Discurso durante a 103ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobrança do cumprimento de acordo para aprovar área de livre comércio de Macapá e Santana.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Cobrança do cumprimento de acordo para aprovar área de livre comércio de Macapá e Santana.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2006 - Página 22854
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, CRIAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ZONA FRANCA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), COLABORAÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, CONGRESSISTA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SAUDAÇÃO, AVALIAÇÃO, REFERENCIA, DADOS, DISCURSO, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR.
  • DEFESA, IGUALDADE, INCENTIVO, AREA DE LIVRE COMERCIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO AMAPA (AP), IMPORTANCIA, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO, FRONTEIRA, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, APOIO, INDUSTRIALIZAÇÃO, BIODIVERSIDADE, RECLAMAÇÃO, OBSTRUÇÃO PARLAMENTAR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DESRESPEITO, ACORDO, LIDER, PROTESTO, LOBBY, INDUSTRIA, REGIÃO SUDESTE, INJUSTIÇA, ALEGAÇÕES, PREJUIZO, ZONA FRANCA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), GRUPO ECONOMICO, ABANDONO, MISERIA, REGIÃO SUBDESENVOLVIDA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Para uma comunicação. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui estimulado a vir a esta tribuna ontem quando ouvi o discurso do Senador Arthur Virgílio. Infelizmente, na sessão de ontem, não pude falar. O estou fazendo hoje.

O discurso do Senador Arthur Virgílio me despertou dois sentimentos, de certo modo contraditórios. Um sentimento de grande alegria pelo relato que ele fez do que hoje constitui a Zona Franca de Manaus. E outro de tristeza, pelo fato de que a área de livre comércio de Macapá e Santana e as outras áreas de livre comércio vinculadas a Suframa até hoje não conseguiram ter votado, na Câmara dos Deputados, o projeto aprovado pelo Senado que dá a essas áreas de livre comércio direito de industrializar matéria primas da Região: do setor biodiversidade, do setor florestal e do setor mineral.

Fiquei feliz porque, de certo modo, dei uma contribuição à Zona Franca. Quando ela foi formulada, eu estava no grupo de trabalho que estudou um projeto para a Amazônia, projeto esse que significava a revisão da SPVEA - que então era a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia, e que tinha ainda o Banco da Borracha, enfim, todas aquelas velhas instituições que existiam naquela Região.

Participei do grupo de trabalho que reformulou e do qual saiu a estruturação da Zona Franca de Manaus, em 1966, ao tempo do Governo do Presidente Castelo Branco. Em 1966, começou o grupo e, em 1967, acho que foi instalado. Corrige-me o Senador Gilberto Mestrinho, para que eu seja bem preciso nas datas.

E, depois, como Presidente da República, a Zona Franca de Manaus já estava com o seu prazo esgotado e decadente, e eu, através de um decreto-lei, àquele tempo, revigorei e prorroguei a Zona Franca.

Depois, com o tempo, todos os projetos relativos à adequação da Zona Franca de Manaus tiveram aqui, de minha parte, um grande defensor. Inclusive recordo-me da maior delas, que foi feita pelo Ministro Egberto Batista, quando, em 1992, ele mandou a esta Casa uma reformulação.

Como bem disse ontem o Senador Arthur Virgílio, esse foi um projeto que obteve grande sucesso, uma vez que a Zona Franca de Manaus, hoje, é responsável por 63% de toda a arrecadação do Governo Federal na região da Amazônia, já tem uma exportação de cerca de 6 bilhões da sua produção, mais de duzentos mil empregos gerados pela própria Zona Franca e é o parâmetro que se deve seguir, já hoje não querendo mais nem ser chamada de Zona Franca, mas zona industrial, zona de produção industrial, pólo de produção industrial.

Eu quero dizer que esse sistema de incentivos, um sistema que deu certo para a Zona Franca, foi previsto na Constituição de 1988, isto é, institucionalizado. Trata-se de um programa de incentivo com o fim de evitar as desigualdades regionais.

E assim, na Amazônia, foram criadas algumas áreas de livre comércio destinadas a incentivar aquelas pequenas coletividades que não tinham acesso nenhum nem nenhuma condição de desenvolvimento. Então, foi criada a área de Paracaima, em Roraima, na fronteira com a Venezuela; foi criada a de Tabatinga, na fronteira com a Colômbia; foi criada a de Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia; a de Benjamin Constant, no Estado do Acre; e a de Macapá, no Estado do Amapá, cuja economia do Estado gira em grande parte, hoje, na relação com a Guiana Francesa, uma vez que não tem acesso nenhum, nem por rodovias, nem por linhas regulares de navegação, com o centro-sul.

Pois bem, apresentei nesta Casa um projeto pedindo que fosse dado a essas zonas o mesmo incentivo que existe em grande parte para as grandes indústrias, no sentido de que elas pudessem industrializar os produtos de ordem regional, quer dizer, de matérias-primas regionais, isto é, mineral, vegetal, animal e da biodiversidade.

Isso não competia, não estabelecia nenhuma competição, para destruir a indústria do Centro-Sul, porque são áreas extremamente pobres, pequenas e esses incentivos não significavam nada.

            Pois bem, votamos aqui a Medida Provisória, chamada Medida do Bem, de nº 255. Por essa medida distribuímos cerca de seis bilhões e oitocentos milhões de incentivos fiscais.

(A Presidência faz soar a campainha)

Já terminarei, Sr. Presidente, apenas peço a sua tolerância.

Incentivos fiscais para as indústrias do País inteiro, sobretudo as indústrias do centro-sul.

Depois votamos aqui a renegociação das dívidas da agricultura, que foram justas - acho que sobre os ombros da agricultura repousa realmente a maior carga de sacrifícios pelo desenvolvimento do País, muitas vezes não correspondidos pela atenção dos governos.

Depois votamos a medida de isenção de Cofins, em que também colocamos só a Zona Franca de Manaus; não atingiu outras zonas. Senador Mestrinho, por uma falha dessas que ocorrem nas leis, a Receita interpretou que essas áreas de livre comércio, que vendem cerca de oito milhões por ano, não teriam direito a esse benefício.

Pois bem, o meu projeto foi combatido naquela época porque se disse que era um incentivo fiscal que iria concorrer com a Zona Franca de Manaus. E diziam que não era problema para a Zona Franca de Manaus. Pelo contrário, eu tive o apoio dos Senadores da Zona Franca de Manaus. Mas a indústria do Centro-Sul fez uma celeuma muito grande, de tal modo que passamos a ser um empecilho à votação da emenda chamada de emenda do bem, a 255.

Nesse momento, aceitamos retirar da emenda, com o compromisso, Sr. Presidente, assinado por todos - todos - os Líderes desta Casa, de até o fim de 2005, diz aqui o compromisso, aprovar matéria nessa linha, inclusive a possibilidade de alegação do Poder Executivo acerca da inclusão de novos produtos beneficiados. Queriam até incluir mais produtos do que eu pedia, os Líderes fizeram isso.

Sr. Presidente, até hoje, 2006, essa lei não foi votada, está em regime de urgência na Câmara há cinco meses. E, quando vai ser votada, aparecem sempre uma ou duas pessoas, um Líder ou outro que pede a retirada de pauta.

Isso é uma injustiça que se faz uma vez mais com as regiões mais pobres do Brasil. Então, o Brasil dá mais de 20 bilhões de incentivo durante esse período e nega-se aqui nas Casas do Congresso o incentivo fiscal para que essa gente possa produzir produtos com matérias locais dentro da sua própria região.

Eu citei o exemplo e vou repetir : quase todas as casas daquela área são hoje cobertas de telhas de plástico. Por quê? Elas são importadas do Centro-Sul e, como é área de livre comércio, têm isenção, não pagam nada de imposto; mas, se formos produzir lá telhas, temos de pagar mais de 20% de imposto, o que se torna impraticável. Então a Amazônia, até mesmo pelo clima, se vê na obrigação de importar produtos plásticos e produzidos em outras regiões do País, para que se veja a que ponto chega isso.

Eu, outro dia, soube que havia resistências e procurei saber onde eram - os Líderes nunca me diziam -, mas descobri que eram alguns setores do Centro-Sul, algumas indústrias, algumas delas hoje localizadas em Manaus, que agem por meio de representantes aqui, os quais, muitas vezes, são levados a equívocos por causa desse tipo de pressão, são levados a cometer injustiças como essa. Um deles me disse: “Mas nós não podemos votar com essa generalidade, porque, se botarmos que no Amapá e em Roraima vão industrializar produtos florestais, podem fazer uma indústria de perfume, porque lá há essências que nós não sabemos e podem destruir a indústria de perfume do Centro-Sul”. Meu Deus! Quando ouvi essa argumentação, não tive nada que dizer, porque, em um País no qual se deixa de dar a uma zona, a uma área que está desassistida, a mais pobre do Brasil, que é a da Amazônia, a indústria do Centro-Sul teme que daqui a vinte ou trinta anos se descubra uma essência que venha a destruir,a competir com a indústria de perfume que se instalou no Centro-Sul.

É esse o tipo de coisa que estamos vivendo nesse caso. E a palavra dos Líderes, temos de reconhecer, Sr. Presidente, diante das pressões desses grupos interessados, não vale nada. Eles mesmos estão sendo acusados - e posso dizer que são acusados - de que a palavra que tenho escrita não vale nada. Quem pode confiar mais em acordo nesta Casa? Quem pode confiar mais na palavra dos Líderes, se, por trás de tudo isso, a pressão de grupos econômicos que não querem servir ao Brasil faz com que essa palavra não venha a valer mais nada.

Enquanto isso, o Estado que represento, o Amapá, vive numa pobreza muito grande. E, em vez do Brasil ajudá-lo, ele é que está trabalhando pelo Brasil. Por exemplo, exportamos 1,2 bilhão de minério de manganês, e, agora, descobrimos que estamos exportando ferro. E também não pagam impostos. Esses produtos vêm para aumentar a nossa balança comercial para que possa, como já teve no passado, criar o parque industrial do Centro-Sul.

Então, em vez de o Estado ser, nas suas pequenas coisas, ajudado, ele é que passa a ajudar o Brasil. Quanto é que vale isso? É até vergonha que possamos dizer. No máximo, esses incentivos levariam a R$ 50 milhões por ano. Só nesse último projeto que votamos, como eu disse, da emenda do bem, foram 6,8 bilhões. Quando as fábricas de automóveis deste País, Sr. Presidente, entram em crise de consumo, o Governo imediatamente se movimenta e dispensa o Imposto sobre Produtos Industrializados, porque elas têm um poder extraordinário perante a Nação, mas os pobres ficam nesta situação que eu estou expondo nesta Casa.

Falei com o Presidente da Câmara três vezes. Ontem eu voltei a falar. E o que ele me responde: “Eu não tenho força porque, na hora em que se vai votar, aparece sempre um entrave no qual eu fico impedido de atender a uma coisa das mais justas que se pode votar neste Brasil, que é um fato desta natureza”.

Portanto, Sr. Presidente, eu fiquei estimulado com as palavras do Senador Arthur Virgílio em ver que um projeto do qual participei teve esse sucesso que, hoje, representa a Zona Franca de Manaus, mas, ao mesmo tempo, deu-me um sentimento de tristeza que me obrigou a vir a esta tribuna e dizer estas coisas que estou dizendo porque elas são extremamente necessárias. E que pelo menos sejam do conhecimento do povo brasileiro, sejam do conhecimento dos Srs. Congressistas porque, na verdade, o que se está vendo é que as pequenas áreas de livre comércio estão sendo abandonadas, trucidadas, não funcionam. As de Paracaima, Taguatinga e mesmo as de Macapá estão sendo deteriorando a cada dia e, por quê? Justamente por causa da falta dessa condição de industrializar os seus produtos de matérias primas locais.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Pois não. Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Presidente José Sarney, V. Exª, com competência, defende a execução de políticas alternativas compensatórias, exatamente com a preocupação de eliminar as grandes diferenças regionais e, por conseqüência, reduzir as injustiças sociais, minimizando o impacto provocado pela pobreza que atinge sobretudo algumas regiões do País. Tenho também insistido, nesta Casa, na necessidade de aprovação de políticas públicas que compensem a região da tríplice fronteira, especialmente Foz do Iguaçu. Eu tenho um projeto que propõe a instituição de um fundo de recuperação econômica para Foz do Iguaçu, a exemplo do que já ocorreu no passado, em relação ao Espírito Santo, quando Ernani Galvêas, como Ministro da Fazenda, adotou a providência e transformou aquele Estado. Esse é o mesmo modelo que estamos propondo para a cidade de Foz do Iguaçu, que perdeu muito por oferecer demais. Lá está um patrimônio da humanidade, o Parque Nacional do Iguaçu e também a Binacional Itaipu. As áreas agricultáveis foram desaparecendo em razão da necessidade da preservação ambiental, de um lado, e, de outro lado, o alagamento. Agora, temos que oferecer compensações à cidade, para reduzir os índices de pobreza, que são, lamentavelmente, extraordinários. Esse é o apelo que faço. V. Exª tem razão em fazer esse apelo em relação ao Estado que representa. Da mesma forma, gostaria que esse apelo do Paraná fosse ouvido. Muito obrigado, Presidente.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senador Alvaro Dias, V. Exª mesmo citou que a Constituição fala em políticas compensatórias. No caso que estou falando, ou seja, uma pequena área de livre comércio, quatro pequenas áreas de livre comércio, eu não posso nem falar em política compensatória. O que nós estamos fazendo é quase que caridade. Jamais poderemos pensar em tentar equilibrar o Brasil em termos de desenvolvimento regional com uma região como aquela, que ainda nem começou a ter qualquer tipo de desenvolvimento.

Cito aqui o Senador Mestrinho, porque está naquela região. V. Exª, quando fala em Foz do Iguaçu, é de tamanha desproporção com o que estou falando, que, na realidade, sinto-me no dever de esclarecê-lo. Foz do Iguaçu é hoje o maior centro de turismo que temos no Brasil, é uma região situada numa área altamente desenvolvida e V. Exª diz...

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - SC) - V. Exª precisa conhecer a pobreza e a violência que há lá. É a décima cidade mais violenta do Brasil hoje.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Eu não estou contestando V. Exª. Se lá nessa área V. Exª acha que é necessário que se dê incentivo, que dirá possa eu falar da miséria; não é pobreza, não, é miséria. Não se produz alimento na Amazônia por causa das questões que temos em relação ao solo. Temos que importar tudo. Os preços chegam a duas ou três vezes o preço de cada mercadoria que se compra aqui. Então, isso não é nem política compensatória em relação ao que V. Exª solicita. V. Exª tem razão em defender o seu Estado, mas o que estou falando - e peço o apoio para isso - é que se veja a situação.

Não se pode igualar o que é desigual. São áreas extremamente miseráveis, pobres, que não se podem jamais comparar com qualquer lugar deste País. E nega-se aqui, porque daqui a vinte anos se pode descobrir uma essência na Amazônia que possa destruir a indústria de perfumes do Centro-Sul! Meu Deus! Como se pode pensar num País igualmente desenvolvido, que a Constituição procurou igualar, se, na mentalidade dos homens públicos do Congresso Nacional, os líderes escrevem e não cumprem, e se os homens que vêm aqui pressionar os líderes são homens que têm proposições dessa natureza?

Por isso, estou, uma vez mais, cobrando da Câmara Federal que cumpra a palavra dos Líderes e, mais do que isso, que faça justiça ao Estado do Amapá, votando a lei referente à Área de Livre Comércio de Macapá e Santana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2006 - Página 22854