Discurso durante a 79ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à visão do presidente Lula sobre o Sistema Único de Saúde - SUS.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Críticas à visão do presidente Lula sobre o Sistema Único de Saúde - SUS.
Aparteantes
Leonel Pavan, Mão Santa, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2006 - Página 19975
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCONHECIMENTO, PROBLEMA, SAUDE PUBLICA.
  • ELOGIO, DIRETRIZ, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), ANALISE, PRECARIEDADE, DEMORA, ATENDIMENTO, GRAVIDADE, INSUFICIENCIA, FINANCIAMENTO, PROGRAMA, FALTA, MEDICAMENTOS, EQUIPAMENTOS, INFERIORIDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, MEDICO, RECURSOS HUMANOS, OCORRENCIA, FRAUDE, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CONJUNTURA ECONOMICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao inaugurar as instalações de um grupo hospitalar em Porto Alegre, há algumas semanas, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mais um de seus arroubos verbais, disse que o Brasil “não está longe de atingir a perfeição no tratamento da saúde”.

Nesse despautério, o Presidente Lula é reincidente, porquanto, em dezembro de 2005, na V Conferência Nacional de Assistência Social, já fizera afirmação semelhante.

Ora, Sr. Presidente, ninguém há de negar as virtudes do Sistema Único de Saúde ou a crescente universalização do atendimento médico - um desafio que se impôs com a Constituição Federal de 1988, e que desde então vem sendo perseguido com razoável êxito. Daí a considerar o Sistema Único de Saúde próximo da perfeição, sem qualquer trocadilho, vai uma distância astronômica. Ou o Presidente Lula se deixou levar pelo entusiasmo, ou precisa novamente percorrer o País, em todos os seus quadrantes, para retomar contato com a realidade.

Informa o Ministério da Saúde que o SUS é utilizado hoje por 120 milhões de pessoas, e que uma das suas conquistas foi a inclusão de um terço da sociedade brasileira, que não tinha qualquer outro tipo de assistência médica. Os números do SUS realmente impressionam: são 625 milhões de consultas médicas anuais, 12 milhões de internações e 300 milhões de exames laboratoriais. O Brasil é referência mundial na prevenção e controle de doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas a Aids. O País é elogiado pelo Programa Nacional de Imunizações e tem o segundo maior programa de transplantes de todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, onde somente 20% desses procedimentos são bancados pelo Poder Público.

Esses números que nos impressionam positivamente também impressionam o Presidente Lula - o que é natural -, mas não podem impedi-lo de enxergar a outra face da moeda: o lado da saúde pública que está ainda engatinhando em termos de rapidez, eficiência e qualidade no atendimento à população.

Ressalvando que as diretrizes do SUS são adequadas, e assinalando que o sistema é uma reforma social incompleta, com implantação heterogênea conforme a região ou localidade, o Professor Gastão Wagner, da Unicamp, aponta falhas no Programa: financiamento insuficiente, crescimento da atenção primária em velocidade e qualidade abaixo do desejado, regionalização e integração quase virtuais e eficácia e eficiência de hospitais e serviços abaixo do padrão pretendido. E o mais grave, na opinião do Professor Gastão Wagner, é “a impressão de que há certo desencanto com o SUS, um descrédito quanto à viabilidade de uma política tão generosa e racional”.

A opinião do Professor da Unicamp é citada no artigo “Vícios e Virtudes Públicas”, de autoria de Vagner Ricardo e publicado na revista Conjuntura Econômica, de maio de 2006.

No texto, o autor, embora reconhecendo os méritos do sistema, diz:

(...)utopia do atendimento universal cai por terra ao constatar que milhões de brasileiros esperam em filas sem fim nos hospitais públicos e postos de saúdes, convivem com falta de medicamentos e recebem atendimento às vezes precário, a despeito das regiões em que morem.

As falhas no atendimento aumentam a preocupação em um País em que quase um terço da população sofre com doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, câncer, problemas de coluna e reumatismo, segundo informações organizadas pelo PNAD 2003, do IBGE.

Em artigo intitulado “A Saúde na UTI”, publicado no jornal Correio Braziliense, do dia 07 de fevereiro último, o Consultor de Saúde, Carlos Gropen denunciava:

É grave a situação da saúde pública brasileira. Já não bastasse a falta de medicamentos, luvas descartáveis, agulhas, frascos de soro e outros insumos básicos, destaca-se agora um outro aspecto da crise: a degradação do componente humano. Médicos e outros profissionais da área de saúde se submetem a condições de trabalhos desumanas, com conseqüência para si mesmos e para os pacientes.

Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Papaléo, gostaria de participar do seu pronunciamento e cumprimentar V. Exª e o Senador Suassuna, Professor Suassuna, a quem chamo de Shakespeare. Professor Suassuna, em vim atentamente ouvindo o rádio, como V. Exª. Olha, Professor Suassuna, olha para cá. Professor Suassuna, olhe para cá. Entre o Jamanta e o Lula, sou mais o Jamanta: é simpático, é bondoso, é honesto. Professor Papaléo, V. Exª reflete a realidade das Ciências de Saúde. Professor Suassuna, eu vim de Picos agora, no fim de semana. Picos é para o Piauí o que São Paulo é para o Brasil: trabalho. Conversei com médicos, recebi-os em um banquete e conversei. Lá deve haver uns 150 profissionais. Atentai bem, ó Jamanta da República: só dois operam - já estão no fim, por unanimidade - pelo SUS. Dois reais, ó Jamanta da República, é o preço de uma consulta! Os médicos, na sua característica humanitária, atendem gratuitamente. Não é pelo SUS do Jamanta. Só dois! Olha, isso aqui é moleza! Isto é como o homem disse: é um céu. Próstata, eu fiz muitas. Suassuna, operar próstata é idoso, é velho, é complicado, mete, sangra, entope o balão... Jamanta, uma próstata é R$ 100,00! Ninguém faz. Estou dizendo como está. Jamanta da República, se manca, mande-me convidar para eu o ensinar. Foi conquistado isso, coisa de Mão Santa. Dois reais por consulta! Suassuna, um médico para ganhar R$ 5 mil teria que dar 110 consultas por dia. Só são 20 dias úteis. Hoje ninguém atende pelo SUS. Sou especialista em SUS e eduquei a minha família. As tabelas eram honradas com dignidade e, por isso, estou aqui. Todos estão deixando o SUS; estão atendendo por caridade. Atentai bem, Suassuna: uma anestesia, um procedimento para colocar um braço no lugar, numa luxação, uma cirurgia ortopédica tem tabela de R$ 6,00 e R$ 9,00 para o anestesista. Isso é uma molecagem! O Jamanta governaria este País melhor do que Lula. É um inconseqüente! O que está havendo é o seguinte, Suassuna, vamos para o debate: existe roubalheira aí, desde os vampiros; é esculhambação; é negócio de ambulância, e o Jamanta: “eu não sei; eu não vi”. Isso é uma vergonha! Pelo SUS ninguém está atendendo nada. O que está havendo é o seguinte - atentai bem: os médicos especialistas estão deixando as suas especialidades e estão pegando esse PSF. Não há resolubilidade. Olha, e é cara a medicina privada. Todos os hospitais estão aí. Convivo com a classe médica. E agradeço a Deus porque no meu tempo não era isso não. Ganhávamos. Estou aqui, sou aposentado pelo INSS, sou cirurgião. As tabelas tinham dignidade. Hoje uma próstata é R$ 100,00. E para se operar uma próstata tem que se fazer o diagnóstico e não dorme, não; entope a sonda... Operei muito! Mas é sacrifício! O Jamanta da República não tem a mínima noção do que é saúde. Sou muito mais o Jamanta. E ele não pode dizer, não sabe o que é a saúde. A saúde tem que ser como o sol: igual para todos. Ô, Suassuna, diz para o Jamantão da República que um dia em uma UTI são R$ 10 mil. Isso é coisa de rico, para quem pode, para nós. Esse é o Partido mais injusto! E nunca a ignorância foi tão audaciosa. Ela só é superada pela corrupção do PT. Jamais! Te manca, Jamanta da República! O meu Partido vai ser o rabo da sua incompetência!

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Ouço V. Exª, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Papaléo Paes, eu não posso discordar, de maneira alguma, do Senador Mão Santa quanto a essa tabela do SUS. Tínhamos 400 milhões no Orçamento que deviam ter sido aplicados para melhorar a situação. É preciso um médico, considerando o valor de R$ 2,50, fazer duas consultas para engraxar um sapato, pois o preço é R$ 5,00. Hoje, um parto - e há o pré e o pós-parto -, uma cesariana custa R$ 100,00.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - São nove meses.

O Sr. Ney Suassuna - (PMDB - PB) - São nove meses de acompanhamento.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Para fazer uma cesariana, há o pré-natal. A cesariana é a conseqüência do tratamento. Depois pode haver complicação. Então, na prática, são 10 meses para um médico...

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Fiz um discurso aqui, há duas semanas, exatamente reclamando da situação dos hospitais do meu Estado. Esses hospitais estão em uma situação muito difícil, uma vez que, por exemplo, os psiquiátricos contam com R$ 25,00 de diária para dar alimento - três refeições -, todos os remédios, internação e roupa lavada. Realmente precisa haver uma reformulação nessa tabela do SUS.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Só um instante, Shakespeare, US$ 400,00 me foram oferecidos como diária para ir à China e, agora, para os Estados Unidos. E V. Exª, Senador, está falando que a diária paga a um hospital é de R$ 25,00, com atendimento e medicamento. Ô Lula, ô Jamanta, acorda!

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Então, todos os hospitais psiquiátricos de João Pessoa, exceto o público, estão fechando. E não fecharam ainda porque não têm o dinheiro para a indenização. Nobre Senador, V. Exª está abordando um tema muito difícil, muito importante e que atinge a vida de todos nós. Hoje somente para os hospitais privados compensam realizar os procedimentos mais complexos; os outros não querem. Portanto, não posso tirar a razão do Senador Mão Santa - não dessa maneira como fala - quando diz que, de 150 médicos, só 2 estão aceitando fazer esse atendimento do SUS. É preciso reformar essas tabelas, que não são condizentes. Meu Estado e os Estados periféricos do Norte e do Nordeste estão sofrendo muito mais do que os do Sul e do Sudeste, onde a maioria da população tem condição de pagar plano de saúde. Portanto, solidarizo-me com V. Exª, dizendo que, neste caso específico, concordo em gênero, número e grau: é hora e tempo de fazermos uma reformulação nessa tabela do SUS.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

Concedo aparte ao Senador Leonel Pavan.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senador Papaléo, este tema é de extrema importância, e V. Exª, como médico, conhece mais do que ninguém esta questão que ainda não foi resolvida, ainda não tem uma política consistente por parte do Governo Federal. Assim como o Senador Mão Santa referiu-se aos recursos destinados a determinadas cirurgias, que são uma esmola, uma gorjeta, não são recursos, eu queria aproveitar o seu pronunciamento para dizer que, há pouco, recebi uma ligação de uma senhora chamada Alcinéia - parece-me - da Penha, do meu Estado de Santa Catarina. Ela dizia que o marido dela está doente, com um problema no coração, e faltam remédios para ele. Ela vai à prefeitura, e não os consegue; apela para o SUS, dizem que não tem; para comprar em uma farmácia, ela não tem dinheiro, pois são muito caros. Ela gostaria de saber o que fazer para manter a saúde do seu marido? Ela não tem dinheiro, e é capaz de ele morrer por falta de medicamento. Isso acontece, Senador Papaléo, com centenas, com milhares de pessoas, todos os dias, em nosso País. Não responsabilizo apenas o Governo atual, mas a política de saúde do nosso País. Ela destina recursos, mas é impossível para um médico atender uma pessoa, como deve fazer, com esses recursos do Governo. É impossível manter a saúde do povo como deve ser mantida, liberando apenas determinados remédios, e não os essenciais. Aqueles que são caros e importantes, o Governo não libera. Os caros, que são os melhores remédios e os mais eficazes, o Governo não libera. E pobre não pode comprar remédio. Qual é a saída? Um País que diz que está investindo nos pobres, nos miseráveis, nas pessoas menos assistidas, precisa tomar providências para atender à classe pobre, justamente nos remédios mais caros, porque os baratos ela é capaz de comprar. O problema são os remédios caros. Então, aproveito a oportunidade do seu pronunciamento também para repudiar a política da saúde de nosso País: mal elaborada, mal administrada, e com uma irresponsabilidade que nós só temos de repudiar. É uma irresponsabilidade muito grande do atual Governo Federal, que não tem uma política consistente para a saúde em nosso País. Obrigado, e desculpe-me por tomar o seu tempo, amigo Papaléo Paes.

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Agradeço muito ao Senador Leonel Pavan, bem como aos Senadores Mão Santa e Ney Suassuna, por tudo a que já me referi e pela participação de V. Exªs.

É natural que o ufanismo do Presidente Lula fosse rebatido por Parlamentares diversos, como ocorreu, e também por técnicos da área da saúde, bem como por aqueles que melhor podem opinar sobre a saúde pública: os usuários do SUS. Para o cidadão que passa horas nas filas dos hospitais, aguardando atendimento, a infeliz frase do Presidente Lula foi quase um acinte.

Os jornais, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sua informação cotidiana, acabam por traçar uma radiografia mais visível do programa da saúde do que os textos técnicos, que resumem o drama humano a números, cifras e estatísticas. Pois os periódicos relatam, com uma constância gregoriana, as mazelas da saúde pública brasileira. O Jornal de Brasília, em dezembro de 2005, destacava:

Pacientes internados na rede pública que necessitam atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) enfrentam uma verdadeira maratona para conseguir um leito. A falta de vagas nos hospitais públicos e a recusa das instituições particulares em receber o doente têm obrigado as famílias a recorrerem à Justiça para conseguirem a internação. Em muitos casos, a demora custa a vida do paciente.

Outro problema que se observa com certa recorrência no funcionamento do SUS são as fraudes, o que expõe uma precariedade nos mecanismos de controle e fiscalização. O já citado Jornal de Brasília, em 10 de dezembro, denunciava em manchete: “Rombo de R$40 milhões contra o SUS”.

(Interrupção do som.)

O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Isso, Sr. Presidente, em plena Capital da República. Mais recentemente, em meados de abril, o Correio Braziliense repercutiu os resultados de uma auditoria em Minas Gerais, com a manchete: “Fraude milionária em hospital de Minas Gerais”.

Os rombos, a ineficácia da fiscalização e a utilização política de sua estrutura são apenas alguns dos problemas do SUS, Sr. Presidente. Ao criticar o Presidente da República por sua declaração infeliz e despropositada, não queremos condenar a filosofia e as diretrizes do Sistema Único de Saúde nem ignorar os seus méritos. Nossa crítica tem a intenção de alertar o Presidente Lula para uma realidade que ele insiste em desconhecer, para que, conhecendo as precariedades da saúde pública, possa concentrar seus esforços em aprimorá-la e, assim, tornar menos dura e menos angustiada a vida de milhões de cidadãos brasileiros que hoje sofrem com as filas imensas e com atendimento médico inadequado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2006 - Página 19975