PRIMEIRO MUNDO, PODER ECONOMICO, IDEOLOGIA, LIBERALISMO.
  • ANALISE, CRITERIOS, INTERVENÇÃO, ESTADO, ECONOMIA, PAIS SUBDESENVOLVIDO, COMPARAÇÃO, ATUAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO.
  • COMENTARIO, EFICACIA, POLITICA SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, GOVERNO BRASILEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, VENEZUELA.
  • CRITICA, CRITERIOS, DESRESPEITO, VIDA HUMANA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONTENÇÃO, IMIGRAÇÃO, PROPOSIÇÃO, ALTERNATIVA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INVESTIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, DESENVOLVIMENTO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, grande Senador João Alberto, do Maranhão, Sras e Srs. Senadores, o Sr. João Manoel Durão Barroso, que hoje preside a Comunidade Européia e está no Brasil, há poucos dias criticou o que ele chamou de avanço do populismo na América Latina.

Quero começar por aí, Sr. Presidente, por essa expressão “populismo”, tradicionalmente usada pelo países mais ricos para criticar políticas de incentivo, de desenvolvimento e de distribuição dos países que precisam crescer mais rapidamente. Getulio Vargas foi chamado de populista, assim como João Goulart e Juscelino Kubitschek. São sempre populistas os Governos que usam as ferramentas do Estado para promover o crescimento e a distribuição.

‘Existem, sim, políticas claramente populistas. Quais são? O que caracteriza o populismo? Aquele conjunto de decisões que beneficiam populações mais necessitadas em curto prazo, mas que, em longo prazo, criam prejuízos que acabam sendo maiores que os benefícios. Exemplo típico de política populista é a elevação exagerada de salários, acima da desvalorização da moeda e do aumento de produtividade, o que acaba gerando inflação e corroendo, freqüentemente, mais do que o aumento concedido na origem.

Então, o que caracteriza o populismo é precisamente isto: decisões de curto prazo que geram benefícios imediatos, mas também prejuízos em um prazo mais longo, os quais acabam não só cancelando aquele benefício, como até o ultrapassado.

Não é o caso, por exemplo, do Governo brasileiro, que busca uma política de crescimento, mesmo, do salário mínimo, mas um crescimento sustentável em longo prazo. O Senador Paulo Paim preside uma Comissão que busca exatamente essa forma para não cair no populismo e, também, na inércia do mercado, como se o Estado não tivesse o dever de fazer justiça econômica e social, intervindo, por exemplo, com a fixação de um salário mínimo que não represente um aumento excessivo em curto prazo, o que poderia não ser sustentável e acabaria por produzir uma inflação que o desgastaria mais que o valor do benefício.

Sr. Presidente, toda a questão se resume no fato de que os neoliberais, que pautam as opiniões nos países mais ricos e querem-nos impor essas idéias, desejam o respeito pelo mercado porque este, efetivamente, racionaliza a produção em termos de uma concentração nos mais poderosos, nos que têm mais capital, nos que têm mais “competitividade”. Isso produz um crescimento mais acelerado, mas em prejuízo da outra dimensão da economia, que é a distribuição.

A economia não é só produção, mas também a distribuição, uma dimensão importante porque o objetivo da economia é gerar o bem-estar da população, não o recorde produtivo de um país. Neste ponto, os Governos, que precisam não só distribuir mas alavancar o processo de crescimento, usam as ferramentas da intervenção estatal e interferem e intervêm nas regras do mercado. Esse é o principal pecado apontado pelos países ricos. Entretanto, os países ricos também produzem medidas dessa natureza para proteger sua população. Os países europeus subsidiam sua agricultura. E estão certos ao fazê-lo, porque, se não a subsidiarem, de um ano para o outro, os setores agrícolas da França, da Espanha, da Alemanha, serão fatalmente destruídos pelas economias capazes de produzir bens agrícolas e laticínios, em geral, a custos bem mais baixos, como é o caso do Brasil. Há um subsídio - e eu não o chamo de populista, pois acredito que eles têm suas razões. É claro que nosso interesse é abrir a agricultura deles, acabar com o subsídio, porque produzimos mais barato e teremos condições de aumentar as importações. Mas é preciso entender o ponto de vista deles, que não é populista, mas, sim, o de preservar a harmonia social dos seus respectivos países.

Tolos? Tolos somos nós, brasileiros, que abrimos a nossa indústria nos anos 1990, de um momento para o outro, sem qualquer negociação, sem qualquer gradualismo: escancaramos e levamos à falência milhares de empresas industriais brasileiras, pequenas e médias, em função dessa abertura indiscriminada e tola, sem qualquer contrapartida.

Sequer procurou negociar qualquer contrapartida. Foi uma decisão unilateral desses governos neoliberais brasileiros que praticaram esse absurdo da abertura indiscriminada, não-escalonada, não-negociada em troca de absolutamente nada; em troca de um enorme desemprego no Brasil e da falência de milhares de empresas brasileiras.

É importante reconhecer que a intervenção do Estado por meio de políticas que intervêm nas regras do mercado, buscando, de um lado, o crescimento, e, de outro, a distribuição, tem muito sentido em países de economia incipiente, especialmente naqueles países de economia absolutamente injusta, profundamente injusta, como é o caso do Brasil.

            O Governo Lula, por intermédio do Bolsa-Família, do financiamento da agricultura familiar, do microcrédito, especialmente do microcrédito orientado, e dos subsídios para a construção de habitações populares, está produzindo redistribuição de renda. O perfil da distribuição de renda do Brasil está mudando. Essa mudança aparecerá daqui a quatro ou cinco anos, de forma absolutamente nítida e de maneira sustentável. Não é populista porque é sustentável e não produz qualquer efeito negativo em longo prazo. Ao contrário, o longo prazo vai gerar o efeito benéfico de demanda sobre a indústria e estímulo ao aumento da produção para atender a essa demanda. Isso é muito importante...

É preciso caracterizar o que é populismo. Eu não conheço detalhes do Governo Hugo Chávez ou do Governo Evo Morales, mas não me parece, pelo menos a longa distância, que estejam sendo governos populistas. Estão tomando medidas que, em longo prazo, de uma forma sustentável, vão produzir distribuição de renda, a exemplo do que está fazendo o Governo Lula no nosso País. Isso vai aparecer, e vai aparecer de uma forma sustentada, ainda que, para essa sustentação, o Governo tenha tomado rumos nas políticas econômica, que a mim, por exemplo, freqüentemente, me parecem conservadores demais. Entendo a preocupação com a estabilidade, com o prolongamento do efeito distributivista e de justiça em longo prazo: de geração de emprego, de melhoria de remuneração das camadas mais carentes, no longo prazo, sem prejuízo de medidas que poderiam ser mais eficazes ou produzir um efeito maior em curto prazo, mas que, em longo prazo, significassem prejuízo dessas mesmas políticas.

Tomamos conhecimento do resultado do crescimento do PIB hoje. Não foi um crescimento formidável não, mas foi um crescimento médio, de 3,4%, que aponta uma dimensão extremamente importante, qual seja, que os investimentos cresceram 9%. Isso é extremamente importante. Isso é sinal de que a economia criou substância, criou perspectivas incentivadoras do investimento em longo prazo, confiança dos investidores e dos empresários, presença do próprio Estado ao investir, como é o caso da Petrobras e do BNDES, e produzindo um efeito benéfico e garantido em longo prazo. Investimento é um gasto que garante a sua multiplicação em longo prazo.

Tudo isso mostra um quadro absolutamente indispensável para a formação de uma sociedade que tenha, também, estabilidade em longo prazo, porque uma sociedade precisa ser minimamente harmoniosa em termos de justiça social; e a melhoria de distribuição é uma necessidade imperiosa, fundamental. Melhorar a distribuição dentro dos países, especialmente naqueles muito desiguais, como é o caso do Brasil, e também a distribuição internacional.

Aqui, podemos fazer uma crítica construtiva aos países europeus e ao próprio Estados Unidos da América que deveriam pensar mais em longo prazo, e desenvolver políticas de ajuda aos países pobres, ao invés de ficarem construindo muros e políticas de imigração cada vez mais rigorosas e desumanas, por que não dizer assim. É necessário que esses países compreendam, assim como a Europa, que vale mais, em longo prazo, ajudar os países africanos a se desenvolverem e a propiciarem condições de vida a seus cidadãos do que construírem defesas contra a imigração cada vez mais rigorosas e desiguais, e porque não dizer cruéis.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Permita-me V. Exª um aparte, nobre Senador Roberto Saturnino?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Ouço, com muito interesse, o aparte da Senadora Ideli Salvatti.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Roberto Saturnino, em primeiro lugar, parabenizo V. Exª pelo discurso e também para exemplificar que ontem participei de evento extremamente importante no Palácio, oportunidade em que o Presidente Lula recebeu importantes lideranças do setor têxtil brasileiro, que passa por um momento delicado por causa da concorrência absolutamente desleal da China, enfim, portanto, uma situação extremamente delicada.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Exatamente.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Entre as principais reivindicações, o setor apontou, como não podia deixar de ser, a desoneração tributária, a ampliação dos acordos e o combate ao contrabando, à entrada ilegal de produtos etc. Na hora da fala do Presidente Lula, após ouvir atentamente tudo o que do setor têxtil havia exposto, Sua Excelência disse que todas as semanas recebe telefonemas exatamente sobre a situação a respeito das ações dos governos nas fronteiras, principalmente na ponte Brasil-Paraguai, principal via de entrada de produtos contrabandeados.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/ PT - SC) - É.

A Srª Ideli Salavatti (Bloco/PT - SC) - O Presidente Lula disse mais: “Cada vez mais precisamos trabalhar na lógica do desenvolvimento harmonioso”.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/ PT - SC) - Claro.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Quem sabe sairia mais barato e mais proveitoso para todos nós se, de repente, pudéssemos fazer parcerias e até em investimentos com possibilidade de empregos e de renda nos países vizinhos, ou seja, um conjunto de investimentos harmoniosos para poder potencializar o desenvolvimento do que ficarmos nessa briga de tentar disputar a entrada ou não de produtos ilegais. Então, a posição do Presidente Lula é muito clara. Inclusive no próprio episódio da Bolívia já foi bastante ponderada essa questão. Ao invés da guerra, da briga, da busca de barreiras, temos que cada vez mais integrar. Não existe desenvolvimento separado do que está em torno. Não há como um país se desenvolver tendo no entorno miséria, desigualdades. Eu estava acompanhando atentamente, porque V. Exª estava falando do crescimento e da questão dos programas, e verifiquei que há dois dados importantíssimos. Hoje no anúncio do PIB, e ontem já tive a oportunidade de falar, e as matérias hoje novamente seguem na mesma linha, ou seja, o que já aconteceu no primeiro trimestre e o potencial existente estão diretamente ligados à questão da distribuição da riqueza como fator de crescimento. O economista da Consultoria M&B Associados, Sérgio Vale, assim diz que não só o dado do PIB, como também o Bolsa Família(*), o aumento da renda, o crescimento do crédito, tudo conspira a favor do Governo. Para infelicidade dos que acham que não estamos fazendo corretamente, mas estamos fazendo. A população enxerga isso, porque a matéria, por exemplo, que analisa a pesquisa Datafolha, diz que o principal motivo da intenção de voto à reeleição do Presidente Lula se dá pela percepção dessa visão do Presidente, de investir no social, de distribuir renda, de ter programas de inclusão social como fatores para o desenvolvimento e crescimento do País.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senadora Ideli Salvatti, pelo seu aparte.

Isso vem no momento em que o panorama internacional não é mais tão tranqüilo quanto há algum tempo. Há certas nuvens, cujo potencial pluviométrico ainda não podemos avaliar, mas há certas nuvens no horizonte, o que significa que, quanto menos o País depender de fora, mais impulsionar sua economia e mover-se mais por suas causas internas, mais defesas terá no caso de uma agitação, de uma transformação internacional que seja mais negativa.

Então, esse dado de que o crescimento se deu muito mais apoiado no consumo das famílias, isto é, na demanda interna, é particularmente importante e decisivo neste momento de certas dúvidas e interrogações quanto ao que vai suceder no mercado internacional.

De forma, Sr. Presidente, que era isso que eu queria dizer, agradecendo mais vez a V. Exª e deixando aqui a minha mensagem.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2006 - Página 18598