Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal

Reverencia à memória de Leonel de Moura Brizola, pelo transcurso do segundo ano de seu falecimento.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverencia à memória de Leonel de Moura Brizola, pelo transcurso do segundo ano de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2006 - Página 21079
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, ATUAÇÃO, IDONEIDADE, ETICA, VIDA PUBLICA, REGISTRO, APOIO, ORADOR, PERIODO, EXPULSÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Primeiramente, desejo parabenizar V. Exª, Senador Cristovam, pelo requerimento, pelo empenho para que esta sessão de homenagem fosse hoje concretizada.

Saúdo todos os familiares, amigos e dirigentes do PDT; na Mesa, o Deputado Neiva, Manoel Dias; todos os dirigentes do PDT, herdeiros do trabalhismo histórico, espalhados por todo o Brasil.

Tanto o Senador Cristovam como os Senadores Pedro Simon, Leonel Pavan e Paulo Paim fizeram as suas brilhantes homenagens a uma figura tão preciosa como Brizola. Vou fazer um simples, delicado e carinhoso testemunho do Brizola que conheci, com o qual vivenciei situações muito importantes num dos momentos mais difíceis da minha vida pública, que foi justamente quando do processo de expulsão do PT.

Eu sabia de toda a história do Brizola, porque todos nós militantes da esquerda o admirávamos. Eu sabia da infância pobre, da resistência democrática, do seu compromisso com a soberania nacional, com a educação pública, gratuita, democrática e de qualidade. Tudo isso eu sabia. Portanto, eu sabia de todo o passado de Brizola, mas tive o privilégio de conhecer Brizola com mais de 80 anos de idade.

O passado é importante. Não se pode apagar o passado das pessoas, é desonesto intelectualmente. Mas muitos que foram parte da resistência democrática depois se venderam. Foram muitos os que tiveram história de criança pobre e, depois, quando tocaram o solo dos palácios, se venderam, traíram a sua história de vida, traíram a sua classe de origem.

Por isso, sinto-me muito feliz por ter conhecido um homem com mais de 80 anos de idade que podia olhar de cabeça erguida para os caminhos que trilhou, dizendo: honrei a minha infância pobre, a minha resistência democrática, a minha classe de origem, a minha história de vida.

Isto, para mim, era o mais importante: vê-lo, com mais de 80 anos, resistindo de forma implacável.

Depois, Senador Simon, num momento difícil do debate da reforma da Previdência, resolvemos - alguns poucos gatos pingados da Esquerda que resistiam - fazer uma reunião com Brizola e Lupi no Rio de Janeiro.

Deus do céu! Foi na reunião do partido de que eu fazia parte que entendi como havia uma guerra rancorosa, inconseqüente, intolerante contra Brizola, mantida por lideranças importantes do PT e do Governo Lula. Fiquei impressionada, porque exigiam de mim, no Conselho de Ética, que eu desse um testemunho de arrependimento por ter ido encontrar Brizola.

Ora, uma gente que se encontrava com tudo o que não presta no País exigir de mim um testemunho de arrependimento por encontrar, por conversar com uma das mais importantes personalidades e figuras da História do Brasil era a mesma coisa que eu arrancar de mim a minha história de vida e me vender num processo de inquisição como aquele que eu passei.

Nos meses de glória do atual Governo, Brizola estava lá, de forma implacável, contundente. E todos nós esperávamos o artigo que sairia, aquele artigo cujo formato já conhecíamos. Ali estava a linha ideológica, a combatividade, a conseqüência política, a honestidade, com suas idéias. Toda semana, esperávamos para ver a linha que Brizola estaria dando aos seus artigos. Em todos os momentos, naqueles momentos e nos meses de glória, ele teve a capacidade, a honestidade intelectual, a conseqüência política de mostrar claramente a traição, através da política econômica e da farsa da reforma da Previdência.

Sou muita grata a ele. Enquanto muitos trabalhavam de forma ardente a minha expulsão do PT para agradar a “Sua Majestade Barbuda” do Palácio do Planalto, Brizola me oferecia o PDT como abrigo. Ele me disse: “Sei a dor e vazio que é tirarem de mim o meu partido. Sei o que é isso. Portanto, minha filha, se você precisar de um abrigo para disputar a eleição, o PDT será o seu abrigo”. E compreendeu, com humildade e com grandeza, quando eu disse: “Vou ficar até o fim”, mesmo sendo punida pela legislação eleitoral, que me impedia de ser candidata, se eu passasse; essa foi a forma ardilosa que meu ex-partido encontrou para tentar me tirar. Mas eu dizia: “Brizola, eu quero olhar no olho de cada uma das minhas companheiras e dos meus companheiros do partido a que dediquei mais de vinte preciosos anos da minha juventude e da minha vida. Quero vê-los levantar o crachá. Quero olhar no olho de cada um deles para ver quem vai defender a minha expulsão”. Ele, com humildade, tranqüilidade e grandeza, abraçou-me e disse: “Siga o seu caminho”. Quando eu disse a ele que não podia e que eu precisava ficar para juntar e colar os caquinhos de alguns poucos agrupamentos da Esquerda na conjunção de um novo partido, humildemente e com grandeza, ele estava lá.

Manoel, Cristovam e Neiva, a última cena que guardo dele aconteceu em seu apartamento, em Copacabana. Foi a última vez em que estive com ele e em que ele insistia em dizer algo em que nenhum de nós acreditava. Dizia ele que estava no pôr-do-sol, no ocaso. Ninguém ali podia dizer isso. Várias vezes, ninguém acreditava. Eu brincava, dizendo que ele ia me enterrar. Ele dizia que estava se pondo. Ele sentia que estava no ocaso e que nós estávamos nascendo. Ele sentia e dizia isso, e nós insistíamos em não acreditar nele. Da janela de seu apartamento, ele olhou para aquele marzão lindo de Copacabana e disse: “Heloísa, esta vida e esses problemas não valem nada quando olhamos esta coisa tão linda que está aqui”.

Portanto, a minha homenagem e o meu carinho a essa personalidade da vida nacional que meu deu a oportunidade de conhecê-lo. Conhecer um jovem rebelde e defensor das suas idéias é fácil. Faz parte da juventude. Digo sempre que uma das coisas que mais me emocionam é ver uma pessoa que passou pela vida e não se vendeu, como o Senador Pedro Simon e o Senador Lauro Campos, que foi deste Senado. É isso. A rebeldia e a capacidade de luta da juventude são nossa obrigação. Quem merece homenagens são as pessoas que não se venderam, que não se renderam mesmo quando tocaram o território do inimigo de classe, dos adversários políticos, o solo supostamente sagrado dos palácios.

Algumas dessas pessoas homenageamos em vida, como eu faço com o Senador Pedro Simon e fiz com o Senador Lauro Campos. Outros, infelizmente, só temos oportunidade de prestar a justa, delicada e preciosa homenagem quando não estão mais aqui.

Com certeza, Leonel Brizola está junto com os guerreiros celestiais, de espada em punho para nos ajudar nas lutas da terra. Meu tributo a Leonel Brizola, minha homenagem a esse homem que conheci com mais de 80 anos, honrando sua história de vida de menino pobre, de defensor das causas democráticas. Mesmo tendo tocado os tronos do palácio, ele não traiu sua própria história de vida e sua classe de origem.

Minha homenagem a todos os seus familiares e amigos, aos que fazem o PDT e a V. Exª, Senador Cristovam Buarque, por propor a homenagem e por realizar esta sessão.

Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2006 - Página 21079