Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a política econômica do governo Lula. (como Líder)

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre a política econômica do governo Lula. (como Líder)
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2006 - Página 19843
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, LIVRO, ALOIZIO MERCADANTE, SENADOR, INEXATIDÃO, DISCURSO, SIBA MACHADO, CONGRESSISTA, EVOLUÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, SUJEIÇÃO, MERCADO FINANCEIRO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ALEGAÇÕES, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, FALTA, CONTROLE, CAPITAL ESPECULATIVO, SUPERIORIDADE, LUCRO, BANCOS, AUSENCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, INCLUSÃO, CIDADANIA, CONTINUAÇÃO, LIBERALISMO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre presto muita atenção aos debates econômicos feitos na Casa, especialmente por integrantes do atual Governo e do Governo passado, particularmente no chamado campo macroeconômico.

Não tenho dúvida de que, como lembrou o Senador Sibá Machado, todos somos partículas perdidas na imensidão do Universo. Sempre gostei muito dos estudos da Física e da Filosofia.

Há pouco, Senador Alberto Silva, geneticistas muito importantes, que são referências mundiais, ao examinarem o DNA de centenas de bactérias e o DNA humano, descobriram que 90% das células do nosso corpo são bactérias. Imagine que coisa impressionante! A digestão, o sistema imunológico, tudo tem relação com as bactérias. Somos, de certa forma, como um amálgama, uma mistura de bactérias e de células humanas. Carregamos mais de um trilhão de micróbios, que são responsáveis pela nossa digestão e que ocupam o cólon e o intestino já poucos dias depois do nascimento.

Os estudos científicos são muito importantes, assim como as possibilidades de cada um interpretar as relações políticas, econômicas e ideológicas. No entanto, é essencial que possamos fazer algumas considerações sobre a situação econômica do Brasil, que não é, sinceramente, Senador Sibá Machado, como o Senador Aloizio Mercadante apresenta no livro.

Não estou reivindicando o socialismo de jeito algum, mas a inserção do Brasil na globalização capitalista, desde a época de Fernando Henrique até agora - o Governo Lula é uma continuidade técnica do Governo Fernando Henrique e aprofundou essa inserção -, tem sido feita de forma completamente acovardada, subordinada, subserviente ao capital financeiro.

Eu estava fazendo algumas considerações sobre o fato de o Brasil ter pagado a dívida externa com o FMI. Isso é uma farsa técnica. O Brasil se endividou a juros maiores para pagar à vista, sem nenhum desconto, sem repactuação da dívida, uma dívida que era mais fácil ter sido paga a longo prazo e com juros menores.

Dizer que a dívida externa está diminuindo por que o Governo compra os chamados títulos bradies não significa que o passivo externo brasileiro esteja diminuindo. Ao contrário, a dívida de fato, não de títulos bradies, mas o passivo externo brasileiro está aumentando. A dívida pública brasileira, inclusive externa, está aumentando de uma forma mais perversa, o que aumenta a vulnerabilidade brasileira. A dívida brasileira aumentou, nos oito anos do Governo Fernando Henrique, de R$65 bilhões para R$650 bilhões, assim como no Governo Lula, atingindo R$1 trilhão. Além de aumentar a dívida, o Governo não faz o que qualquer país, como a Índia e a China, faz para crescer: o controle de capitais para evitar o endividamento.

A medida provisória aprovada ontem, nesta Casa, consolida o aumento do endividamento brasileiro, que é um endividamento volátil, a curto prazo, absolutamente compatível com os interesses do capital financeiro. Não é à toa que nunca o capital financeiro ganhou tanto na história da América Latina! O maior lucro das instituições de capital aberto na América Latina se deu nos últimos dois anos do Governo Lula. A prova disso é que o Brasil pagou R$180 bilhões só de juros dessa dívida, aumentada no Governo Lula para R$1 trilhão. O pior é que R$144 bilhões são pagos a apenas 20 mil famílias brasileiras, porque o Governo Lula não teve coragem. Pelo contrário, flexibilizou os contratos, as entradas de capitais. Fez algo inimaginável, que nem o neoliberal carcomido e incompetente Fernando Henrique conseguiu fazer. Ele conseguiu piorar a vulnerabilidade brasileira.

Hoje, o Governo muito se orgulha perante a opinião pública dos projetos de transferência de renda. Sete milhões de famílias brasileiras ganham, em média, R$60,00 por mês. Entretanto, apenas vinte mil famílias brasileiras têm um programa de “Bolsa-Família” de R$500 mil ao mês. Olha só que aberração! O Governo Lula copia tanto, dá tanta continuidade técnica ao Governo Fernando Henrique, aprofundando, flexibilizando toda a estrutura do próprio Banco Central em fiscalizar, que consegue aumentar o “Bolsa-Família” dos mais ricos do Brasil. Repito: vinte mil famílias brasileiras ganham por mês R$550 mil, nessa política que é cantada em verso e prosa.

São, realmente, algumas brevíssimas considerações que me sinto na obrigação de fazer, porque, infelizmente, o Governo brasileiro, o Estado brasileiro, por esse tempo de política econômica do Governo Fernando Henrique e do Governo Lula, está simplesmente controlado pela estrutura do capital financeiro, em vez de ser o contrário: o Estado brasileiro manda no Banco Central, e o Banco Central define as normas para o capital financeiro. No Brasil, é o contrário: o capital financeiro manda no Banco Central, que, por sua vez, manda no Governo brasileiro. Então, esse tipo de política econômica não serve a nenhum projeto de desenvolvimento econômico sustentável e de inclusão social.

Essas eram as breves considerações que eu queria fazer no sentido de deixar absolutamente claro que é o contrário: aumentou a dívida pública brasileira, inclusive a dívida externa. A dívida externa, não a dívida dos títulos bradies, mas um outro tipo de dívida, de passivo externo brasileiro, que é muito mais complicado, com as condições de menos controle ainda do Poder Público, que é o que, de fato, foi aumentado.

Portanto, aumentou a vulnerabilidade. A prova de que aumentou a vulnerabilidade externa brasileira é que só se sustenta com uma política de juros altíssima, que impõe uma quebradeira a parques produtivos inteiros e uma destruição de milhões de postos de trabalho. Não é à toa que a maior taxa de juros do planeta Terra é a do Brasil, 18%. A segunda maior taxa de juros do planeta Terra é a da Turquia, que é de apenas 6,1%. Então, nesse sentido, faço essa brevíssima consideração, Senador Sibá Machado. São algumas observações do ponto de vista econômico: de fato, elas estão completamente distanciadas e distintas do que está escrito no livro do Senador Mercadante. O bom seria que S. Exª estivesse aqui. Como economista, deveria estar aqui, até para que essa farsa técnica e essa fraude política pudessem ter o embate no chamado mundo econômico, como obrigatoriamente devem ter.

Sr. Presidente, Senador Sérgio Zambiasi, sei que meu tempo já terminou, mas gostaria de conceder o aparte ao Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Ainda há dois inscritos, Sr. Presidente? (Pausa.) Rapidamente, farei uma comparação. É claro que o Brasil tem uma herança na questão da dívida. Pelo que pude entender, os cálculos foram feitos sobre a interiorização da capital brasileira. Para aquela visão de Juscelino Kubitschek, houve um custo. Aquela capacidade de visão de longo prazo dele teve um custo. A partir dali, o Brasil entrou num certo descontrole das suas contas internas e externas. De lá para cá, sucessivos Governos tiveram de aceitar o receituário internacional. Concordo em parte com as palavras de V. Exª, Senadora Heloísa Helena, mas lhe quero dizer que não há milagre. O que existe é o início de um novo comportamento diante de todo esse cenário. E, pelo comportamento que o Brasil está tendo, é impossível, calculo eu, que se faça isso em menos de uma década. Mas, se houver uma variação de comportamento, nunca chegaremos lá. Mas estamos chegando, sim! O País sai da vulnerabilidade da economia norte-americana; o País capta um novo perfil de cenário de comércio; o País potencializa seu setor produtivo, com base nesse perfil. Inevitavelmente, tivemos de conviver com o aumento da taxa de juros, que é um receituário que considero também negativo - ninguém concorda com isso. É claro que o setor financeiro, em qualquer governo, sempre se deu bem. Mas, por decreto, o Presidente pode criar, como falávamos em 1980: taxação sobre as grandes fortunas, taxação sobre as grandes heranças, taxação sobre esse tipo de coisa, controle da questão da transferência de lucros das empresas multinacionais. Qual é o receituário que se faz dentro do sistema que está posto? Não estamos nos declarando um País comunista, socialista ou coisa parecida. Estamos querendo refazer um receituário do próprio sistema que estamos vivendo. Então, pelo que vejo, todos os analistas e jornalistas estão concordando com os números apresentados pelo Senador Mercadante. Difícil será, segundo Pedro Cafardo, a Oposição construir um livro à altura do que S. Exª escreveu. Segundo eles, é uma verdade o que está escrito no livro do Senador Mercadante. Está a contento de todos? Concordo com V. Exª que não está. É imperfeito? É imperfeito. Mas o caminho do Brasil é inevitável nessa direção, e, com segurança, em menos de uma década, seremos uma potência que o mundo vai invejar muito.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço-lhe, de coração, o seu aparte, Senador Sibá Machado, mas quero dizer que, infelizmente, tecnicamente, V. Exª está completamente errado e, o que é pior, mal informado. Os economistas do Partido de V. Exª, inclusive o Senador Mercadante, têm a responsabilidade e a obrigação de disponibilizar o conhecimento macroeconômico para que todas as pessoas possam se preparar melhor. Do mesmo jeito que V. Exª estuda tanto sobre a Amazônia e sobre o desenvolvimento econômico sustentável e que dá demonstrações importantes de disciplina e de competência técnica, os economistas do Partido de V. Exª têm a obrigação disso, porque, se não estudarmos o suficiente e se não formos bem informados, sairemos por aí dizendo bobagem. E é muito melhor não entrarmos em um debate quando não estamos suficientemente preparados do que dizer bobagem.

As observações macroeconômicas que fiz nada têm a ver com socialismo. Sou uma socialista de carteirinha e não me envergonho de sê-lo, porque penso que essa é a mais bela declaração de amor à humanidade. Aliás, brinco sempre, Senador Pedro Simon, dizendo que aprendi a ser socialista com a Bíblia, em que é dito que “se serve a Deus ou ao capital”. Portanto, quem serve ao capital vai virar churrasco do demônio. Vou para o céu, com os anjos. Não se trata de socialismo; trata-se, Senador Sibá Machado, daquilo que está na Constituição como requisito irrenunciável para a definição da política econômica, que é a soberania nacional.

A política econômica do Governo Lula é a continuidade técnica do Governo Fernando Henrique e é, visivelmente, mais acovardada, mais incompetente, mais insuficiente do que a política do Governo Fernando Henrique em relação ao capital financeiro. Nunca se viu, dentro do Banco Central, nem com a desgraça de Armínio Fraga, uma verdadeira política - mais do que ortodoxia monetária - de entrega do patrimônio público, do dinheiro brasileiro, das finanças brasileiras para o capital financeiro. Nunca se viu isso! Nunca houve tanto “liberou geral” criminoso e corrupto como acontece hoje no Governo Lula no Banco Central! É o caso das CC5. Ontem, votou-se impedindo cobrança de Imposto de Renda e de CPMF para os investidores internacionais. Fomentou-se a lavagem do dinheiro do crime organizado - foi o que se aprovou ontem aqui também.

É muito importante tudo isso para não sairmos dizendo bobagem. Mesmo sob a égide da globalização capitalista, mesmo dentro do capitalismo, desafio que alguém me prove qual é o investidor internacional que chega aos Estados Unidos - a meca do capital internacional -, à Índia ou à China e faz esse tipo de patifaria neoliberal que estão fazendo no Brasil à custa do conluio do Governo Lula com o capital financeiro. Desafio que alguém - economista do PT, do PSDB ou de qualquer outro Partido - mostre-me aqui, tecnicamente, se o capital financeiro faz nos Estados Unidos, na Índia, na Turquia, na Malásia, na China, em qualquer um outro lugar, o que faz no Brasil, como se aqui fosse realmente o paraíso fiscal do conluio do Estado brasileiro com o capital financeiro. Infelizmente, é algo inimaginável, mas é o que, de fato, acontece.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - V. Exª me permite fazer uma ligeira correção, Senadora? (Pausa.) Já deixei claro, com todas as letras, que Economia não é minha área e que, portanto, informado ou desinformado, sempre registro a autoria da informação. Tudo que eu disse e que volto a dizer nesta tribuna foram palavras de estudiosos da área, como acabei de citar aqui o jornalista do jornal Valor Econômico. Registrei a questão e a estou apresentando a V. Exª, com toda a tranqüilidade.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Tenho a certeza de que V. Exª também busca informações em outras áreas, do mesmo jeito que tenho a obrigação de fazer em determinadas áreas às quais não me dedico. Tenho a obrigação de estudar mais. Tenho a certeza de farei isso em outras áreas e de que V. Exª também o fará, porque isso é o que é bom para a humanidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2006 - Página 19843