Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a violência praticada contra crianças.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações sobre a violência praticada contra crianças.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2006 - Página 18626
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ANALISE, RESPONSABILIDADE, FAMILIA, SOCIEDADE, PODER PUBLICO, PROBLEMA, VIOLENCIA, VITIMA, CRIANÇA, INFLUENCIA, AUTORITARISMO, ESTADO, CONDUTA, ADULTO, DESRESPEITO, DIREITOS, INFANCIA.
  • IMPORTANCIA, PROPOSTA, AUTORIA, PEDRO SIMON, SENADOR, CRIAÇÃO, SEMANA, AMBITO NACIONAL, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, INFANCIA.
  • NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, CRIANÇA, PREVENÇÃO, COMBATE, PUNIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, INFANCIA.
  • NECESSIDADE, SENADO, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRIAÇÃO, FUNDO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para dar continuidade ao assunto sobre violência, quero aqui falar sobre a violência praticada contra crianças. Este assunto está inserido no sistema de relações de diferentes sociedades. Sua existência tem registro em diversos escritos bíblicos, históricos e literários. A sociedade, via de regra, mantém-se em silêncio, isto quando não aprova explicitamente o uso da violência. Gerações têm sido formadas sob a égide da opressão e, em alguns casos, do terror.

As crianças estiveram, em muitos períodos da história da humanidade, sujeitas, desde a mais tenra idade, a todos os castigos e sansões destinados a adultos, inclusive a pena de morte. Por outro lado, a história das civilizações revela a constante prática de violência contra a criança, naquilo que poderíamos chamar como decorrente dos costumes da família e de seus círculos sociais, religiosos e econômicos, reveladas pela escravidão, abandono, mutilações, sacrifícios, filicídio (ato de matar o próprio filho) e espancamentos.

A violência é, de fato, uma forma de relação social. Está, inexoravelmente atada ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência. Assim, a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida, modelos de comportamento vigentes na sociedade em um determinado momento de seu processo histórico. A violência expressa relações entre classes sociais e também relações entre pessoas. No entanto, é preciso perceber que as relações que produzem violências são aquelas marcadas pelo autoritarismo.

Se analisarmos um pouco mais a questão da violência contra a criança, vamos perceber a influência da conduta adulto-egocêntrica e da própria coisificação da criança enquanto objeto e não pessoa, enquanto algo que não tem desejos. Isso, entretanto, está sendo rompido. Cresce, neste milênio, uma tendência, uma visão em que se reconhece a criança como uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Essa visão, fruto de práticas educativas no mundo todo e de descobertas e estudos recentes, está consagrada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em artigos de nossa Constituição e, sobretudo, no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, não podemos mais conceber qualquer violência contra nossas crianças e adolescentes. O exercício autoritário da relação adulto-criança, o desrespeito aos direitos da primeira infância, as agressões contra o bom desenvolvimento da sexualidade da nossa criança e juventude precisam ser definitivamente banidas. Mas, infelizmente, velhos hábitos e costumes de um Estado totalitário e assistencialista e de uma sociedade omissa e negligente perduram. Qualquer possibilidade de mudança na realidade da vida de nossas crianças e de nossos jovens implica a mudança de nossas posturas. Não existe mais espaço para omissão e para a simples transferência de responsabilidade apenas ao Poder Público.

É importante ressaltarmos o papel da família nesse processo. Em decorrência da ainda frágil cidadania da criança que se verifica no País, das violações contra seus direitos, desde a mais tenra idade, acho importante a proposta do Senador Pedro Simon, debatida na manhã de ontem em audiência pública nas Comissões de Educação e de Assuntos Sociais, de se instituir a Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, a ser celebrada em outubro, mês da criança, iniciando-se no dia 12 e encerrando-se no dia 18. Será, penso eu, Sr. Presidente, uma oportunidade valiosa para os poderes públicos e a sociedade organizada contribuírem para a conscientização da população, em especial da família brasileira, sobre as verdadeiras causas da violência e suas possíveis soluções.

Já nos debruçamos, no dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual, sobre esse tema que é abordado sob diversos aspectos nessa oportunidade. Aliás, tal tema motivou a minha vinda a esta tribuna no dia de hoje. Não pude fazer pronunciamento na oportunidade do dia 18, quando, mais uma vez, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e os movimentos sociais organizaram seu protesto e desapontamento pela não votação, ainda, de projetos que estão na Câmara e que objetivam punir com maior rigor as violações contra a sexualidade de nossas crianças e jovens, projetos esses que foram fruto do trabalho realizado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes em nosso País.

Sr. Presidente, embora as estatísticas não sejam muito seguras, são gritantes e generalizadas no País as ocorrências de exploração sexual contra crianças e adolescentes. No meu Estado, por exemplo, Rondônia, os casos identificados pelo Programa Sentinela, no ano de 2005, somam 511, quase o dobro do ano de 2004. Não é pouca coisa.

Como, então, erradicar o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes se não há a punição em lei?

Nenhuma resposta será inovadora se não trouxer em seu arcabouço teórico e metodológico o rompimento com as velhas tradições e a construção de um sistema integrado, reunindo as instituições públicas e privadas no empreendimento de políticas, programas e ações que de fato proporcionem a proteção absoluta desse segmento da população e que garantam sua efetiva participação, protagonizando ações propositivas de alteração da realidade e, ainda, exercendo funções estratégicas no controle.

Quando constatada a existência de violação sexual essa malha deve ser capaz de atender, proteger e defender crianças e adolescentes, não perdendo de vista o objetivo de responsabilizar agressores e desmantelar as redes de exploração e tráfico para fins de exploração sexual e comercial.

Os desafios para a operacionalizar e concretizar essas idéias são muito grandes, pois que reverter essa situação deve constitui-se, antes de tudo, na responsabilidade pela oferta regular de bens e serviços voltados ao atendimento das necessidades básicas da população infanto-juvenil.

Portanto, Sr. Presidente, o projeto do Senador Pedro Simon é de fundamental importância para que haja a conscientização de toda a sociedade brasileira do quão é importante os cuidados e a atenção básica na área de saúde, na área de educação e, sobretudo, do carinho e do afeto de que se faz necessário às nossas crianças.

Por isso, mais uma vez, Sr. Presidente, conclamo esta Casa, pois temos um projeto muito interessante. Pela primeira vez, na história da República brasileira, um Governo Federal se preocupa, de fato, com a nossa primeira infância. E este projeto está nesta Casa. Eu gostaria de que pudéssemos o mais rápido possível desobstruir a pauta, votando as medidas provisórias, principalmente aquela que diz respeito ao Fundeb, que é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, que prevê recursos para que possamos, desde já, atender com mais investimentos as nossas creches e as nossas pré-escolas, com todo o carinho que o Poder Público devota às crianças brasileiras e à educação infantil de primeira qualidade de que são merecedoras.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2006 - Página 18626