Discurso durante a 94ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com os valores éticos da sociedade, salientando aspectos da entrevista de Sílvio de Abreu, autor da novela "Belíssima", da Rede Globo, publicada na revista Veja.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Preocupação com os valores éticos da sociedade, salientando aspectos da entrevista de Sílvio de Abreu, autor da novela "Belíssima", da Rede Globo, publicada na revista Veja.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2006 - Página 22222
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTOR, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEBATE, PESQUISA, ETICA, MORAL, POPULAÇÃO, PARCELA, APROVAÇÃO, MA-FE, OBJETIVO, INTERESSE PARTICULAR, POSSIBILIDADE, VINCULAÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL, REDUÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, DESVALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, ACESSO, RIQUEZAS.
  • APREENSÃO, TOLERANCIA, POPULAÇÃO, CORRUPÇÃO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EFEITO, EXCESSO, IMPUNIDADE, PAIS, CONCLAMAÇÃO, REVERSÃO, SITUAÇÃO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Srª Presidente.

A Revista Veja trouxe, na semana retrasada, nas tradicionais “Páginas Amarelas”, reveladora entrevista do consagrado autor Silvio de Abreu - que, ontem, no Programa do Faustão, comentou e reafirmou o assunto - que se notabiliza hoje por novo extraordinário sucesso: a novela “Belíssima”, da Rede Globo. Tão surpreendentes quanto inusitadas, as constatações do autor merecem reflexão, por que dizem respeito a particularidades do momento nacional que nos preocupam profundamente.

Não se trata de simples observações de Silvio de Abreu sobre a alma brasileira. O autor fala com base em pesquisas realizadas pela Globo com o propósito inicial de sentir as tendências do telespectador quanto aos personagens de “Belíssima”, mas que conseguiram colher tendência que aponta para um perigoso perfil que vem moldando o comportamento do nosso povo.

Na Veja, Silvio começa com uma análise sobre a ambigüidade moral, assumindo que tratar do assunto numa trama para a TV já é grande avanço. “Personagens desse tipo são ricos e fazem o público pensar” - diz ele, afirmando, entretanto, textualmente a seguir ter ficado chocado - como acredito ficou todo mundo que leu a entrevista - ao analisar a aceitação que o gênero tem merecido: é que, para a pesquisa, parcela considerável da sociedade já não valoriza tanto a retidão de caráter.

Em outras palavras, grande parte do público julga que certo é fazer o que for necessário para se realizar na vida. Constatação que, como não poderia deixar de ser, fez com que o próprio Sílvio de Abreu concluísse que a moral do País está “torta e em frangalhos”.

Para o autor, foi “completa surpresa” constatar que as pessoas se mostraram muito mais interessadas nos personagens negativos do que nos moralmente corretos. É que há apenas cinco anos, outro levantamento concluíra que os personagens bons eram os mais queridos. Mas, agora, o tipo bonzinho foi considerado nada menos do que “enfadonho”.

Além disso, segundo Sílvio, o último levantamento revelou que muitos entre os ouvidos se incomodavam com a protagonista Júlia “ficar sofrendo, ao invés de se virar para resolver a vida de forma pragmática”.

Espantado, ele também constatou que o golpe do baú dado por um dos personagens, André, foi encarado com completa “naturalidade”. Senador Paulo Paim, V. Exª deve ter lido a reportagem. O espectador achou que, se precisava de dinheiro, não havia mal em se casar para conseguir esse objetivo.

Nesse ponto, a pesquisa provocou o público, acrescentando que, além do casamento interesseiro, ele estava roubando a mulher. Ao que os entrevistados retrucaram: “Daqui a pouco eles vão ficar bem”. Nessa visão, só o fato de André ser bonito já era o suficiente para ganhar o prêmio máximo: ficar com a mocinha. Imbuído dos resultados da pesquisa, Sílvio de Abreu afirmou ter colhido indícios claros de que essa maior tolerância com os desvios de conduta tem tudo a ver com os escândalos recentes da política.

Essa intrigante sintonia entre a aceitação do mau-caratismo dos personagens e o momento político foi percebida principalmente nas colocações feitas sobre a protagonista, Júlia. Frases como: “Quero ser a Júlia porque aí pago mensalão para todo mundo e ninguém me passa a perna”. Imprescindível registrar que Sílvio de Abreu se indigna com o absurdo, mas reconhece que “a esperteza desonesta” está agora sendo vista com um valor.

Srª Presidente, nem é preciso realizar aqui um grande esforço para deixar evidente o quanto as constatações da pesquisa da Rede Globo são graves, além de tão extraordinariamente preocupantes.

Infelizmente, cabe reconhecer que os desvios de conduta investigados, por pelo menos três CPIs no Congresso Nacional, já merecem certa tolerância por parte do nosso povo, por que o próprio caráter de determinadas parcelas da população já está afetado.

Com um noticiário tão intenso, as mazelas foram se tornando, digamos assim, práticas tão rotineiras que passíveis de absorção. Parte da sociedade já não se escandaliza mais porque tais desvios parecem incorporados ao cotidiano - como se já fizessem parte de uma cultura que começou modesta, com o chamado “jeitinho brasileiro”, até evoluir para este estágio em que os fins justificariam os meios.

A absorção do mau caráter de personagens da novela é, ao mesmo tempo, um péssimo sinal de que a impunidade que o País pratica há tantos anos acaba admitida por segmentos da sociedade, talvez até numa manifestação de profunda desesperança - afinal, nada acontece!

Assim, o vale-tudo, o golpe do baú, a trapaça ganham força. E, destaque-se: esse aspecto é absolutamente recente, pois há apenas cinco anos o público valorizava, de maneira extrema, as atitudes leais e corretas. Mas, ao menos no momento, os mocinhos já não são mais unanimidade!

Isso é particularmente desastroso, Srªs e Srs. Senadores! Demonstra a vulnerabilidade que toma conta de importantes segmentos sociais, o que, naturalmente, reflete este angustiante momento político, no qual os imprescindíveis valores da ética são substituídos pelos da troca e da barganha, transformando a política nesse balcão de negócios, Senadora Heloísa Helena, a que V. Exª se refere continuamente, que remete à quebra dos padrões de conduta que deveriam balizar a construção da verdadeira grandeza nacional.

Uma nação com a moral fragilizada, uma nação que começa a admitir o desmantelamento de princípios tão fundamentais como a honestidade caminha na tênue linha que separa a grandeza da via civilizatória daquela de barbárie e autoritarismo que gerou as páginas mais negras e vis da História universal.

Na raiz desses males, a meu ver, mais uma vez se apresenta a questão educacional. Sílvio de Abreu, ao ser indagado se o público das novelas está mais exigente, foi direto: “Não!” E respondeu, completando: “Se as novelas ficaram mais elaboradas, foi pela evolução natural dos autores”. Afirmou, ainda, que “de maneira geral, o nível intelectual do País está abaixo do que era na década de 60 ou 70, porque as escolas são piores e o estudo já não é valorizado como antigamente”.

Ainda para ele, se houve um dia em que a universidade era objetivo de vida, atualmente, o valor não é mais o dignificante: “as pessoas querem é subir na vida, ganhar dinheiro, não importa o resto”.

Essa constatação, Srª Presidente, tem tudo a ver com a forma em que se assentou a economia brasileira: claramente excludente e concentradora. Ou seja: o público vê na TV os personagens poderosos e sonha também chegar lá. Só que, assim como na novela, a pessoa pensa que por meio da via de muito estudo e trabalho dificilmente alcançará resultados, afinal, o País não estabelece oportunidades, não valoriza o talento e, quase sempre, não se importa em criar mecanismos de produção que se suportem na mão-de-obra qualificada, no aperfeiçoamento de recursos humanos e na ampliação dos espaços de mercado.

É vital que reflitamos e partamos para a ação. É importante ressaltar que um início de mudança em cenário tão complexo e negativo exige esforço gigantesco e atitudes coletivas no sentido de se resgatarem valores tão essenciais como a ética e a defesa de virtudes.

O processo precisa ser interativo, mas para se transformar uma Nação rumo ao desenvolvimento é preciso, antes de tudo, modificarem-se a conduta e a forma de agir de suas autoridades. Quando todos se imbuírem do propósito de dar exemplos à sociedade com atitudes positivas, boa índole, tendo por base a moral, toda a sociedade não apenas destinará o merecido respeito aos seus representantes, como intensificará práticas nessa mesma linha de grandeza e retidão de caráter.

Está na hora de se inverter a tendência à aceitação do que é errado, que contagia alguns corações.

Senador Eduardo Suplicy, darei continuidade ao meu discurso e, daqui há pouco, concederei um aparte a V. Exª, com o maior prazer.

O Brasil saberá, como é próprio de sua história, não se guiar por armadilhas que buscam cumplicidade com práticas nefastas, o que eterniza o subdesenvolvimento, decretando a morte do futuro. Somos um País de imensas potencialidades, temos um povo honesto e trabalhador, que sabe afastar as tentativas de más influências, reafirmando a generosidade de seu coração e a valorização das atitudes retas. Nada nos distanciará da honradez, do amor irrestrito às coisas realmente puras e boas.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy, com o maior prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Considero importante, Senadora Iris de Araújo, que V. Exª comente as palavras de Sílvio de Abreu, o qual, em “Belíssima” e em outras novelas da televisão brasileira, em especial da TV Globo, muitas vezes vem captando o sentimento da população brasileira, inclusive com uma percepção de enorme sensibilidade com respeito aos valores. É importante se observar que Sílvio de Abreu tem a consciência de como nós, brasileiros, como Nação, desejamos que sobretudo os valores éticos, a honestidade e os procedimentos mais retos sejam sempre valorizados. Isso, na verdade, é um anseio de todos nós. Por vezes, há pessoas que, por inúmeras circunstâncias, acabam se desviando e têm procedimentos que constituem delitos ou afrontas àquilo que, definido em lei ou não, constitui a norma que todos aprendemos, ao longo da História da Humanidade, quais sejam, respeito ao ser humano e aos valores da família, como os ensinamentos de “honrar pai e mãe”, “amar o próximo como a si mesmo” e assim por diante. Esses são valores que estão presentes em todas as religiões e as transcendem. Então, não se trata apenas fr uma questão da religião católica ou mesmo do cristianismo. Se somarmos o catolicismo e as diversas religiões evangélicas, todo o cristianismo, teremos a maioria da população brasileira, mas esses aspectos também estão presentes no judaísmo, no Antigo Testamento, no islamismo, no budismo, nas crenças das religiões afro-brasileiras, e assim por diante. Há certos valores e princípios éticos que, sabemos, constituem anseios dos brasileiros. As novelas, como “Belíssima”, mostram a realidade de personagens agindo em busca de seus próprios interesses, mesmo que pisoteando o próximo, e isso chama a atenção, por vezes fazendo com que as pessoas compreendam por que, em certas circunstâncias, assim agiram. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que os valores maiores da busca pela ética, pela verdade, pela justiça, pela solidariedade e pela fraternidade estão presentes entre nós e constituem os anseios maiores de todo povo. O pronunciamento de V. Exª se dá na direção de justamente chamar a atenção para esses valores maiores que são do povo brasileiro e que precisam prevalecer. Meus cumprimentos às palavras de V. Exª.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço a V. Exª a oportunidade de seu aparte, que contribui inclusive para que meu discurso tenha maior conteúdo. Peço à Mesa que as palavras de V. Exª sejam agregadas ao meu discurso.

Concluo o pronunciamento dizendo que, se a pesquisa buscava um objetivo e atingiu outro - aquela história de que atirou no que viu, acertou no que não viu -, é importante que nós, políticos, tenhamos exatamente a consciência do papel que representamos dentro da visão que a sociedade pode ter do que é certo e do que é errado. É uma das lições que temos de aprender e praticar neste período conturbado que temos vivido aqui, para que o País se sinta realmente mais confortado, mais presente e realmente tenha condições de estabelecer parâmetros e valores que temos obrigação de aqui representar.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2006 - Página 22222