Discurso durante a 81ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a integração da América do Sul e os avanços na direção do Mercosul.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a integração da América do Sul e os avanços na direção do Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2006 - Página 20502
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, VISITA, BRASIL, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, ELOGIO, EMPENHO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MEDIAÇÃO, ENTENDIMENTO, MELHORIA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
  • REGISTRO, ENTRADA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ANALISE, SITUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, PERMANENCIA, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO, PAIS INDUSTRIALIZADO, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, SOBERANIA, AMERICA DO SUL.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, PAIS ALIADO, MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, EMBAIXADOR, COMENTARIO, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PREJUIZO, BRASIL, IMPORTANCIA, APERFEIÇOAMENTO, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Romeu Tuma; Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria, hoje, de falar a respeito da integração da América do Sul, dos avanços na direção do Mercosul.

Considero importante assinalar o encontro havido ontem, aqui, em Brasília, entre o Presidente Alan García, eleito do Peru, e o Presidente Lula, do Brasil.

Trata-se da primeira visita ao exterior feita pelo Presidente do Peru, logo após a sua eleição. Importante foi a sua manifestação de boa vontade no sentido de estreitar relações com o Brasil e de ver com bons olhos as iniciativas brasileiras para promover a maior integração econômica do nosso continente. Também foi importante a disposição demonstrada pelo Presidente Lula de mediar um melhor entendimento entre o Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o Presidente Alan García, do Peru, em vistas das divergências publicamente expostas por ambos recentemente.

Desejo fazer um breve registro de alguns fatos novos na integração sul-americana, que não receberam a devida atenção no Brasil; em especial, a entrada da Venezuela no Mercosul, decidida em reunião no final de maio, realizada em Buenos Aires. A Venezuela tornou-se membro pleno do bloco e, dentro de no máximo quatro anos, terá adotado uma tarifa externa comum, fazendo, assim, parte da união aduaneira. Desde agora, negociará conjuntamente com os demais membros do Mercosul. Isso é decorrência, evidentemente, da adesão à união aduaneira.

A partir deste momento, a Venezuela integrará a delegação no Mercosul em negociações comerciais para o estabelecimento de áreas de livre comércio ou para a troca de preferências tarifárias com outros países ou grupos de países; negociará conosco, em bloco, numa eventual retomada das negociações da Alca, ora interrompidas; participará das negociações birregionais Mercosul-União Européia, também interrompidas, para a formação de uma área de livre comércio; participará dos entendimentos com a Índia e com a União Aduaneira do Sul da África, que estão em andamento e que visam a estabelecer áreas de livre comércio.

Convém colocar esse acontecimento em perspectiva. Falava-se muito, e ainda se fala, em risco de isolamento do Brasil. Temia-se que a não-concretização da Alca e do acordo de livre comércio com a União Européia nos levassem ao isolamento comercial e econômico. O temor era exagerado. O nosso comércio com os países desenvolvidos continua crescendo (cresceu 60% entre 2002 e 2005), apesar de não termos estabelecido áreas de livre comércio com eles. Os acordos que nos propunham europeus e norte-americanos eram muito desiguais: propiciavam pouco acesso adicional a mercados nas áreas em que o Brasil é competitivo (agricultura e indústrias tradicionais, por exemplo) e faziam muitas exigências em áreas delicadas, como o tratamento dos investidores estrangeiros, serviços, licitações públicas e patentes.

Com o impasse na Alca, Washington lançou-se à busca de acordos bilaterais de livre comércio no modelo da própria Alca. Alguns latino-americanos aceitaram a proposta. O México já está no Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) desde 1994. O Chile e alguns países centro-americanos também fizeram acordos do mesmo tipo. Mais recentemente, Colômbia e Peru concluíram negociações de tratados semelhantes, ainda pendentes de ratificação.

O Presidente Alan García, ontem, declarou que o Peru estaria caminhando no sentido da ratificação do tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Disse ainda que seria um enorme avanço e que era uma satisfação um acordo nessa direção com o Brasil. E ele considera importante que esse acordo se inicie por aqui.

Além de ampliar o acordo de livre comércio entre Brasil e Peru, que contempla um número limitado de produtos, com a inclusão do setor de serviço e regras para investimentos, ele ainda tocou em questões práticas como a conclusão dos três corredores bioceânicos que permitirão ao Brasil alcançar o Oceano Pacífico e, ao Peru, atingir o Atlântico; a expansão dos investimentos da Petrobras, que já explora petróleo em dois campos no Peru, sem os riscos de a empresa ser substituída por outra companhia. Disse ele que o Peru não vai deslocar nenhuma companhia petroleira para manter a Petróleos de Venezuela S.A., como fez a Bolívia. Além disso, disse que tratou com o Presidente Lula sobre a necessidade de concluir a interligação entre o Peru e o norte do Brasil por meio de rodovia e trecho ferroviário, que teriam o financiamento brasileiro e a construção por companhias nacionais, uma ligação que ajudaria o fornecimento de elementos do Peru a Manaus pela metade dos custos atuais, além de ter visto com entusiasmo as propostas de cooperação tecnológica do Brasil no que diz respeito às áreas de produção de biodiesel e de etanol.

O Brasil não ficou para trás. Por meio do Mercosul, o nosso País firmou acordos de livre comércio com a Colômbia, Peru e Equador. Foi criada, ademais, com grande participação brasileira, a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), futuro bloco econômico continental, com população de 350 milhões de habitantes e PIB de US$2,6 trilhões.

Assim, a maior parte da América do Sul, com destaque para Argentina, Brasil e Venezuela, prefere tomar outro caminho. Com a entrada da Venezuela, o Mercosul passa a representar cerca 3/4 do PIB da América do Sul. Argentina, Brasil e Venezuela não rejeitam o comércio crescente com os desenvolvidos, obviamente, mas não querem aceitar acordos que interfiram com a autonomia nacional na condução de políticas estratégicas, essenciais para o desenvolvimento. Essa é, aliás, uma das preocupações centrais do projeto de lei que estabelece um mandato negociador, normas e diretrizes para as negociações comerciais bilaterais, regionais e multilaterais, de minha autoria, já aprovado no Senado. Na terça-feira passada, ele foi aprovado sem emendas, com parecer cuidadoso e muito bem feito do Relator, o Deputado Dr. Rosinha, do Estado do Paraná, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, tendo o projeto passado também pela Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, com parecer do Deputado Júlio Redecker.

Cabe destacar que o Presidente da Venezuela teve atuação direta na conclusão das negociações de Buenos Aires, acelerando um processo que ainda poderia ter durado alguns meses. O presidente manteve contato telefônico, por diversas vezes, com os negociadores em Buenos Aires, demonstrando grande interesse em resolver, rapidamente, os pontos pendentes. Manifestou, depois, publicamente, a sua satisfação com a entrada da Venezuela no Mercosul.

O Brasil precisa agora, em conjunto com a Argentina, dar mais atenção às reivindicações dos países menores do Mercosul. Um passo nessa direção foi dado na forma como se definiu a entrada da Venezuela no nosso Mercado Comum. Paraguai e Uruguai terão um prazo três anos maior do que a Argentina e o Brasil para alcançar o livre comércio com o novo membro do bloco. A Venezuela, por seu turno, dará acesso total e imediato aos principais produtos de exportação do Paraguai e do Uruguai.

Mais medidas devem ser tomadas para preservar os países menores e aprofundar o Mercosul. Por exemplo, deve-se evitar o uso protecionista, dentro do bloco, de barreiras não tarifárias ou da legislação antidumping. Outro exemplo: é preciso caminhar no sentido de transformar a união aduaneira em um verdadeiro mercado comum, com livre circulação de capital e trabalhadores, ou seres humanos.

O Mercosul atravessa dificuldades de vários tipos, mas elas podem ser superadas. Uma coisa parece clara: há um enorme potencial de expansão. Apesar dos problemas, o comércio intrabloco tem crescido a taxas elevadas nos anos recentes e continua em expansão em 2006. No período janeiro-maio, as exportações de mercadorias do Brasil para a Argentina, nosso segundo parceiro comercial depois dos Estados Unidos, cresceram 17% em valor. As exportações do Brasil para o Mercosul também cresceram 17% sobre igual período de 2005. As nossas importações da Argentina aumentaram 15% nesse período. As importações oriundas do Mercosul, 12,5%. A expansão das importações será ainda maior se a economia brasileira conseguir crescer, como se espera, a taxas adequadas ao longo dos próximos anos.

Eu gostaria, Sr. Presidente, de colocar em relevo algumas idéias expostas pelo Embaixador Rubens Barbosa no seu artigo intitulado “A Alca não é mais uma opção”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia de hoje. Ele pergunta:

Teria sido melhor para o Brasil negociar a área de livre comércio hemisférica, ao invés de ajudar a inviabilizá-la?

Autoridades norte-americanas, em recentes reuniões na Fiesp, deixaram claro que os EUA só terão interesse em retomar os entendimentos da Alca, com vista a concluir um acordo de livre comércio (ALC) hemisférico, se o modelo for o do Nafta, isto é, o dos acordos firmados com Canadá e México e, ultimamente, com os países centro-americanos (Cafta) e com a Colômbia e o Peru, na Comunidade Andina de Nações. O que significa negociar um acordo de livre comércio nos moldes da Nafta?

- A aceitação de acesso limitado ao mercado dos EUA pela imposição de cotas e outras restrições tarifárias (picos tarifários) e não-tarifárias para produtos considerados sensíveis pelas autoridades norte-americanas;

- a exclusão do exame das normas de antidumping e subsídios, remetido à Rodada multilateral de Doha;

- inclusão de regras e marcos regulatórios que vão muito além das obrigações que o Brasil já assumiu na OMC e, em diversos aspectos, tolhem a capacidade do Governo de respaldar medidas de apoio ao desenvolvimento.

Em investimentos, os acordos consagram a eliminação de requisitos de desempenho, inclusive de exportação, e o acesso ao mercado sem presença comercial - ou seja, empresas americanas poderiam ter acesso a esses mercados sem precisar fazer nenhum investimento local.

Em solução de controvérsias se aceita o questionamento do Estado pelo investidor, segundo o qual o investidor privado de ambas as partes tem o direito de iniciar ação legal contra o governo hospedeiro, caso julgue que tenha ocorrido violação das obrigações assumidas no acordo de investimentos ou mesmo de autorização de investimento.

Em propriedade intelectual, os dispositivos dos ALCs ampliam a base de proteção estabelecida pela OMC em TRIPs: aumentam os prazos de proteção, incorporam novas categorias de objetos protegidos e introduzem disciplinas para cumprimento e fiscalização das obrigações legais. Quanto a normas ambientais e trabalhistas, os países se comprometem a adotar altos níveis de proteção interna, o que em si é positivo, mas, por outro lado, se obrigam a aceitar a vinculação do eventual descumprimento a sanções comerciais ou multas (de pelo menos US$15 milhões).

Sr. Presidente, requeiro sejam transcritas, na íntegra, como parte do meu pronunciamento, as observações do Embaixador Rubens Barbosa, Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, que faz, neste seu artigo, um balanço importante das dificuldades que teríamos, hoje, se insistíssemos em caminhar na direção da Alca, colocando razões pelas quais é importante que prossigamos nos nossos esforços para uma maior integração com os países do Mercosul e da América do Sul.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“A Alca não é mais uma opção”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2006 - Página 20502