Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da passagem, na data de hoje, do Dia Mundial de Combate à Tortura, ressaltando a realidade do sistema prisional brasileiro.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Registro da passagem, na data de hoje, do Dia Mundial de Combate à Tortura, ressaltando a realidade do sistema prisional brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2006 - Página 21635
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, TORTURA, REPUDIO, VIOLENCIA, UTILIZAÇÃO, INQUERITO POLICIAL, COMPROVAÇÃO, INEFICACIA, METODO.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, NECESSIDADE, PROJETO, COMBATE, CORRUPÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, CRIME ORGANIZADO.
  • REPUDIO, OCORRENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PRESIDIO, FAVORECIMENTO, CRIME ORGANIZADO, FORMA, PROTEÇÃO, PRESO, REGISTRO, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, CONSUMO, DROGA, NECESSIDADE, REABILITAÇÃO, DETENTO.
  • NECESSIDADE, ACOMPANHAMENTO, CONTROLE, MOVIMENTAÇÃO, PRESO, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, SEPARAÇÃO, DETENTO, PRESIDIO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESTABELECIMENTO, PACTO, FEDERAÇÃO, GARANTIA, EFICACIA, SEGURANÇA PUBLICA, MELHORIA, PENITENCIARIA, REDUÇÃO, VIOLENCIA, PAIS.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Agradeço a V. Exª, Senador Paim. Sei do esforço que fez para estar na Presidência da Casa, adiando uma reunião para que eu pudesse fazer uso da palavra. Tenho certeza de que se trata de um tema que V. Exª compartilhará comigo.

Hoje, como sabem todos, é o Dia Mundial de Combate à Tortura. Claro que há muito tempo na história de humanidade, buscam-se mecanismos para combater a tortura. Essa condição condenável, não apenas porque é desumana, degradante, promove atos cruéis contra a dignidade da pessoa humana, como também, já demonstrado, é ineficiente e estúpida, inclusive quando utilizada como “metodologia” das investigações policiais.

Não é à toa que já há muito tempo, há dois séculos, muitos juristas romanos apresentavam suas dúvidas sobre a credibilidade de informações decorrentes de práticas de tortura ou adquiridas por elas. Até porque existem muitas pessoas cuja relação com o sofrimento físico é modificada.

Existem pessoas que, mesmo culpadas, agüentam o sofrimento físico de tal forma que nem sob tortura são capazes de confessar o crime que cometeram. E existem outras que, não por serem mais fracas, mas mais frágeis para agüentar o sofrimento humano, são capazes de assumir a culpa do que elas nunca fizeram.

Existem vários depoimentos. Trouxe apenas um, para aqui lembrar, de uma simples cabeleireira piauiense que foi torturada em uma delegacia do País. Ela dizia que os choques eram tão violentos que o corpo parecia decolar do chão: “Amordaçada, eu não conseguia gritar. Fiquei pendurada por horas. Desmaiei várias vezes. Quando acordei, minhas roupas estavam sujas de sangue, eu cheirava a urina e tinha tanta febre que não conseguia conter o vômito. Nua, eu assumi a culpa. Eles me deram uma Novalgina e foram embora”.

Existe, ao longo da história da humanidade, a promoção de torturas diversas, desde a Idade Média, com os chamados tribunais eclesiásticos, os tribunais do Santo Ofício, que de santo nada tinham; muito pelo contrário, absolutamente condenáveis pela lógica da espiritualidade de Deus, de qualquer espírito cristão ou de qualquer outra forma de expressão da espiritualidade ou da religiosidade; os campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, onde judeus, comunistas, ciganos, homossexuais eram submetidos a torturas infames; outras formas de perseguição implacável, seja pela cor da pele, pela religiosidade, pela orientação sexual; torturas em regimes ditatoriais, capitalistas ou - supostamente, porque nunca foram, mas que se reivindicavam - socialistas. Enfim, muitas dessas coisas que são realmente gravíssimas.

Neste dia, vou falar sobre um outro tipo de tortura, Senador Paulo Paim. Vou falar do sistema prisional e de suas torturas. Sei que, todas as vezes que falamos sobre isto, imediatamente muitas pessoas mandam e-mails, dizendo que não estamos pensando na dor das vítimas, das pessoas que foram assassinadas pelos que lá estão privados de liberdade.

Sempre respondo e digo: por favor, não queiram me solicitar uma dor, porque essa dor implacável eu já sofri com o meu irmão mais velho querido, assassinado covardemente - como filho de pobre, nunca acharam o assassino -, achado no meio do matagal com balaços de doze pelo seu corpo, que tirou o brilho dos seus olhos claros e a sua alegria.

Portanto, não queiram cobrar dores porque essas dores nós já sofremos.

Acho muito importante, porque infelizmente - infelizmente mesmo - o debate da violência só vem a público diante do mar de sangue em que policiais foram assassinados, em que pessoas ligadas ao Comando Vermelho (ou não) foram assassinadas também, ou em que, como no vídeo “Falcão”, uma criança disse que quando crescer queria ser bandido. Depois as pessoas esquecem completamente.

Não é à toa que, mesmo depois de o vídeo ser apresentado à sociedade, exibindo experiências traumatizantes de meninas pequenas que eram obrigadas a fazer sexo oral com traficantes de drogas em troca de maconha e de crack, e mesmo depois do mar de sangue em função dos assassinatos ocorridos dos dois lados, absolutamente nada foi feito pelo Governo Federal.

Eu falava que o Congresso Nacional poderia exigir novo pacto federativo em relação ao aparato de segurança pública. Nem vou falar do tratamento das causas, porque muitas vezes V. Exª, assim como a Senadora Patrícia Saboya, a Senadora Lúcia Vânia e a Senadora Iris de Araújo, falam daquilo que significa possibilidade de prevenção, para que nossas crianças e jovens não permaneçam na marginalidade, na criminalidade, no narcotráfico e na violência como último refúgio.

Há uma questão grave no sistema prisional brasileiro.

Não é uma coisa qualquer. Todos os dias há rebelião. Está ocorrendo rebelião no Espírito Santo agora, como já houve nas Febems da minha Alagoas e no sistema prisional, como há no Rio Grande do Sul e em todos os Estados da Federação. Alguns casos são mais escondidos, mas vivenciados em alguma matéria de jornal, como aquele em que uma criança corta a cabeça da outra criança, ou aquele em que pobre mata pobre, ou aquele em que matam o carcereiro, ou aquele em que se torna vítima o familiar que vai visitar o preso. Não é uma coisa qualquer, mas um problema de alta complexidade a ser resolvido.

Tem de ser iniciado imediatamente um projeto claro para o sistema prisional brasileiro, dando conta da ressocialização e do combate implacável à corrupção, seja do aparato de segurança pública no sistema prisional ou no crime organizado.

Não é uma coisa qualquer. Quem assiste às cenas veiculadas pelos meios de comunicação está vendo claramente o que acontece no sistema prisional brasileiro, Senador Paulo Paim. Trata-se de um mecanismo de tortura, de tratamento desumano e degradante. Se as pessoas que lá estão, privadas de liberdade, promovem tratamento desumano, violência desumana e degradante às suas vítimas, não há o que justifique o fato de a pessoa, ao ser aprisionada, privada de liberdade, ser mutilada todos os dias e explorada sexualmente.

Nos presídios brasileiros, para se protegerem, acontece violência sexual todos os dias. Se o Estado brasileiro não protege os seus presos, quem protege é a facção criminosa e deles cobra a ausência de estupro todos os dias e de violências, as mais diversas, até que estejam integrados à rede maldita do crime organizado dos PCCs da vida.

É essencial que o sistema prisional brasileiro tenha, ao mesmo tempo, condições dignas de salário, formação para os agentes penitenciários, combate implacável a todas as formas de corrupção do sistema, atendimento médico e psicoterápico da população carcerária. Cada vez é maior a incidência de Aids, de doenças sexualmente transmissíveis, de tuberculose e de outras coisas igualmente graves. Evitar a dependência e a utilização de drogas psicotrópicas dentro do sistema prisional é essencial. Precisamos promover o acesso ao ensino fundamental, a profissionalização, os projetos agrícolas, a capacitação, tendo em vista a ressocialização da pessoa pela inserção no mercado de trabalho.

É necessário o monitoramento de cada um dos presos. Sei que o Senador Magno Malta, várias vezes, já falou sobre o assunto. É inaceitável que não existam mecanismos de controle para o sistema prisional brasileiro. É inaceitável que 60% da população de uma cidade fique sem usar celular para minimizar a possibilidade de utilização de celulares dentro do sistema prisional. É inaceitável - e o Senador Romeu Tuma já falou várias vezes sobre a questão - que não tenhamos nem o mecanismo mais simples existente em vários países do mundo. É barato. Causa um impacto financeiro mixuruca. O impacto social e na área de segurança pública, no entanto, são gigantescos.

Falo da pequena pulseira, ou tornozeleira, com um chip que monitora cada um dos passos de cada um dos presos, esteja ele em liberdade provisória, utilizando o indulto ou encarcerado. É inaceitável dizer que eles não podem ser monitorados, fiscalizados, controlados.

Quanto à questão da relação de presos por metro quadrado, à separação dos presos por delito, por periculosidade, por antecedente criminal, entre presos condenados e provisórios, eu já falei 500 vezes, e 500 vezes mais direi, enquanto cordas vocais eu tiver - embora já muito combalidas -, que é inaceitável um preso, em vez de ser encarcerado pelo crime cometido, pelo antecedente criminal, pelo grau de periculosidade, seja encarcerado conforme a facção criminosa em que ele “milita”. E quem “milita” numa facção criminosa imediatamente declara, para não ser assassinado numa ala vizinha. Quem não é de nenhuma facção criminosa passa a ser quando lá está.

Então, faço mais uma vez, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um apelo no sentido de que o Governo Federal, diante de todos os dados concretos, objetivos, tenha um diagnóstico completo da área de segurança pública, incluindo o sistema prisional brasileiro. Todos os Secretários de Segurança Pública, de Justiça Social, ou qualquer nomenclatura que tenha nos Estados, fizeram um diagnóstico com um nível de detalhamento inimaginável. Então, é essencial que o Governo Federal chame todos esses Secretários, representantes do sistema prisional brasileiro para uma reunião - não é para fazer mais uma reunião de fotografia, porque não adianta reunião de fotografia nem no Senado, nem no Palácio do Planalto nem em nenhum Estado brasileiro. Com todo esse diagnóstico estabelecido pelas Secretarias de Segurança dos Estados brasileiros, com todas as propostas concretas a serem implementadas a curto prazo, a partir de agora, o Governo Federal tem que assumir a coordenação desse processo e estabelecer um pacto federativo, relacionado diretamente à área de segurança pública e ao sistema prisional brasileiro, para que não tenhamos que amargar mais novos, malditos e inimagináveis dias de violência neste País.

Este é o apelo que faço: que todas as proposições concretas apresentadas sejam assumidas pelo Governo Federal, estabelecendo quais os mecanismos que serão disponibilizados, quer seja de recursos financeiros, quer seja de prerrogativas assumidas pelos Municípios, pelos Estados e pelo Governo Federal, para que possamos, ao menos, minimizar o risco de ver ações de tanta violência.

Então, que, neste dia, Dia Mundial contra a Tortura, além da convenção contra tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes, possamos incluir questões em relação a essa situação gravíssima por que passa o sistema prisional brasileiro.

É só, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2006 - Página 21635