Discurso durante a 73ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A execução orçamentária do governo federal nas áreas de saúde, educação e segurança pública. Apelo pela instalação da CPI dos "sanguessugas".

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • A execução orçamentária do governo federal nas áreas de saúde, educação e segurança pública. Apelo pela instalação da CPI dos "sanguessugas".
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2006 - Página 19003
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, PRIVATIZAÇÃO, AREA ESTRATEGICA, GOVERNO, ANTERIORIDADE.
  • COBRANÇA, CONGRESSO NACIONAL, CUMPRIMENTO, DEVERES, FISCALIZAÇÃO, ATO, EXECUTIVO, ESPECIFICAÇÃO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, INSUFICIENCIA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, INVESTIMENTO, MELHORIA, SITUAÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.
  • SOLICITAÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DA SAUDE (MS), IRREGULARIDADE, AQUISIÇÃO, AMBULANCIA.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, vários Parlamentares, no cumprimento de suas obrigações constitucionais, tiveram a oportunidade de analisar o relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas do Governo. Há um fato que, é lógico, acaba não sendo apresentado pelos meios de comunicação: a execução orçamentária e os gastos de três áreas absolutamente essenciais para a população mais pobre do Brasil.

            Essas três áreas - saúde, educação e segurança pública - não são exclusivas do aparelho do Estado. Não são, repito, até porque, hoje, por meio do aprofundamento do projeto neoliberal e da privatização do Estado brasileiro, realizada tanto nos oito anos do Governo Fernando Henrique como nos quatro anos do Governo Lula, acabou-se, claramente, promovendo um processo de privatização do Estado, de forma sofisticada, com menos visibilidade pública.

            Sabem todos, e na época eu era Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique, o quanto nós, quando estávamos na Oposição, esforçamo-nos para obstaculizar o processo de privatização de áreas estratégicas pelo Governo Fernando Henrique. Infelizmente, o Governo Lula não agiu de forma incompetente, porque muitos dos quadros de alta competência técnica na área dos setores estratégicos estavam dentro do atual Governo. Mas o Governo Lula, certamente inebriado pela covardia política, foi incapaz de abrir um único procedimento investigatório, uma única auditoria para mostrar ao povo brasileiro os crimes contra a Administração Pública patrocinados pelo Governo Fernando Henrique no processo de privatização.

            Assim sendo, o processo de privatização do Governo Fernando Henrique, em relação a setores estratégicos, contou e conta com a omissão, com a cumplicidade e com a covardia do Governo Lula, porque foi incapaz de abrir uma única auditoria, um único procedimento investigatório para mostrar ao País os crimes contra a Administração Pública do processo de privatização do Governo Fernando Henrique. E mais: estabeleceu, enquanto ação de governo, cantada em verso e prosa perante a Nação brasileira, algo que legitima o processo de privatização do Estado brasileiro por meio das Parcerias Público-Privadas, que têm como essência o mesmo processo de privatização, o mesmo chamado equilíbrio econômico-financeiro contratual que condenamos ao longo da nossa história. O atual Governo também foi incapaz tanto de abrir uma auditoria, um procedimento investigatório e mostrar ao Brasil os crimes contra a Administração Pública do Governo anterior - portanto, irresponsável e covardemente entregou ao Governo Fernando Henrique um atestado de moralidade pública que não podia, justamente pela omissão -, além de não ter feito sequer uma única revisão contratual ou aquilo que pode ser feito, inclusive pela legislação brasileira, que é o rompimento unilateral, em nome do interesse público, dos chamados contratos com cláusula de equilíbrio econômico-financeiro.

            Sr. Presidente, vou tratar de um outro tipo de privatização, que tem um elemento de sofisticação, de mecanismos sorrateiros, com pouca visibilidade, que é a privatização de três setores - saúde, educação e segurança pública -, pela ausência do aparelho de Estado.

            Quem analisou o relatório bem feito do Ministro Valmir Campelo, do Tribunal de Contas da União, e todos os votos que foram dados ainda ontem pelos demais Ministros do TCU na análise das contas do Governo do ano de 2005 viu exatamente isso. Já disse várias vezes que o Congresso Nacional gosta de se comportar como medíocre anexo arquitetônico dos inquilinos do Palácio do Planalto, seja no Governo Fernando Henrique, seja no Governo Lula.

            Além dessas coisas horrendas, que simbolizam para a sociedade o velho balcão de negócios sujos e a velha promiscuidade na relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, que vão desde os dólares nas peças íntimas do vestuário masculino, a remessa de milhões de dólares para pagamento de contas da campanha presidencial nos paraísos fiscais no exterior, a ausência do aparelho de Estado liquidando os mais legítimos direitos pessoais com a quebra de sigilos, como fizeram no caso do caseiro, além de todas essas coisas, o Congresso Nacional atua de forma promíscua pela omissão em não cumprir sua tarefa nobre, que é fiscalizar os atos do Executivo.

            O Congresso Nacional, o Poder Legislativo existe para representar. Por isso que há pessoas de Direita e de Esquerda aqui no Congresso Nacional. Isto faz parte do pluralismo político que a Constituição possibilita. Portanto, cabe ao Congresso Nacional, ao Poder Legislativo representar idéias de um determinado setor da sociedade e exercer a atividade legiferante, que é de legislar, portanto, alterar a legislação - aperfeiçoá-la ou piorá-la, conforme minha percepção, ou melhorá-la conforme a percepção de algum liberal. Mas a tarefa nobre do Congresso Nacional é a fiscalização. E o instrumento que o Congresso Nacional tem para fiscalizar...

            Embora o seu instrumento mais conhecido, com mais visibilidade pública seja a CPI, até por ter poder de investigação próprio das autoridades judiciais, e portanto quebrar sigilo bancário, fiscal e telefônico, e ter mais agilidade até do que os instrumentos investigatórios da Polícia Federal, por exemplo, é a fiscalização da execução orçamentária, que o Congresso abre mão de fazer, infelizmente, porque existem Parlamentares que se submetem à condição de mercadorias parlamentares, deixam que os governos ponham uma etiqueta em suas testas dizendo qual é o seu preço, é a liberação de emendas e o propinódromo, estabelecido nas relações promíscuas, e perdem a oportunidade de fazer isso que o próprio Tribunal de Contas da União agora fez.

            Quem analisa? Eu digo sempre que nós, no Congresso Nacional, fazemos pose de que mexemos no Orçamento, embora o Orçamento esteja apresentado no montante de R$1,67 trilhão, de fato R$ 840 bilhões são para a banca, para a agiotagem, para o pagamento de juros e serviços da dívida. Gastos mesmo são R$ 349 bilhões. Deste R$ 1 trilhão, que é todo o Orçamento público, apenas 5% foi destinado a três áreas absolutamente essenciais para a vida em sociedade, especialmente para as populações mais pobres. Apenas 5% foi destinado a toda a área de saúde

            Apenas 5% foram destinados a toda a área de saúde, a toda a área de educação, a toda a área de segurança pública.

            Já tive a oportunidade de, aqui, por várias vezes, explicitar a problemática da área de Saúde no Brasil. O Brasil tem um perfil epidemiológico absolutamente distinto de outros países do planeta Terra. Nós não conseguimos superar as chamadas doenças que levam à morte, ou promovem seqüelas, ou apenas adoecem a sociedade, que são as chamadas doenças vinculadas à pobreza, ao subdesenvolvimento, como a malária, a dengue, a hanseníase, a tuberculose e a morte de crianças por diarréia, doenças que têm, ao mesmo tempo, o mesmo potencial de levar à morte ou deixar seqüelas graves que as doenças chamadas do desenvolvimento, da modernidade, que são as crônico-degenerativas, as cardiovasculares, as mortes relacionadas à violência no trânsito ou aos assassinatos. Portanto, o Estado brasileiro precisa disponibilizar ao mesmo tempo as chamadas ações de caráter preventivo, de caráter curativo e de alta tecnologia para todos. Ao Estado brasileiro não cabe mais o discurso das ações preventivas. Para V. Exª ter uma idéia, Senador Saturnino, o aumento do salário mínimo - todas as pesquisas mostram, todas as análises, todos os estudos científicos mostram - tem mais repercussão na diminuição da mortalidade infantil do que mesmo as ações de saneamento básico, como imaginávamos há 15 anos.

            Então, o Estado brasileiro precisa disponibilizar ao mesmo tempo ações preventivas, portanto desde a portinha de entrada no sistema, com as quatro clínicas básicas, com a vacinação, com o saneamento básico e com a alta tecnologia. Isso porque, hoje, uma pessoa portadora de doença crônico-degenerativa passa, muitas vezes, dois anos tentando ter acesso a tomografia, a exames, ao maldito papelzinho chamado autorização de internação hospitalar, porque ela não consegue.

            O Estado brasileiro, em todas as ações que são feitas, do acidente de trânsito, ou seja, à propaganda, o fim da publicidade das bebidas alcoólicas, que são responsáveis por mais de 90% dos acidentes de trânsito com mortes, com fatalidade, a questão dos buracos nas estradas para diminuir os acidentes de trânsito, o combate à criminalidade, tudo isso está diretamente vinculado ao setor saúde também. Nenhum investimento foi feito. Menos de 4% do que estava previsto no Orçamento de 2005 foi investido no setor da saúde. E isso cria o aprofundamento da privatização do Estado brasileiro no setor saúde, porque 90% do dinheiro público destinado ao setor hospitalar vai para o setor privado, porque nem o Governo Fernando Henrique nem o Governo Lula fizeram nenhum investimento naquelas ações, naqueles procedimentos que custam mais caro ao aparelho do Estado do que à rede privada ou filantrópica ou conveniada. O Estado brasileiro delega à rede privada, à rede conveniada a prestação desse serviço que é o mais caro e que gera uma dependência gigantesca das populações pobres por causa das doenças crônico-degenerativas ou doenças cardiovasculares. Portanto, o atual Governo, sem fazer qualquer investimento nas áreas absolutamente necessárias e essenciais para o atendimento às populações mais pobres, a “porta de entrada” do sistema, aprofundou a privatização do setor de saúde. É a população mais pobre que precisa da alta tecnologia - é o paciente renal, o paciente com câncer, o paciente com diabetes ou o que muitas vezes, por não ser tratado na sua hipertensão leve, por não conseguir ver o médico e o remédio no centro de saúde, que, quando vai ser atendido pelo serviço de saúde, já está com um quadro de acidente vascular cerebral ou, como se fala popularmente, um derrame.

            Em toda a área da educação é do mesmo jeito: na educação infantil - portanto, creche e pré-escola -, no ensino fundamental, no ensino médio, no ensino superior, em ciência e tecnologia, na educação de jovens e adultos e no ensino profissionalizante.

            Soma-se a tudo isso a área de segurança pública. Tanto no chamado aparato de segurança pública quanto no sistema prisional, incluindo o monitoramento das fronteiras brasileiras, não se fez absolutamente nada. É por isso que há desova dos estoques do narcotráfico no Brasil. O Governo não fez nada em relação ao Sistema Único de Segurança Pública, inclusive para garantir o piso nacional a fim de, por meio do monitoramento e da fiscalização, impedir a promiscuidade do aparato de segurança pública com o crime organizado. O investimento é absolutamente pífio, ridículo, diante do problema gravíssimo da violência no Brasil, e nesse caso não cabe o discurso oportunista demagógico eleitoreiro, não cabe.

            É um problema que não está apenas em São Paulo, mas no Rio de Janeiro, em Alagoas, em todos os Estados brasileiros. Em todos os Estados brasileiros, o sistema prisional é, como disse o chefão do crime organizado, uma faculdade para aprimorar a delinqüência dos pobres e dos negros, que serão presos, porque os ricos, igualmente delinqüentes, às vezes ocupam até espaços importantes na política nacional e não são presos.

            É um escândalo que apenas 0,3% do Orçamento nacional tenha significado investimento na área de segurança pública. É uma aberração que apenas 5% do Orçamento brasileiro tenha significado ações concretas na área de saúde, educação e segurança pública.

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixo aqui, mais uma vez, não apenas meu protesto, mas o registro da necessidade concreta de se cumprir a lei. Na área de saúde, temos a legislação mais avançada do planeta Terra, que não foi concessão de uma elite política e econômica, mas uma conquista da sociedade civil organizada. Temos a legislação mais avançada do mundo na saúde e temos um abismo diante da dor, do sofrimento e da miséria das pessoas que buscam os serviços de saúde pública.

            Na área da educação, é do mesmo jeito: independentemente de aprovação de Fundef, de Fundeb, quando o Governo quer, o Governo faz; e, infelizmente, nem o Governo passado nem o atual quiseram, a prova está aqui, na execução orçamentária da área de educação.

            E, na área de saúde, mais uma vez, quero saber qual será o limite, se será um novo mar de sangue em São Paulo ou um mar de sangue em outro Estado brasileiro, para que o Congresso Nacional volte a discutir a questão de segurança pública, a superação da medíocre matriz conceitual que estabelece uma bipolaridade entre o tratamento das causas e a repressão dos efeitos. É essencial, ao mesmo tempo, garantir políticas públicas de assistência social que acolham os filhos da pobreza antes que a marginalidade o faça e ações concretas na área de segurança pública. Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nada disso foi feito.

            Outro comunicado que quero fazer, e penso ser do conhecimento de todos, diz respeito ao fato de alguns Parlamentares terem recebido pacotes, em que havia fezes e substâncias indevidas.

            Quero deixar aqui a minha solidariedade ao Deputado João Alfredo, do P-Sol do Ceará, e ao Deputado João Fontes, do PDT, que receberam de fato um pacote contendo gazes e uma substância gelatinosa de cor verde - portanto, não era o que outros receberam também.

            Não sei de quem parte. Eu sei que a sociedade, de modo geral, tem toda a motivação para desqualificar o mundo da política. É claro que existem exceções, mas há também muita gente que não presta, que é capaz de qualquer coisa, especialmente agora nesse debate das ambulâncias e outras coisas mais. Espero inclusive que o Congresso Nacional tenha a coragem necessária para abrir uma comissão parlamentar de inquérito para investigar os ladrões, estejam no Congresso Nacional, no Ministério da Saúde, no Ministério da Fazenda, mas que são parte do conluio de roubos e de aproveitamento político e financeiro em relação às ambulâncias. Não cabe a justificativa de que se trata de ano eleitoral, e, por isso, trabalha-se menos. Se é para fechar o Congresso em função da campanha eleitoral dos Parlamentares, que se feche o Congresso. Entretanto, os Parlamentares não receberão salário, farão a campanha, e aí está tudo muito bem. Mas, com o Congresso onde Senadores e Deputados recebem os seus salários, é obrigatório que se abra uma comissão parlamentar de inquérito para identificar quem são os Senadores ou Deputados, quem são os membros do Ministério da Saúde ou do Ministério da Fazenda, quem são os empresários ou prefeitos ou quem quer que seja que estão diretamente vinculados a esse conluio maldito e apodrecido de roubar até ambulância.

            Nesse sentido, faço o apelo para que o Congresso Nacional possa, de fato, cumprir sua obrigação constitucional, que é também fiscalizar os atos do Executivo, seja na execução orçamentária pífia e ridícula, seja, de fato, em relação ao seu papel nobre de fiscalizar os crimes contra a Administração Pública.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2006 - Página 19003