Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre as instituições nacionais e as suas carências.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre as instituições nacionais e as suas carências.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2006 - Página 21612
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, EXCESSO, BUROCRACIA, AUMENTO, DIFICULDADE, FALTA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, REGISTRO, DEFICIENCIA, CULTURA, PATRIOTISMO.
  • CRITICA, INEFICACIA, LEGISLAÇÃO, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO, FALTA, ETICA, VIDA PUBLICA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, FORMA, MANUTENÇÃO, DIGNIDADE, SOCIEDADE.
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, NORBERTO BOBBIO, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ANALISE, IMPORTANCIA, COSTUMES, DURAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, DEMOCRACIA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Ramez Tebet, Srª Senadora Heloísa Helena, Srs. Senadores, em lúcido comentário sobre o livro de Raymundo Faoro, intitulado “Os Donos do Poder”, leitura a meu ver essencial para compreender o Brasil, o filósofo Gilberto de Mello Kujawski lembra que a tese central da obra “é a de que nunca houve um Estado digno desse nome, uma entidade de caráter público personificando a Nação como um todo e encarregada de administrá-la, visando ao interesse geral”.

Digamos assim - e cito mais um vez Kujawski: “O Brasil não tem Estado, tem estamento. No Brasil, o poder tem donos”, como assim se intitulou a obra de Raymundo Faoro

            Relembro Faoro, a quem tanto admirava, Sr. Presidente, para fazer algumas considerações sobre as nossas instituições e as suas carências.

            Sr. Presidente, a distância que vai da antiga “polis” dos gregos, com alguns poucos milhares de habitantes, ao estado contemporâneo, em especial, nas sociedades de massa de nossos dias, é a mesma que separa a maioria dos cidadãos da democracia. Esta é, seguramente, a razão pela qual, quase em toda parte - e o Brasil não constitui exceção - as instituições políticas e os poderes do Estado não são os mais bem avaliados pela opinião pública. 

A percepção do cidadão, que é obrigado a enfrentar filas, na maioria das vezes sem lograr o que lhe é devido ou que cumpre ritos quase sempre desnecessários, superando procedimentos que satisfazem tão-somente a baixa racionalidade da burocracia sem qualquer utilidade justificável, é a de que conceitos como política, poder e autoridade não são mais que entraves atropelando os seus direitos. E mais, atrapalhando a sua vida e atormentando a sua existência.

Nunca como atualmente, Sr. Presidente, o que é público esteve tão longe do privado. As leis, as normas, as regras, os usos, os precedentes e os hábitos, que fizeram germinar a burocracia, alimentando-a em seu próprio proveito e para sua própria comunidade, terminaram por provocar a aversão dos cidadãos à maioria das manifestações do Estado, que, na sua impessoalidade, exige, oprime, impõe e dificulta a vida de todos, indistintamente. Enquanto não restaurarmos o velho e esquecido princípio jurídico de que, na vida privada, tudo que não é proibido é permitido e de que, na vida pública, é proibido tudo o que não é expressamente permitido, não vamos conseguir consolidar a confiança nas instituições, que, diferentemente da transitoriedade dos governos, são permanentes. Aliás, esta é, a meu ver, uma distinção essencial: separar os governos que, numa sociedade democrática, são transitórios, das instituições que, por essência, devem ser permanentes, devem aspirar, quem sabe, até a perenidade. Assim como nós desejamos que sejam, sobretudo, as Cartas Constitucionais.

De que vale, Sr. Presidente, o Parlamento aprovar centenas de leis que nada têm a ver com a utilidade pública, restritas que são, na sua maioria, aos interesses do próprio Estado? (Recorde-se, a propósito, a observação de Prudente de Morais Neto de que o Congresso Nacional não é fábrica que se deva avaliar pela produção, antes sua virtude está naquilo que, pela discussão, depura ou aperfeiçoa). Que proveito a população pode esperar de milhares de decisões judiciais, prolatadas todos os dias pelos magistrados e tomadas pelos tribunais, se a Justiça, que está ao alcance dos cidadãos, em que pesem os avanços da Emenda Constitucional nº 45, da qual V. Exª teve a oportunidade de participar ativamente, é a apenas a dos juizados especiais, é a que resulta das ações dos Procons?

Sr. Presidente, a maioria dos conflitos que separam os cidadãos provêm das dificuldades enfrentadas por todos na vida cotidiana em seu relacionamento com o próximo e advém da mesma fonte: a deficiente cultura cívica, que não se aprende nas escolas, que somente ensinam, mas não educam. Onde claudica a pedagogia cívica, a meu ver, aquela que torna amena a vida em comunidade, não pode haver cultura política, de cujas deficiências padecem as democracias, instituições como lei e justiça, ordem e responsabilidade coletiva, sobre as quais foram erigidos os padrões da civilização, correm risco, pela perda de confiança das pessoas na eficiência das demais instituições da sociedade.

Espetáculos que emulam a paixão coletiva das torcidas de futebol, aqui como em alguns outros países, terminaram se transformando em cenários para a exibição de gladiadores capazes de cenas dantescas de agressão e dos piores instintos de agressividade insana.

O resultado é a repetição, no plano individual, das carências que podem ser observadas nas ações coletivas das multidões: as chacinas, o abuso do poder, da força, o império da violência pela certeza da impunidade e de sinais, cada vez mais visíveis, de desvios de conduta dos que agem inspirados não por padrões civilizados, mas pelos das multidões desregradas.

O homem contemporâneo, enfim, deixou de ser mero espectador da “multidão solitária” - a que se referiu David Riesman, em seu livro assim intitulado. Para reverter um quadro que se dissemina em várias nações, como o queeste ano abalou os subúrbios de Paris, berço, aliás, de tantas tradições culturais, temos que começar pelos péssimos hábitos da vida pública que se refletem e se repetem na vida privada. Entre eles, o de não observar deveres elementares, inclusive o de cumprir horários; o da incontinência verbal; o uso abusivo de jargões, que lamentavelmente degradam cada vez mais o sentido da autoridade, que deve presidir tanto a conduta coletiva quanto a que se espera prevaleça na intimidade da vida familiar.

A utilização desmesurada dos infinitos recursos judiciais com que os contendores privados procuram se livrar do cumprimento de suas obrigações, postergando-as com o auxílio de leis processuais e decisões que mais têm visto os meios que os fins, é a mesma que o Poder Público emprega de forma imemorial para não cumprir as suas obrigações para com a cidadania, abarrotando varas e tribunais como se a chicana tivesse o dom de superar os direitos dos que são lesados pelo uso incorreto do poder. O expressivo número, dezessete milhões de ações impetradas em cada ano, é indicativo do estado cartorial em que estamos mergulhados.

Sr. Presidente, a meu ver só a educação, mais que o ensino, e o ensino pelo exemplo podem reverter essa situação que ameaça se espalhar por toda parte, pondo em riso os padrões sem os quais as sociedades, ordeiras e organizadas, não sobrevivem. Afinal, é preciso não esquecer que as condutas desregradas na vida pública costumam se reproduzir na vida privada. Da mesma forma que os desregramentos da vida privada terminam contaminando a vida pública.

Portanto, Sr. Presidente, sem reformar as instituições sociais, o país corre o risco de se tornar cada vez mais violento e a sociedade perder suas valiosas referências de que depende uma vida digna de ser vivida.

Por conseguinte, concluo citando Norberto Bobbio, seu livro “Entre Duas Repúblicas”, escrito sessenta anos atrás, ou seja, em 1946: “É um absurdo esperar que uma Constituição dure no tempo, não estando sustentada pela convicção de sua conformidade com as exigências de liberdade e de justiça, que, em determinado momento de sua história, um povo amadureceu e expressou aquela espécie de convicção da qual nasce um costume. Mas, é igualmente absurdo imaginar que o costume democrático seja concebido fora das instituições da democracia. Instituições democráticas e costume democrático sustentam-se reciprocamente: o costume precisa da instituição para nascer; a instituição do costume para durar”.

Daí decorre como corolário a necessidade de revermos, em profundidade, o conceito em que se assenta e se alicerça a legitimidade, a utilidade, a finalidade e os limites da atuação do Estado para que ele esteja, efetivamente, a serviço dos interesses da sociedade e do cidadão.

Sr. Presidente, agradeço o tempo que V. Exª me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2006 - Página 21612