Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal

Reverencia à Memória de Leonel de Moura Brizola, pelo transcurso do segundo ano de seu falecimento.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverencia à Memória de Leonel de Moura Brizola, pelo transcurso do segundo ano de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2006 - Página 21077
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, BIOGRAFIA, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA, IGUALDADE, JUSTIÇA SOCIAL, IMPORTANCIA, RECONHECIMENTO, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, RELEVANCIA, POLITICO, HISTORIA, BRASIL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador da República Cristovam Buarque, que preside esta sessão e que é candidato à Presidência da República pelo PDT; Exmº Sr. Deputado Neiva Moreira, com quem senti uma alegria enorme por caminhar a seu lado ainda na Câmara dos Deputados; Exmº Sr. Secretário-Geral do PDT, Manoel Dias, que tem uma história bonita de luta que todos nós conhecemos; meus amigos e minhas amigas, é claro que falar de Leonel de Moura Brizola mexe com as nossas emoções. Todos que falaram aqui o fizeram mais com o coração, e isso é muito bonito.

Não vou, ao me referir ao saudoso Brizola, simplesmente contar a história que está nos livros. Quero, Senador Cristovam, falar um pouco da vida do Brizola.

Pelas mãos de sinhá Aninha parteira nasceu em Itagiba, nos idos de 1922, em plena solidão dos pampas gaúchos, entre a prosa de Alcides Maia e os tilintares das adagas dos maragatos e dos chimangos. Seu pai, de nome José, era federalista dos quatro costados. Lutara em 93, na revolução da degola, ao lado do Conselheiro Gaspar Silveira Martins.

Quis o destino que o velho maragato tombasse em 1923, quando peleava nas tropas do comandante do norte Leonel Rocha. Sua mãe, Dona Onívia, ensina-lhe as primeiras letras. Ela contava a vida do pai.

A Revolução de 30 já era vista no horizonte. E o menino, cada vez mais homem, de calças curtas e pés descalços, empunhava uma espada de pau e, montado em seu flete de taquara, não se cansava de gritar ao vento minuano do nosso Sul: “eu sou o capitão Leonel”. Orgulho do comandante. Líder como seu pai.

E assim cresceu o piá comandante de si mesmo e das tropas de osso que outrora eram a diversão da gurizada.

Claro que a infância de quem perde o pai muito cedo é triste, ou o é na maioria das vezes, mas a infância de quem um dia entrará para a história e fará com que homens, mulheres, velhos, jovens, negros, deficientes, índios e as minorias discriminadas chorem e tenham orgulho da Pátria, da “pacha mama”, é a coisa mais linda que Deus poderia criar. Essa é a figura de Brizola.

Por certo, poucos foram os escolhidos pelo grande Pablo Neruda. Ah, saudoso Neruda! Para mim, Neruda é um dos maiores poetas que a América Latina pariu e, sem dúvida, um dos maiores do mundo.

Neruda, que foi ministro de Salvador Allende, escreveu um poema a Leonel Brizola, que eu sei que está nas paredes dos pedetistas.

Diz o poema de Neruda:

Novas ilhas, novos rios, novos vulcões fazem de nosso continente uma nova geografia. Queremos nova agricultura,outras forças juvenis, uma sociedade mais pura, novos protagonistas da história, que está nascendo e que temos o dever de construir.Quem pode estar contra a nova vida? Celebremos a chegada de Leonel Brizola no cenário da América como uma deslumbrante encarnação de nossas esperanças. Estamos cansados da rotina de miséria, de ignorância, de injustiça econômica. Abramos o caminho àquele que encarna hoje a possível construção do futuro.

Se Neruda me permitisse, eu diria, Senador Cristovam: fiquem de pé, rufem os tambores, toquem os clarins para saudar Leonel de Moura Brizola!

Sr. Presidente, celebramos aqui dois anos da morte de Leonel de Moura Brizola, que considero o político mais importante da nossa geração, sem dúvida alguma o mais importante e determinado homem público da República desde Getúlio Vargas.

Eu poderia falar, como disse aqui, da sua bela biografia, mas optei por momentos da vida que marcaram a nossa geração.

Tinha eu dez anos quando ouvi, pela primeira vez, Brizola. Ele falava na Rede da Legalidade pelos microfones da Rádio Guaíba de Porto Alegre e pedia para que o povo brasileiro resistisse pela manutenção constitucional e que dessem posse a João Goulart na Presidência da República. Esse fato, com certeza, marcou a geração de muitos brasileiros.

Naqueles dias frios, Senador Cristovam, de 1961, muitas vezes eu estava lá, no pátio, no quintal, a jogar bolita, a soltar pandorga. Mas quando a Rádio tocava, a meninada, a gurizada dizia “paremos de jogar, paremos de brincar para ouvir Leonel de Moura Brizola!”

Sr. Presidente, quis o destino que aquele menino de dez anos se encontrasse, em 1984, no Palácio da Guanabara, Rio de Janeiro, com o então Governador Brizola.

Estava eu numa comissão de sindicalistas. Os mais experientes, quando Brizola ia nos receber, falaram: “olha, Paim, seja rápido nessa conversa, porque temos ainda que ir para Minas Gerais”.

Dito, mas não feito. Brizola, com sua fala mansa, seduziu a todos nós. Resultado. A conversa regada a chimarrão terminou na madrugada, em seu apartamento em Copacabana.

Assim era Leonel Brizola: um homem apaixonado pelas suas idéias. Confesso que não entendo até hoje, não entendo mesmo, como um homem como Leonel Brizola não chegou à Presidência da República do meu País, do Brasil. Não entendo mesmo! (Palmas.)

Tive o orgulho de estar com ele na campanha pelas Diretas Já. Fizemos longas caminhadas, e, nessas caminhadas, as conversas, diálogos profundos. Confesso que aprendi muito com ele.

Lembro-me de um comício na capital gaúcha. Escutávamos apenas a sua voz. De longe, o silêncio a rodear aquela multidão. Lá no Sul, dizíamos que, quando Leonel de Moura Brizola falava, parecia que até o silêncio se curvava para escutá-lo. Por isso, ele encantava a todos.

Lembro-me de outro momento. Eu, Vice-Presidente desta Casa, em 2003, Leonel de Moura Brizola me fez uma visita no gabinete. Sabia do meu carinho por ele. E digo a todos aqui que fiquei maravilhado com a sua conversa. Penso que foi aí que cheguei à conclusão de que Brizola entraria para a eternidade.

Enquanto eu escrevia, ontem, este pronunciamento, recordei Santo Agostinho: “Na eternidade, nada passa; tudo é presente. O passado vem empurrado por um futuro, e o futuro vem atrás de um passado. Quem prenderá o coração de um homem para que ele pare e veja como, estando imóvel, a eternidade governa os tempos futuro e passado sem ser nem futuro nem passado?”

Senador Cristovam Buarque, V. Exª cita algo que neste momento reafirmo. Quando penso na história da humanidade, lembro os grandes homens que marcaram a nossa geração: Gandhi, Che Guevara, Nelson Mandela, Martin Luther King. Quando o filme da nossa vida passa na minha frente, tenho certeza de que ali, na telinha, vem a figura, com muita luz, de Leonel de Moura Brizola. (Palmas.)

Se eu tivesse de dizer quais os heróis que norteiam minha vida, é claro que eu buscaria, lá no passado, Zumbi dos Palmares. Mas, se eu fosse me referir à geração presente, lembraria Gandhi, Che Guevara, Nelson Mandela, Martin Luther King e Leonel de Moura Brizola. (Palmas.)

Se me permitirem, para se ter uma idéia do que representava Leonel de Moura Brizola não somente para nós, para a Esquerda no mundo, basta dar uma recorrida aos principais jornais do mundo quando da sua morte. Permitam-me. Trata-se de uma homenagem a esse homem ímpar na caminhada da humanidade.

Segundo o espanhol El Pais, “O velho leão da esquerda brasileira morreu na segunda-feira no Rio”.

Na Grã-Bretanha, o The Independent publicou: “Brizola foi o defensor dos mais pobres entre os pobres do Brasil”; e o diário londrino The Guardian: “Brizola foi o orador mais talentoso da vida pública do Brasil”.

Nos Estados Unidos, o The New York Times fez a referência: “O papel de Brizola na tentativa de evitar um golpe militar no início dos anos 60 fez com que ele se destacasse na política brasileira em defesa da democracia”. Também nos Estados Unidos, o Los Angeles Times classificou Brizola como “um dos mais notáveis políticos de esquerda do Brasil”.

Na França, o jornal Le Monde afirmou: “Brizola, o herdeiro de Getúlio Vargas, morreu”. E o Libération publicou: “O Brasil está de luto pela morte de seu líder de esquerda”.

Sr. Presidente, para terminar, faço questão de deixar uma frase para reflexão de todos nós. A máxima é de autoria do pai do positivismo, Auguste Comte: “Os vivos são sempre, cada vez mais, governados pelos mortos”. Eu digo: acredito que, se essa máxima fosse seguida pelos homens públicos, com certeza, o nosso País estaria bem melhor.

Termino dizendo: vida longa, vida longa aos ideais de Leonel de Moura Brizola.

Um abraço a todos. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2006 - Página 21077