Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações a respeito da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que flexibiliza as regras eleitorais.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações a respeito da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que flexibiliza as regras eleitorais.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2006 - Página 19899
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), REITERAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, VINCULAÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, ESTADOS, GARANTIA, SEGURANÇA, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, CANDIDATURA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), NECESSIDADE, DEBATE, ESCOLHA, CANDIDATO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROMOÇÃO, AUMENTO, ENTRADA, DOLAR, PAIS, OCORRENCIA, VALORIZAÇÃO, CAPITAL ESPECULATIVO, AUSENCIA, ATENÇÃO, SETOR, PRODUÇÃO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, BRASIL.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, o meu agradecimento à Senadora Ideli Salvatti, que me permitiu antecipar minha fala.

A minha presença na tribuna hoje refere-se à decisão tomada, por unanimidade, na noite de ontem, pelo Tribunal Superior Eleitoral. Sr. Presidente, Srs. Senadores, valeu a pena, sim, valeu a pena observar que, nos instantes mais difíceis, existe a grandeza de homens que exercem função pública. O Tribunal Superior Eleitoral procedeu com grandeza, com elevado espírito público, com elevado espírito cívico, consoante a realidade nacional. Permita-me aqui, Sr. Presidente, no início das minhas palavras, citar uma declaração do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Marco Aurélio, de cuja amizade me orgulho e muito me honra. Disse S. Exª: “Sem dúvida, parti de um equívoco e dei a mão à palmatória”.

Sr. Presidente, o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral é conhecido por sua invejável cultura, por seu convencimento sobre as matérias, pela maneira convicta com que fala, incisiva quase sempre. Ao proferir uma palavra dessa, com toda a certeza a Nação brasileira percebeu que, entre os ornamentos da personalidade do Ministro Marco Aurélio, ressaltados por todos, existe uma virtude maior: a virtude da humildade. E S. Exª foi acompanhado nessa humildade por quase todos os ministros do Tribunal Superior Eleitoral. Na terça-feira, apenas o Ministro Cesar Asfor Rocha afirmara e votara no sentido de que a verticalização que deveria prevalecer era a verticalização já aplicada no pleito eleitoral de 2002.

Por seis a um, na terça-feira, modificou-se todo o processo de verticalização, e a classe política ficou atônita - eu diria até que a classe política ficou aterrorizada! Os partidos políticos não sabiam o que fazer diante daquela decisão.

Mobilizou-se a classe política, é verdade, mas isso é da democracia; o entendimento é da democracia. Temos visto e presenciado - e é comum no Poder Judiciário - decisões serem reformadas, porque elas são tomadas por seres humanos, que não são infalíveis. É por isso mesmo que a Justiça permite os recursos no Brasil. É claro que, no meu entendimento, recursos excessivos, que estão paulatinamente sendo limitados, mas, em quarenta e oito horas, uma decisão tão grave, uma decisão tão séria, como a tomada na terça-feira pelo Tribunal Superior Eleitoral, Senador Tião Viana, com toda a certeza, eu ainda não havia presenciado na minha vida pública. Eu não a havia presenciado nem como advogado, nem pelo breve período em que fui Promotor de Justiça, nem durante o tempo em que me dedico à causa pública, no exercício dos meus sucessivos mandatos.

Esse fato, pois, merece registro, Sr. Presidente, porque, não fora a decisão tomada ontem, os partidos estariam atônitos, a própria população estaria atônita. Uma insegurança jurídica pairava no ar, ameaçando até, eu diria, o pleito deste ano, porque este País, que possui 27 Estados em sua Federação, possui 27 realidades diferentes. Não seria com a verticalização, que combati desde 2002, que aprimoraríamos a regra eleitoral e o exercício da política.

Assim, da minha casa, assisti, pela TV Justiça, aos sucessivos votos. Todos eles baseados praticamente no sentido de garantir a segurança jurídica. Trata-se do reconhecimento de que, se se mantivesse a decisão de terça-feira, haveria uma insegurança tão grande neste pleito, Sr. Presidente, que não sei o que poderia acontecer.

Portanto, vim aqui louvar a grandeza dos sete ministros que compuseram o julgamento na noite de ontem, quinta-feira, restabelecendo um pouco a tranqüilidade da classe política, os acordos que vinham sendo feitos.

Quero dizer a V. Exª, Sr. Presidente, às Srªs e aos Srs. Senadores que me ouvem: eu também não consegui explicar, sinceramente, por maiores que fossem os argumentos, como se poderiam mudar as regras a cinco ou seis dias - ou menos até - do prazo do Código Eleitoral, que estabelece que as convenções partidárias devam ser realizadas de 10 a 30 de junho. É preciso mudar isso de uma hora para outra, assim, trazendo intranqüilidade?

Que errou o Tribunal na terça-feira, errou; mas acertou ontem, assim desfazendo o erro que havia cometido, só com um ato de muita grandeza mesmo! Os ministros são homens de estirpe, homens de cultura jurídica, homens de responsabilidade extraordinária.

Citei aqui o Ministro Marco Aurélio, porque eu o acompanho e o admiro - como admiro todos os ministros. Mas, Sr. Presidente, quando li o discurso do Ministro Marco Aurélio, no dia de sua posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, e, com a decisão de ontem, posso afirmar, tranqüilamente, que S. Exª demonstrou à sociedade brasileira uma qualidade entre tantas que ornamentam a sua personalidade, uma qualidade, Senador Pedro Simon, que provavelmente era de todos desconhecida. Já me referi a ela: a humildade, quando S. Exª disse que dava a mão à palmatória e voltava atrás, para fazer com que as regras deste ano fossem as mesmas do pleito de 2002.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - É muito importante a manifestação de V. Exª pela sua autoridade e credibilidade. Também sou um grande admirador do Presidente Marco Aurélio. Pedi, inclusive, a transcrição nos Anais do Senado do seu pronunciamento de posse na Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, principalmente da frase do seu discurso que foi manchete nos jornais: “O Brasil parece que é o País do faz-de-conta”. Realmente, se faz de conta que funciona o Judiciário, se faz de conta que funcionamos nós, se faz de conta que as escolas estão funcionando. Esse episódio foi, realmente, muito importante e muito delicado. Em primeiro lugar, ele nos mostra, Sr. Presidente, que é uma vergonha que nós, Congresso Nacional, aceitemos o fato de, entre os países que têm um certo grau de desenvolvimento democrático, o Brasil ser o único País do mundo que, a cada eleição, tem uma lei eleitoral. Quer dizer, a lei eleitoral nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Argentina, é uma só e vigora permanentemente, não há o que mudar. No Brasil, a cada dois anos, se faz ou uma lei para as eleições municipais, ou uma lei para as eleições estaduais, mudando tudo; mudando, alterando, modificando. Isso é ridículo! E o artigo que estabelece que deve ser anual, quando tentamos fazer um esforço, e a Câmara não nos acompanhou, porque já teríamos feito uma reforma eleitoral positiva para esta eleição, mas ela parou na Câmara, e quando chegou a hora de a Câmara votar, o Supremo Tribunal declarou que já estava fora do prazo, já estávamos no ano eleitoral e era proibido legislar sobre o assunto. No entanto, na eleição ocorrida há quatro anos, o Supremo Tribunal determinou a verticalização durante o ano eleitoral. E, agora, a decisão tomada ontem também ocorreu no ano eleitoral. Vi com certa simpatia a primeira decisão do TSE. É confusa? É. Criaria embaraços enormes aos partidos políticos? É provável. Mas ela era o caminho definitivo da consolidação dos partidos políticos, e estamos caminhando para isso. Temos a lei que pela primeira vez vai ser cumprida, que estabelece a limitação, ou seja, os partidos têm de cumprir os percentuais. Quem não cumprir cai fora. Então, pela primeira vez, estamos às vésperas de ter um sistema político em que em vez de ter trinta, quarenta partidos, vamos ter seis, sete, o que é um passo altamente positivo. Não se pode ter uma democracia estável com quarenta partidos políticos. A decisão que ele tinha tomado era neste caminho: obrigar os partidos a terem um clima nacional, e eles que se virassem para obter esse clima. Seria difícil executar essa decisão, como diz V. Exª? Concordo que sim. Respeito a decisão de voltar atrás, porque os políticos mostraram a ele a confusão que haveria. Concordo que haveria confusão, mas a conclusão a que chegaríamos seria a de que deveríamos fazer uma lei eleitoral definitiva para, permanentemente, disciplinar as eleições no futuro e não mudar a cada quatro anos. Por exemplo: o PT hoje está no Governo, pensa de um jeito; o PSDB está na Oposição, pensa de outro jeito. Quatro anos atrás, era invertido: quer dizer, o PT estava na posição do PSDB, e o PSDB estava na posição do PT. Não pode acontecer isso. Não nego a V. Exª, Senador, que eu tinha gostado da decisão do Superior Tribunal Eleitoral, porque mudaria o destino do PMDB. Fizemos uma reunião da executiva - e V. Exª esteve presente -, a melhor dos últimos tempos, e marcamos outra reunião para segunda-feira, quando todo mundo baixou a cabeça dizendo: “Nós temos de ver o que vamos fazer. Não há vencidos nem vencedores. Essa decisão foi um choque, e vamos ter que encontrar uma solução”. Parece-me que a solução que encontraríamos na segunda-feira seria o entendimento dentro do Partido. Agora voltou ao que era. Hoje há uma manchete no Correio Braziliense, em que um ilustre companheiro nosso diz o seguinte: “Eu, no Estado tal, voto na minha filha, chova ou não chova, com lei ou sem lei, aconteça o que acontecer”. É por aí que estão as coisas. Então o PMDB volta a ter o grupo do Lula, o grupo do PSDB, o grupo que quer ter candidatura própria, entre os quais estamos V. Exª e eu, e o grupo que quer deixar o Partido ao deus-dará: cada um faz o que faz. Então, para nós, com todo respeito, eu diria a V. Exª que foi uma decisão dura - mas não errada; não concordo que digam que ela estava errada -, mas precipitada. Pegou os partidos de surpresa. Haveria uma revolução interna, mas, para o PMDB, apesar de atingir alguns companheiros meus a esta altura estarem dizendo: “O Simon está dizendo uma coisa dessas porque estava com os acordos feitos” -, para o PMDB, nós entraríamos no verdadeiro caminho.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Pedro Simon, com relação ao nosso partido, concordo com V. Exª, até porque o meu candidato é V. Exª. Acho que teríamos no PMDB um caminho aberto para discutir ou a sua candidatura, que é a que defendo, ou outra que surgisse em nosso Partido, de acordo com as próprias palavras de V. Exª, fruto do seu desprendimento. Estou falando como um todo, precisamos realmente disso.

Quando não se exercita o poder, deixa-se o vácuo, e os outros vão tomando conta daquele vazio deixado. Em verdade, diz bem V. Exª, o Congresso Nacional já devia ter feito a reforma eleitoral e a reforma política. O interessante é que todos clamamos por isso e não vemos uma atitude concreta nesse sentido, a não ser aquela reforma política, e não eleitoral, que aprovamos no Senado da República e está dormitando na Câmara dos Deputados, que já seria um passo avançado. E diz V. Exª, com muito acerto, com a experiência que tem: a cláusula de barreira é o único passo importante dado nesses dez anos que estou aqui.

Senador Pedro Simon, essa legislação eleitoral que está aí, que regulamentou as eleições de 1996, chegou a esta Casa com 48 horas de antecedência para ser votada. Lembro-me de que alguns Senadores me chamaram e disseram: “Vamos deixar para o Tribunal regulamentar as eleições”. Havia até essa ameaça. Quando eu disse que aquilo não era possível, que tínhamos de cumprir a nossa missão - tínhamos 48 horas para isso -, alguém disse brincando o que virou verdade: “Então, por que você não relata? Eu quero ver se vai dar conta”. Eu respondi: do relatório, eu darei conta. Eu não sei se o meu relatório será aceito. E felizmente nós aprovamos aquela legislação a que estou me referindo.

Volto a reafirmar que não podemos deixar esse vazio. Nós temos de compreender as necessidades do que o País precisa, do que o País necessita. Não há reforma mais importante que a reforma política porque, veja V. Exª, por um lado, verticalização aos partidos políticos. Mas isso respeita a vontade do eleitor? O eleitor vota em quem ele quiser - sob pena de nós cairmos naquela abominável regra de 1982, quando o voto era vinculado. Ao escolher um candidato, a pessoa teria de votar de vereador a governador no mesmo partido, sob pena de nulidade do voto, o que a mim parece inconcebível, a não ser que chegássemos ao ponto de dizer: você vota nesse ou nesse partido, não preciso enumerar o nome dos candidatos. A motivação do eleitor nem sempre é a motivação do partido que ele representa ou pelo qual ele tem simpatia. Ele, às vezes, vota nas qualidades do homem público, como as qualidades que V. Exª dá ao País, como exemplo de dignidade, como exemplo de homem ético, como exemplo de homem preocupado, Senador Pedro Simon. As pessoas votam assim. Muitos não acreditam nos partidos políticos. Nesta Casa, Senador Tião Viana, vejo coisas extraordinárias e nem por isso eu as recrimino, porque a política é dinâmica, a política tem que evoluir.

Ontem ou anteontem, houve uma votação aqui nesta Casa que dizia o quê? Que a pessoa física ou jurídica que reside no estrangeiro pode comprar dólar no País e não pagar Imposto de Renda. Fiquei pensando no meu Estado, Mato Grosso do Sul. Sabem por quê? Porque se o câmbio permanecer desse jeito, o dólar vai baixar, e aí cai a arrecadação do meu Estado.

Às vezes, as razões do Governo Federal ao editar medida provisória está correta, ele quer trazer dinheiro para o Brasil. Eu discordo, porque acho que deve trazer investimentos para o Brasil. Por exemplo, deve dizer que quem aplicar no setor produtivo terá tais e tais vantagens. Não, o Governo preferiu valorizar cada vez mais a parte financeira e não a parte produtiva. Mas essa é outra questão.

Acho que já ultrapassei o prazo. Teria muito mais a falar, porque venho do Poder Judiciário, não como membro do Judiciário, mas como advogado que fui por longos anos, com uma breve passagem pelo Ministério Público. Permita-me, V. Exª, portanto, citar nominalmente os sete ministros que ontem tiveram a grandeza de entender a realidade nacional: o Presidente do TSE, Ministro Marco Aurélio; o Ministro Cesar Asfor Rocha, que, já na terça-feira, havia votado diferentemente dos seus Pares; o Ministro José Gerardo Grossi, tão conhecido aqui no Congresso; o Ministro Cezar Peluso; o Ministro Carlos Ayres Britto; o Ministro José Delgado; e o Ministro Marcelo Ribeiro. Eu diria, Sr. Presidente: não vamos discutir decisão do Poder Judiciário, mas vamos nos colocar no lugar desses ministros, que tiveram de apreciar um pedido de reconsideração em 48 horas. Tiveram ou não tiveram, vestiram ou não vestiram, calçaram ou não calçaram as sandálias da humildade? Eu acredito que sim.

Vim aqui porque faço questão de ressaltar isto: que haja humildade de quem detém o poder, seja no Poder Judiciário, seja no Congresso Nacional, seja no Poder Executivo. Vamos dirigir este País, vamos governar este País com humildade, pensando na sua população, pensando no seu povo. Quando erramos, devemos dar a mão à palmatória, mas tomar medida imediata. Porque não adianta, Sr. Presidente, pedir desculpas e as coisas continuarem do mesmo jeito, pedir desculpas e, no dia seguinte, continuar errando. Aí também não pode.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2006 - Página 19899