Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o resultado do jogo entre as seleções brasileira e francesa na Copa do Mundo. Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Dante de Oliveira.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE. HOMENAGEM.:
  • Reflexões sobre o resultado do jogo entre as seleções brasileira e francesa na Copa do Mundo. Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Dante de Oliveira.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2006 - Página 23131
Assunto
Outros > ESPORTE. HOMENAGEM.
Indexação
  • CRITICA, TIME, FUTEBOL, TECNICO ESPORTIVO, PERDA, CAMPEONATO MUNDIAL, AUSENCIA, EMPENHO, TRABALHO, COMPARAÇÃO, PRATICA ESPORTIVA, HISTORIA, IMPERIO, ANTIGUIDADE, AUMENTO, POPULARIDADE, ATLETA PROFISSIONAL, OBJETIVO, LUCRO, DEFESA, NECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, ESPORTE, INTEGRAÇÃO SOCIAL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, DANTE DE OLIVEIRA, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), EX-DEPUTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, REDEMOCRATIZAÇÃO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Arthur Virgílio, que preside a sessão neste momento, Srªs e Srs. Senadores, quero dizer ao Senador Paulo Paim que, cada vez mais, S. Exª nos surpreende positivamente. Hoje, revela, aqui, mais um dos pontos de sua personalidade e recita muito bem os versos que representam a mente e o pensamento do povo gaúcho.

Senador Paulo Paim, as relações do Acre com o Rio Grande do Sul vêem desde o século XIX. Dois personagens gaúchos ajudaram muito na construção da história do Estado do Acre: Assis Brasil e Plácido de Castro. De lá para cá, em diversos momentos, muitas pessoas nos têm ajudado. Recentemente, também temos contado com colegas que, no Rio Grande do Sul, estão ajudando nosso trabalho. Então, por intermédio de V. Exª, agradeço a todo o povo gaúcho por essa ajuda que tem dado ao Estado do Acre.

Sr. Presidente, tenho acompanhado a imprensa nacional, analistas, entendidos de futebol e os que não são muito entendidos e fico cada vez mais indignado com os detalhes que envolvem o resultado daquele jogo da Seleção Brasileira com a seleção francesa.

O que tem deixado as pessoas mais magoadas e mais entristecidas é o fato de os jogadores da Seleção Brasileira não se terem mostrado, em momento algum, abatidos com o resultado. Ao se disputar uma partida, é claro que se pode ganhar ou perder. Além do mais, era uma fase do campeonato em que não cabia o empate, tinha de haver um vencedor, daí a prorrogação, os pênaltis.

Aliás, algumas partidas foram dramáticas. Uma delas foi aquela em que Portugal disputou sua classificação nos pênaltis, e seu goleiro fez verdadeiros milagres para tentar levar a representação de Portugal, pela primeira vez, a uma final de Copa do Mundo. Viu-se até o técnico Felipão se emocionando, chorando, depois que perdeu a partida com os franceses por um a zero. Essa foi a diferença em relação aos jogadores brasileiros.

Começam a aparecer cenas de Roberto Carlos amarrando as chuteiras e consertando o meião no momento em que o atacante francês fazia o gol; de Ronaldinho Gaúcho indo para uma bebedeira na mesma noite comemorar sabe Deus o quê; e de Adriano comprando um carro novo. Essas são as diferenças que deixam os brasileiros tristes. Eu também me sinto assim. Acho que o que aconteceu ali merece uma avaliação mais aprofundada.

Hoje, ouvi pelo rádio que há um prêmio em dinheiro de cerca de US$20 milhões para quem for campeão no domingo; para o vice-campeão, o prêmio será de US$18 milhões; para terceiro e quarto colocados, o prêmio será de US$17 milhões. Seleções na situação da do Brasil, que participaram das quartas-de-final, levarão US$9 milhões. Se a questão é dinheiro, há um prêmio financeiro. Então, houve o quê?

O Ronaldo, o número nove, que agora é o goleador imbatível da história de todas as Copas do Mundo, tem uma premiação pessoal - não foi a Seleção, é o Ronaldo.

Como podemos pode ver essa Seleção Brasileira como uma representação nacional? Dos 24 convocados pelo Parreira, 23 não jogam mais no futebol brasileiro, jogam fora daqui, estão sem pátria, sem memória. O que dizer da brincadeira de Ronaldo, o número nove, a quem se atribui ter dito que, ao viajar não leva mais mala, leva um cartão de crédito, porque mala é coisa de pobre? Essa é uma frase que nos faz lembrar de Naji Nahas. A indignação toma conta de todos nós.

Não sei se vale a pena, Sr. Presidente, numa próxima Copa do Mundo, convocar estrelas que estejam fora do País, disputando em cenários internacionais. O sentimento nacional é necessário. Podemos até entrar numa Copa do Mundo para aprender, para refazer coisas, para até perder, mas para perder suando, lutando, batalhando. Esses jogos envolvem um sentimento: são milhões e milhões de pessoas que param no País, que não vão trabalhar naquele momento, que depositam uma esperança enorme na Seleção Brasileira, agem como se o jogo fosse a última coisa de suas vidas.

O que senti em todos os comentários não foi a tristeza pela derrota em si, mas a tristeza pela zombaria que permeou o semblante dos jogadores da nossa Seleção após o jogo: sorriam, numa boa, tranqüilos; não havia nenhuma cara de acanhamento, nenhuma.

Portanto, isso é muito forte. E quem sou eu para dizer alguma coisa? Mas já que tenho a outorga neste momento de falar no microfone do Senado Federal, digo: está na hora de o futebol brasileiro ter um mínimo a mais de respeito para com a consciência nacional!

Ouço o Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Sibá Machado, quando o assunto é futebol, é Copa do Mundo, não há como nos segurarmos para não fazer um aparte sobre o tema, até porque o resultado, de fato, chocou o treinador e os jogadores e deixou perplexos mais de 180 milhões de brasileiros. Há uma frase muito repetida: cada brasileiro é um treinador de futebol. De fato, isso é verdade, pois cada um escala seu time, diz quem deveria ter entrado no momento certo, quem deixou de ir e deveria ter ido. Senador Sibá Machado, durante um longo período, até os meus 25 anos, participei ativamente dos campos de futebol, jogando pelo menos no juvenil do Flamengo e do Juventude em Caxias; depois fui treinador de algumas equipes lá. Mas nem eu consigo dizer o que aconteceu. Não quero fazer um julgamento precipitado, porque não consigo acreditar que aqueles jogadores não queriam ganhar. Não consigo acreditar nisso. Não consigo acreditar que o Parreira não queria ganhar, porque esse seria um marco para a história das suas vidas, para as nossas vidas e para a nossa geração. Eles, em ampla maioria, não voltarão mais, não terão a oportunidade de disputar outra Copa. Por isso, toda reflexão é viável, é positiva, como V. Exª faz da tribuna do Senado. V. Exª está também ainda chocado com o resultado da Copa: não passamos para a final, não ficamos nem entre os quatro melhores do mundo, o que o Felipão conseguiu, com os portugueses. Sem sombra de dúvida, analisando de forma individual, a maioria de nossos jogadores estaria em qualquer seleção do mundo. Ninguém tem dúvida de que Ronaldinho é um dos melhores do mundo. Ronaldo e Ronaldinho foram considerados, por duas ou três vezes, os melhores do mundo. Então, algo aconteceu no campo psicológico; talvez, tenha faltado uma preparação maior. Mas quero dizer a V. Exª que sou daqueles que ainda depositam um voto de confiança, porque não consegui entender o que aconteceu. Como os melhores do mundo não ficam entre os quatro finalistas, como foi o caso do nosso querido Felipão? Fiz um aparte mais para refletir com V. Exª, que está participando do debate, porque o debate é nacional. Em qualquer loja, mercado, boteco, fábrica, banco em que estiverem reunidas algumas pessoas, esse assunto acaba sendo debatido. Vamos torcer muito para que os erros desse momento sirvam de lição, para que, daqui a quatro anos, possamos voltar a ser campeões do mundo. Quero mais é cumprimentar V. Exª pela ousadia e pela liberdade de trazer para a tribuna do Senado um assunto que, queiram ou não queiram alguns, é tema hoje de qualquer roda de brasileiros reunidos. Parabéns a V. Exª!

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Eu agradeço a V. Exª, que até me chama a atenção para um ponto que eu estava deixando escapar, talvez outro sentimento. Realmente, é preciso pensar e acreditar que Parreira e toda a Seleção estavam ali pensando em vencer aquela partida. O que, talvez, eu queira enfatizar é que a indignação das pessoas de quem eu tenho ouvido os comentários é pelos jogadores não terem demonstrado tristeza com a derrota, como fizeram os alemães, os portugueses, o Felipão chorando abraçado aos jogadores de Portugal quando perdeu aquela partida. São, portanto, esses detalhes que marcam a diferença.

Ontem eu assisti a um documentário sobre o Império romano que falava sobre o Imperador Tito. Esse imperador começou o seu governo em baixa, baixíssima popularidade; aliás, segundo o documentário, chegou a pensar em renúncia. No momento em que o Imperador Tito assume o governo, o Coliseu estava em fase final e lhe vem à mente a idéia de transformar o Coliseu num estádio de disputas esportivas com cenas macabras: de tortura, morte, derramamento de sangue. Ele fez isso uma vez, deu certo. Pronto. Daí ele transforma o Coliseu nesse tipo de ginásio. Assim, ele ganhava duas vezes, pois pegava os seus inimigos políticos, os degradados da sociedade da época e os colocava para enfrentar os leões. E se os leões, ao entrarem naquela rinha, no meio do cenário daquele ginásio, se intimidassem com as pessoas e não atacassem as suas presas, o responsável pelo leão deveria ser sacrificado ali, na frente de todos, substituindo o que seria o sacrifício da presa.

Encerrado o governo Tito, esse sai com a mais alta popularidade.

O que quero dizer com essa comparação: o esporte foi usado na inauguração do Coliseu, e dali em diante, para animar as pessoas com a morte e o sangue derramado. Nos dias de hoje, vemos no futebol a crescente idolatria em relação a alguns jogadores. A idolatria. Tirando alguns excessos dos estádios de futebol, das galerias, a pancadaria a que às vezes assistimos pela televisão, de modo geral, o esporte vem com a paz e a alegria para o mundo.

Comenta-se que mais ou menos a metade da população do planeta, hoje, assiste e admira o futebol. Países sem nenhuma tradição com relação a esse esporte param para ver os jogos: Estados Unidos, a própria Ásia como um todo, o Japão, já com a sua seleção, esforçando-se para crescer nesse esporte, a China e tantos outros que não tinham nenhuma tradição com relação ao futebol investem nessa modalidade. O grande esporte hoje - o futebol - é para a paz e a alegria das pessoas.

Pelé parou uma guerra; foi jogar uma partida de futebol, parando uma guerra! Agora, o Ronaldo, o Ronaldinho no Haiti - o país pára a sua confusão interna, a sua crise para assistir à seleção brasileira.

Não importa o resultado do jogo, querem o prazer de assistir os craques que jogam o melhor futebol do mundo em seu país.

E nós, nosso País, cada vez que o Brasil ia jogar, não importava o horário, as pessoas paravam. Fui a um shopping - estava aqui em Brasília -, precisava almoçar e, qual não foi a minha surpresa, estava fechado. Era o horário do jogo, e todas as lojas estavam fechadas; os funcionários foram dispensados para assistirem ao jogo. Então esta é a diferença: o sentimento é nacional, as nações se encontram por meio de um esporte para poder brindar, saudar, comemorar, confraternizar. É essa a indignação a que tenho assistido.

Sr. Presidente, também não posso deixar de comentar o tema com que V. Exª abre a sessão de hoje.

Em 1984, eu era um jovem ligado ao movimento de juventude da Igreja Católica e morava no Estado do Pará. A vontade de participar das manifestações pelas Diretas Já era muito grande. E, pela televisão, pelo rádio, pelos jornais as notícias chegavam com toda a dificuldade. Em toda a nossa comunidade, naquela época, havia uma casa que tinha um aparelho de tevê; então, durante os noticiários, toda a vizinhança se sentava à porta daquela casa - o dono da casa colocava a televisão na entrada para que pudéssemos assistir ao jornal. E assistíamos aos debates que o País fazia sobre a redemocratização. E qual não foi a minha emoção quando eu ouvi falar em Dante de Oliveira e na corajosa emenda que procurava instalar as eleições diretas no País. Dante de Oliveira passou a ser, na minha mente, naquele momento, um herói. Eu não queria nem saber de passado ou de futuro de Dante de Oliveira, mas aquele momento mexeu muito com os meus sentimentos, com o que eu pensava já naquela época sobre o Brasil. Depois, os resultados da votação: os tanques em torno do Congresso, a ameaça de que, se se votasse, o Congresso iria ser tomado, invadido. Aquilo também foi um novo choque. Fiquei muito preocupado, ficou na minha memória.

D. Pedro I encomendou a primeira Carta Constitucional brasileira. Convocou um grupo de pessoas, que ele chamou de Notáveis, que fizeram a primeira redação. Ele não gostou, rasgou-a e jogou fora. Mandou fazer uma segunda, com base muito mais em si mesmo do que no anseio nacional. De lá para cá, então, o nosso País viveu muitos percalços em sua convivência democrática, com as experiências de regimes mais fechados e prolongados e, em muitos momentos, com o cerceamento total de liberdade, de pensamentos, de expressão.

Dante de Oliveira é cravado nessa história como aquele que teve coragem e disposição de apresentar tal emenda. De lá para cá, já coloca o seu currículo de vida de pessoa pública com as experiências que teve à frente de prefeituras, do Governo de Estado e do Parlamento.

Ficam, aqui, então, as palavras de uma pessoa, um anônimo do período, mais um entre tantos brasileiros que olhavam à distância os fatos que ocorriam e que tinha o maior respeito, um profundo respeito pelo que estava acontecendo.

Assim, queria externar, mais uma vez, o sentimento de respeito que tinha e continuo tendo por Dante de Oliveira. Ao receber a notícia ontem, tive um impacto. Liguei rapidamente para a Senadora Serys para confirmá-la. Isso é realmente algo muito triste, mas é da vida e todos nós, um dia, passaremos por uma experiência como essa.

Sr. Presidente, em meu nome, em nome da nossa Bancada, quero externar mais uma vez a nossa gratidão, a nossa homenagem, a nossa mais profunda admiração e respeito por aquele que ousou juntamente com - ele acaba de chegar no recinto - o Senador José Sarney, que, como Presidente da República, teve uma das mais difíceis missões da sua vida, acredito eu: liderar o País no caminho da sua redemocratização.

Quero até externar, na sua presença, Senador Sarney, que um dos primeiros atos de V. Exª como Presidente da República foi trazer de volta à legalidade os partidos comunistas, que nunca tiveram muitas possibilidades de se legalizarem. Acho que, durante quase oitenta anos de existência dos partidos comunistas no Brasil, eles tiveram uma pequena temporada, na década de 40, ocasião em que participaram das eleições da Constituinte de 46, um ano e meio, dois anos, no máximo, elegem Luís Carlos Prestes ao Senado da República e várias outras pessoas. Mas, de lá para cá, hibernaram novamente na clandestinidade, no cerceamento político, e V. Exª, num dos primeiros atos como Presidente da República, legalizou-os.

Como não temos aqui, neste momento, a representação de nenhum desses dois partidos, falo aqui com o sentimento de brasileiro para agradecer a V. Exª por ter tido a coragem, que não foi pequena, de enfrentar um País atormentado pelo medo, acuado, talvez de cabeça baixa, e se reerguer e ampliar hoje a participação democrática que temos. Então, parabenizo mais uma vez V. Exª também por ter sido uma dos Líderes da redemocratização do nosso País.

Srª Presidente, vou encerrar, agradecendo a V. Exª pelo tempo, até porque ninguém melhor que o Senador Arthur Virgilio para falar de um assunto que nos tocou desde a noite de ontem.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2006 - Página 23131